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Matéria publicada originalmente por Correio Popular
No Brasil, 150 pessoas morrem por dia em acidentes veiculares, e este índice elevado tende a crescer ainda mais com as mudanças nas normas de trânsito propostas e/ou implantadas pelo presidente da República Jair Bolsonaro. A insegurança deve também aumentar nas ruas, avenidas e rodovias, caso sejam aprovadas as propostas de alteração no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), apresentadas pelo presidente na semana passada e que ainda deverão ser avaliadas e votadas na Câmara e no Senado.
A avaliação é de especialistas de Campinas e do País, que foram unânimes em criticar as alterações e medidas já criadas e aquelas que ainda estão por vir. Todos consideram-nas um retrocesso em questões de segurança no trânsito e temem o aumento nos índices de acidentes e mortes.
Segundo os estudiosos, trata-se do desmonte de uma cultura e educação que estavam sendo enraizadas entre os condutores de veículos e pedestres. Foram colocadas em práticas duas novas determinações que ‘afrouxam’ as regras que já estavam estabelecidas: a flexibilização para formação de condutores e na retirada da Carteira Nacional de Habilitação (CNH); e a eliminação de radares móveis nas rodovias.
O engenheiro Antônio Celso Fonseca de Arruda, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explicou que a segurança no trânsito em todo o mundo tem como base três pilares, que forma um tripé: educação; engenharia; e fiscalização.
Segundo ele, o primeiro pilar é a educação, que forma a cultura para utilizar equipamentos de segurança e respeitar normas de trânsito. “O segundo é a engenharia, que desenvolve estudos, peças e produtos para garantir a segurança. Cria também equipamentos de controle de velocidade e sensores para o cumprimento das normas, entre outras engenhocas”, explicou. “Já o terceiro é a fiscalização, para cumprimento das regras de trânsito e punição aos infratores”, finalizou.
As mudanças feitas no trânsito, na opinião de Arruda, desmontam este tripé. “Ao acabar com a fiscalização no caso das cadeirinhas para crianças, por exemplo, quebra-se um dos pilares para a segurança no trânsito e a estrutura se rompe por completo”, comentou. “Isto serve também para o caso da eliminação de radares móveis”, comentou.
Quanto à flexibilização na formação e retirada das CNHs, Arruda afirmou que o pilar que se quebra é o da educação. “Os condutores de veículos precisam estar bem preparados para sair às ruas e estradas, pois, caso contrário, o número de acidentes aumentará”, comentou Arruda.
OAB-Campinas
Oswaldo Redaelli Filho, integrante da Comissão de Assuntos de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil- Campinas (OAB-Campinas) e presidente da Associação das Autoescolas de Campinas, disse que as mudanças já realizadas são prejudiciais à segurança no trânsito. “Houve uma flexibilização que faz as pessoas se acomodarem nestas questões de segurança e o resultado pode ser mais vítimas fatais no trânsito”, comentou.
Redaelli destacou que o País assiste à morte de 150 pessoas por dia em acidentes de trânsito. “Ao retirar os radares móveis, há um convite ao motorista para que ele ande em alta velocidade e mate mais pessoas”, disse.
“Os radares são importantes para coibir o excesso de velocidade e devem ser mantidos. Por outro lado, sou contra o uso inadequado dos equipamentos, pois ocorrem muitas ‘pegadinhas’ e instalação em vias e pontos que enganam os motoristas. A solução é usar de forma correta os radares, mas não acabar com eles”, explicou.
Quanto à falta de fiscalização no uso de cadeirinhas para crianças, Redaelli foi categórico. “As pessoas devem proteger as crianças dos possíveis acidentes e se não houver fiscalização muitos condutores vão deixar de usar.”
Quanto às mudanças na formação para retirada de CNHs, Redaelli criticou a redução do número de horas/aula. Na opinião dele, deveria-se manter o mínimo de 25 horas/aula, uma vez que 20 foram consideradas insuficientes.
Redaelli foi favorável à não obrigatoriedade do uso do simulador e também à redução no total de aulas noturnas, passando de quatro aulas no mínimo, para uma, no mínimo.
MUDANÇAS JÁ IMPLANTADAS:
Flexibilizações para formação e retirada da CNH;
Retirada de radares móveis nas rodovias.
ALGUMAS PROPOSTAS DO PROJETO DE LEI:
- Dobrar a pontuação que condena o motorista a ter suspensa a CNH. Hoje, o motorista que acumula 20 pontos em um ano perde temporariamente o direito de dirigir. O projeto eleva esse limite para 40 pontos.
- Fim da fiscalização do uso de cadeirinhas para crianças.
- Curso de reciclagem sempre que, no período de um ano, atingir 30 pontos e não mais 14 pontos, como é hoje.
- Ampliar de cinco para dez anos a validade da CNH. No caso de motoristas com mais de 65 anos, a validade sobe dos atuais três para cinco anos, quando a carteira terá de ser renovada.
- Exclui a exigência de exame toxicológico para motoristas profissionais de ônibus, caminhões e veículos semelhantes na habilitação ou na renovação da carteira.
- Diminuir penas de infrações e o fim da multa para quem trafegar em rodovias durante o dia sem os faróis ligados.
- Multa mais branda para motociclista, como transportar mercadorias em desacordo com as normas – passa de grave para média. A multa para quem usar capacete sem viseira ou óculos de proteção também passa de gravíssima para média, sem suspensão do direito de dirigir.
Entidades se manifestam em nota pública
Mais de 30 entidades da sociedade civil que atuam em mobilidade urbana e políticas públicas de segurança no trânsito emitiram uma nota pública conjunta repudiando as mudanças no CBT, propostas pelo presidente Jair Bolsonaro no começo do mês. O Projeto de Lei (PL) 3.267/2019, entregue à Câmara dos Deputados, deve ser analisado por uma comissão especial.
Entre as alterações, estão previstas novas regras na CNH, elevando de 20 para 40 pontos o limite de suspensão da carteira, e ampliando a validade do documento de cinco para dez anos, o que chegou a ser considerado como uma “premiação aos maus motoristas”. Foi criticada ainda a falta de fiscalização para o uso de cadeirinha de segurança de crianças.
Uma das entidades que assinam a nota de repúdio é o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Rafael Calábria, pesquisador em mobilidade urbana do Idec, afirmou que o PL não traz nada de positivo e aumenta a insegurança no trânsito para motoristas e, principalmente, ciclistas e pedestres. “Especialistas do mundo inteiro debatem medidas de segurança, educação, fiscalização, geometria e infraestrutura viária e o projeto vai no sentido contrário, focando na flexibilização”, disse.
Calábria destacou que o PL ignora todo o debate e dados públicos sobre segurança no trânsito. “Isto é bastante grave porque mexe com a vida das pessoas nas cidades e rodovias”, comentou o pesquisador. A nota das entidades destaca ainda que as mudanças de Bolsonaro deverão aumentar os custos diretos e indiretos à saúde pública em decorrência do aumento de mortes e de lesões decorrentes de acidentes.
O presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Antonio Meira, disse que o projeto apresentado “vai na contramão do que é preconizado pela Organização Mundial da Saúde e pelas organizações que labutam na preservação da vida no trânsito”.
Meira destacou que o CTB é conhecido por especialistas como uma das melhores leis de trânsito do mundo. “Porém, acaba virando uma lei morta, porque os infratores não são punidos. O ideal é aumentar a fiscalização e acabar com a impunidade. Flexibilizar a lei para o infrator só vai elevar o risco de ter mais acidentes, causando mais mortes, mais sequelas, e mais prejuízos para a saúde pública”, defendeu.
Matéria publicada originalmente por Correio Popular