Bloco Associe-se

Associe-se ao Idec

O CDC completa 18 anos, mas precisa de guardiões

<p> <em>Apesar de ser uma lei que consolidou direitos, o C&oacute;digo ainda necessita avan&ccedil;ar em aspectos referentes aos direitos individuais e homog&ecirc;neos dos consumidores</em></p>

separador

Atualizado: 

10/08/2011

Neste dia 11 de setembro o Código de Defesa do Consumidor (CDC) completa 18 anos de sua promulgação. Foi em 1990. Ele passaria a valer efetivamente em março do ano seguinte, mas a data da sua publicação é o apogeu de uma luta iniciada anos antes por juristas, advogados, associações de consumidores e diversas entidades da sociedade civil, além de congressistas e funcionários da área pública e também privada. Dois anos antes, veio a Constituição Federal, lei maior que propiciou e previu o surgimento do próprio CDC.

Se daquela época até hoje as coisas mudaram bastante, o essencial é que o CDC é uma lei generosa em todos os sentidos.

Em primeiro lugar, ela não fala ao consumidor stricto sensu, mas ao cidadão, uma vez que todos, pobres ou ricos, somos consumidores, seja de produtos básicos como os alimentos, de serviços essenciais, como energia elétrica e água, seja de mercadorias supérfluas e serviços de luxo. O CDC trata a todos de maneira igual.

Em segundo lugar, porque os princípios de defesa do consumidor contidos no CDC são válidos mesmo diante da mudança acelerada em diversos setores da economia - a evolução na área de telecomunicações é um bom exemplo - e da própria estrutura da economia mundial, com a crescente globalização. E eles são suficientes para orientar as leis e regulamentos específicos que têm de ser feitos para regular uma atividade determinada.

Em terceiro lugar, porque o CDC pertence à mesma estirpe de leis como o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente, para citar apenas dois exemplos. É daquelas peças que, ao mesmo tempo em que está alicerçada na realidade do país e do mundo na época em que é confeccionada, permanece também à frente de seu tempo, pois aponta tendências e assimila os sinais de mudanças futuras. E este conjunto de qualidades está sempre guiado para a promoção da cidadania e da justiça social. Mesmo que o ECA, o Estatuto do Idoso e o CDC não sejam integralmente cumpridos, eles têm, inclusive, a qualidade de provocar a tensão necessária a uma sociedade que avança e por vezes recua nos mais variados aspectos. Mas são leis que têm a coragem e a ousadia de registrar os principais anseios de justiça de uma sociedade para consigo mesma.

É por estas razões mesmas que o CDC ainda exige que nos empenhemos mais e mais. Porque é uma lei que consolidou direitos, mas sobretudo porque instituiu novos direitos e continua a permitir a criação ou garantia deles, frente a mudanças que possam surgir. O CDC, tal como as leis citadas - e a própria Constituição -, ainda carece de regulamentação em vários aspectos mais específicos. Neste sentido, a responsabilidade dos governos, dos legisladores e das demais instâncias reguladoras - sobretudo as agências - é enorme. E da sociedade civil também. Nunca devemos deixar que o Código seja subjugado ou distorcido por regulamentos ou leis que tangenciem o tema dos direitos do consumidor.

Riscos ao CDC
Como é normal acontecer com leis deste tipo, inúmeras são as tentativas de modificá-la no plano formal ou mesmo de anulá-la no plano prático.

Segundo levantamento realizado pelo Brasilcon, mais de 160 projetos de lei que objetivam modificar o Código de Defesa do Consumidor tramitam no Congresso Nacional. Muitos, se aprovados, poderão retaliar o CDC e, nos piores casos, representarão um retrocesso na tutela das relações de consumo.

Fiquemos em apenas dois exemplos: o PL nº 3057/2000, que em meio a dispositivos que tratam do parcelamento de solo urbano, traz um que diminui o direito do consumidor a ter devolvido parte do investimento em casos de desistência na compra de terrenos. O CDC diz que o consumidor não pode perder tudo o que pagou, mas o PL impõe tantos descontos ao valor a ser devolvido que, na prática, o consumidor poderá ficar sem nada. Outro é o PL nº 5120/01, que afasta a responsabilidade objetiva e solidária das agências de turismo. Caso entre em vigor, os consumidores de pacotes turísticos terão que resolver os seus problemas diretamente com cada uma das empresas prestadoras de serviço, como hotéis, companhias aéreas ou guias turísticos terceirizados.

A sobrecarga do Poder Judiciário e das instâncias e instituições criadas para maior acesso à Justiça - como os Procons e os Juizados Especiais Cíveis - é também um exemplo de ameaças ao CDC.

À medida que o consumidor fica mais consciente de seus direitos e dispõe de mais canais para seus pleitos, a demanda aumenta. Mas se regulamentos, normas e leis correlatas a temas de interesse do consumidor são confusos, contraditórios ou frouxos, a tendência é a judicialização extrema dos assuntos e a quase certa estagnação da Justiça.

Somado a isso, se a prática das empresas e do próprio setor público contraria os princípios do CDC, tem-se uma situação em que direitos já escritos não se tornam realidade ou, em casos mais extremos, alguns direitos já assegurados recuam e se enfraquecem.

Avanços fundamentais
Entre os avanços propiciados pelo CDC podemos destacar:

estruturação de um Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, composto de um órgão coordenador, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), vinculado ao Ministério da Justiça, os Procons estaduais e municipais - que aumentaram, se equiparam e consolidaram, ao lado da implantação do SINDEC - Sistema Nacional de Informação de defesa do Consumidor.

proliferação de associações de consumidores, refletindo a diretriz do legislador que expressamente reconheceu o caráter instrumental das associações na execução da Política Nacional das Relações de Consumo. É preciso apontar, todavia, que o apoio do Poder Público ainda deixa muito a desejar - não há de fato uma política voltada ao fortalecimento das associações civis.

ampliação e aprimoramento da tutela coletiva em juízo, dispositivo previsto na Lei de Ação Civil Pública que foi potencializado pelo CDC. O Código reiterou a legitimidade das associações para a defesa de direitos em juízo e facilitou sua participação nessas ações, assim como inovou ao incluir os interesses individuais homogêneos como tuteláveis por meio de ações coletivas.

introdução da tutela dos direitos individuais homogêneos representou o grande salto em matéria de defesa do consumidor. Um bom exemplo são as ações que visam a recuperação das perdas dos consumidores com os planos econômicos. Sem a tutela coletiva para casos como esses, muitos abusos dificilmente seriam objeto de ações judiciais individuais, devido aos valores relativamente baixos envolvidos e aos altos custos de um processo (custas judiciais, perícias, honorários advocatícios etc). Ficariam sem reparação as vítimas e o fornecedor não seria desestimulado a praticar novos abusos.

Veja também: Código de Defesa do Consumidor faz 18 anos, exibido no Jornal das Dez da Globo News.