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Ação questiona falta de transparência e solicita informações sobre licitação milionária do Metrô de São Paulo

Defensorias públicas e organizações da sociedade civil querem saber como serão coletados e tratados os dados biométricos dos passageiros captados por câmeras de reconhecimento facial

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Atualizado: 

10/02/2020

Seis instituições protocolaram nesta segunda-feira (10) uma ação judicial para cobrar informações do Metrô de São Paulo sobre a implementação de um sistema de câmeras com reconhecimento fácil que custará R$ 58,6 milhões aos cofres públicos e tem o potencial de atingir cerca de 3,7 milhões de passageiros que utilizam o sistema diariamente. A ação – movida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Defensoria Pública da União (DPU), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Intervozes e ARTIGO 19, com apoio do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) – solicita dados de estudos prévios realizados pelo Metrô para avaliar o impacto esperado da implementação da tecnologia, bem como os riscos de usá-la no sistema de transporte coletivo.

Segundo as organizações, um investimento dessa natureza e que gerará impacto na vida de milhões de pessoas deveria ser precedido de extenso debate público, com a divulgação ampla e transparente das informações de interesse dos usuários do sistema. No segundo semestre de 2019, o Metrô foi notificado pelo Idec sobre questões de mesma natureza, mas não forneceu respostas satisfatórias, segundo as instituições envolvidas na ação.

Entre as questões a serem respondidas estão: a forma como os dados pessoais dos usuários serão coletados e tratados pelo Metrô; as bases de dados utilizadas como referência; os protocolos de ação em caso de identificação de possível suspeito; quais são os requisitos de confiabilidade e segurança de informação utilizados e as iniciativas a serem tomadas para mitigação de riscos ligados ao vazamento de dados. Em resumo, a ação judicial busca informações consistentes sobre a adequação da iniciativa aos princípios estabelecidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entra em vigor em agosto deste ano.

"A adoção de tecnologias de reconhecimento facial sem cautela impõe enormes riscos a direitos dos usuários. Por isso, todas as informações precisam ser disponibilizadas para que essa avaliação seja feita de modo transparente e para que se possa de fato ponderar se os eventuais benefícios, se existirem, valem à pena. Essa discussão tem ocorrido em diversos lugares do mundo. São comuns os casos de erro, por exemplo, que podem levar a diversas situações discriminatórias e de insegurança que precisam ser consideradas, especialmente em um universo de milhões de passageiros", afirma a advogada Eloisa Machado, do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu).

As organizações buscam, ainda, informações sobre os estudos realizados para verificar a eficácia da implementação da tecnologia, bem como a avaliação sobre os recursos econômicos que poderiam ser despendidos em caso de amplo vazamento de dados pessoais biométricos dos usuários do sistema, o que poderia colocar em risco a própria saúde financeira da empresa. Tais preocupações levam em conta notícias recentes de vazamentos e problemas de segurança de informação já ocorridos em diversos órgãos públicos, nos diferentes níveis federativos, incluindo o Estado de São Paulo.

Publicado em julho de 2019 no Diário Oficial do Estado, o edital de licitação para compra do novo sistema de monitoramento ficou disponível para que empresas e consórcios submetessem propostas que incluíssem a elaboração do projeto de reconhecimento facial, a compra dos equipamentos, instalação e testes nas linhas 1-azul, 2-verde e 3-vermelha. No dia 19 de outubro, o Metrô anunciou que o consórcio Engie Ineo Johnson foi vencedor da licitação com uma proposta de R$ 58.618.282,54.

A ação judicial protocolada pelas entidades reflete a preocupação com a falta de transparência que embasou um investimento tão volumoso em uma tecnologia que ainda possui altos índices de erro. Sem informações precisas, também é questionável a prioridade de se gastar milhões em um monitoramento falho em vez de investir na necessária melhoria e expansão do sistema de transportes sobre trilhos.

Pesquisa da Universidade de Essex, por exemplo, apontou que o reconhecimento facial utilizado pela Polícia Metropolitana de Londres possui 81% de chance de falhar. A tecnologia deveria identificar suspeitos de crimes, mas acertou apenas em 8 vezes dos 42 testes realizados. Nos restantes, o reconhecimento facial identificou pessoas que não faziam parte da lista de suspeitos.

No Brasil, a tecnologia usada em algumas cidades também já apresentou falhas. No dia 9 de julho do ano passado, ​em Copacabana, no Rio de Janeiro, uma mulher foi confundida com uma pessoa procurada pela polícia e acabou detida por engano pela Polícia Militar. As informações preliminares obtidas pelo Idec confirmam que o Metrô pode repassar às imagens a órgãos de segurança pública sem autorização judicial, podendo gerar situações semelhantes na capital paulista, mas em escala exponencialmente maior.

Assim, a ineficácia da tecnologia pode, além de produzir ações discriminatórias contra os milhões de passageiros, impactar a privacidade dos consumidores e piorar a já precarizada experiência do usuário de transporte público, que pode ter, por exemplo, seu longo e cansativo trajeto diário interrompido em virtude de “falsos positivos”.

Tendo em vista a possibilidade de prejuízo aos cofres públicos, de violação dos direitos dos usuários e a falta de transparência em relação a elementos essenciais do processo, as organizações requerem mais informações ao Metrô de São Paulo e reforçam a importância de amplo debate público e do respeito ao ecossistema legal de proteção de dados existentes no país. Também frisam a importância de que o sistema não seja instalado em caso de falta de transparência ou da falta de garantias de respeito aos parâmetros legais existentes haja vista a probabilidade de danos irreversíveis ao poder público e consumidores.