Em tese, todo estudante de Direito aprende logo que sobre o manto da coisa julgada é juridicamente impossível rediscutir uma matéria já julgada.
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11/06/2014
Atualizado:
11/06/2014
Mariana Alves, Rosana Grinberg e Marilena Lazzarini
Há cerca de 5 anos, precisamente em 27 de outubro de 2009, foi certificado o trânsito em julgado de uma decisão emblemática no Brasil por constituir vitória importante dos cidadãos contra um poderoso banco e por dar concretude à legislação que dispõe sobre a tutela coletiva.
Em março de 1993, o Idec ingressou com uma ação civil pública em face de Banco do Brasil com vistas à recuperação das perdas ocorridas nas cadernetas de poupança com o advento do “Plano Verão”. O pedido, feito com base nas Leis 7.347/85 e 8.078/90, não deixa margem à dúvida quanto à tutela dos direitos individuais homogêneos, abrangendo todos os poupadores do país que tinham conta poupança no Banco do Brasil, independentemente de serem ou não associados do IDEC.
Na época, o próprio Banco do Brasil reconheceu textualmente a abrangência nacional da ação quando opôs exceção de incompetência para que a ação tramitasse no Distrito Federal e não na cidade de São Paulo, tendo sido acolhido o pedido e determinada a distribuição da ação em Brasília.
Após o trâmite normal do processo, com a interposição de todos os recursos cabíveis por parte do Banco do Brasil, restou declarado o direito de todos os poupadores do Brasil de se valerem do título executivo para ajuizar execução individual e serem ressarcidos pelas perdas sofridas quando do advento do Plano Verão no longínquo ano de 1989.
A consagração desta vitória é o uso que tantos consumidores já fizeram desta decisão judicial proferida em ação civil pública com abrangência nacional para concretizar seu direito. Muitas execuções individuais já chegaram ao fim, tendo o Superior Tribunal de Justiça declarado dezenas de vezes o direito dos poupadores (AgRg no REsp nº 1.378.983/DF; AgRg no REsp nº 1.365.063/DF; AgRg no REsp nº 1.369.093/DF; AgRg no REsp nº 1.370.984/DF; AgRg no REsp nº 1.372.324/DF; AgRg no REsp nº 1.372.473/DF; AgRg no REsp nº 1.373.354/DF; AgRg no REsp nº 1.374.114/DF; AgRg no REsp nº 1.370.974/DF; AgRg no AREsp nº 426.879/MS; AgRg no AREsp nº 312.603/MG; REsp nº 1.321.417/DF; EDcls no REsp nº 1.338.484/DF; CC 130.162/DF; AgRg no REsp nº 1.358.024/DF;AgRg no REsp nº 1.352.837/DF; AgRg no REsp nº 1.353.686/DF; AgRg no REsp nº 1.316.504/SP; AgRg nos EDcl no REsp nº 1.322.002/DF; AgRg nos EDcl no REsp nº 1.321.349/DF; AgRg nos EDcl no REsp nº 1.334.661/DF; AgRg nos EDcl no REsp nº 1.339.592/DF; AgRg nos EDcl no REsp nº 1.346.959/DF; AgRg nos EDcl no REsp nº 1.347.116/DF; AgRg nos EDcl no REsp nº 1.347.817/DF; AgRg nos EDcl no REsp nº 1.384.080/DF; AgRg nos EDcl no REsp nº 195.874/DF; EDcl no REsp nº 1.329.647/DF; Rcl nº 10.482/RS).
Inexplicavelmente, o Ministro Luis Felipe Salomão que já teve a oportunidade de se manifestar por 12 (doze) vezes a respeito do assunto sempre concluindo que a sentença da ação civil pública “se aplica indistintamente a todos os correntistas do Banco do Brasil detentores de caderneta de poupança com vencimento em janeiro de 1989, independentemente de sua residência ou domicílio no Distrito Federal, forçoso reconhecer que o beneficiário poderá ajuizar o cumprimento individual da sentença coletiva no Juízo de seu domicílio.”, conforme REsp nº 1.372.364/DF; AgRg no REsp nº 1.378.983/DF; AgRg no REsp nº 1.365.063/DF; AgRg no REsp nº 1.369.093/DF; AgRg no REsp nº 1.370.984/DF; AgRg no REsp nº 1.372.324/DF; AgRg no REsp nº 1.372.473/DF; AgRg no REsp nº 1.373.354/DF; AgRg no REsp nº 1.374.114/DF; AgRg no REsp nº 1.370.974/DF; AgRg no AREsp nº 426.879/MS; AgRg no AREsp nº 312.603/MG, entendeu por bem afetar para julgamento pelo rito dos recursos repetitivos o Recurso Especial nº 1.391.198/RS, em que é Recorrente o Banco do Brasil e Recorrido Laíde José Rossato.
Todo estudante de Direito aprende logo que sobre o manto da coisa julgada é juridicamente impossível rediscutir uma matéria. O que, então, justifica após 5 anos do trânsito em julgado que o Ministro Salomão proponha a rediscussão sobre a abrangência da sentença prolatada na ação civil pública movida pelo Idec em face do Banco do Brasil nº 1998.01.1.016798-9 (se beneficia todos os poupadores do Banco do Brasil, independentemente de sua residência ou domicílio no Distrito Federal) e também a rediscussão acerca da legitimidade ativa dos poupadores (se somente associados do Idec poderiam se valer do título executivo para ajuizamento de cumprimento individual da sentença coletiva)?
A segurança jurídica é pilar constitucional que não pode ser flexibilizado nem mesmo para beneficiar as instituições financeiras que exercem poder inominável neste país.
Só podemos acreditar que a afetação do Recurso Especial nº 1.391.198/RS constitui mecanismo encontrado pelo Ministro Salomão para calar, de uma vez por todas, a irresignação cansativa do Banco do Brasil.
Às vésperas do julgamento, o último esperneio chega por meio da petição da Febraban de 05 de junho, em que requer que “a partir da orientação exarada pelo Supremo Tribunal Federal no que tange à interpretação do inciso XXI do art. 5º da Constituição, a FEBRABAN espera e requer que no julgamento do presente recurso representativo da múltipla controvérsia, em relação à extensão subjetiva, seja assentada tese no sentido de que: “Somente se reconhece legitimidade ativa para execução individual da sentença proferida na Ação Coletiva nº 1998.01.1.016798-9 movida pelo IDEC em face do Banco do Brasil perante a 12ª Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF, aos poupadores que faziam parte dos quadros associativos do IDEC na data do seu ajuizamento e que expressamente autorizaram sua propositura.”
O pedido da Febraban tenta se ancorar no julgamento do Recurso Extraordinário 573.232, de Relatoria do Ministro Lewandovski e Relatoria para acórdão do Ministro Marco Aurélio, cujo acórdão ainda não foi disponibilizado. Segundo notícias já veiculadas, as instituições financeiras apostam neste julgado para reduzir o número de poupadores beneficiários pelos títulos judiciais decorrentes de ações civis públicas, sob a alegação de que o STF teria decidido em caráter definitivo que somente associados que ingressaram na associação antes da propositura da ação poderiam se beneficiar.
Mesmo esquecendo que estamos falando de decisão transitada em julgado há 5 anos, e ainda sem acesso ao teor da decisão da Suprema Corte não disponibilizada, com base apenas na sessão de julgamento e nas peças e decisões interlocutórias acessíveis a todos os interessados no sítio do STF, é possível se concluir que não há similitude fática ou jurídica alguma que qualquer litigante de boa fé pudesse utilizar.
Na discussão travada nos autos do Recurso Extraordinário 573.232, a Associação Catarinense do Ministério Público ajuizou ação, com fundamento no artigo 81, II, do Código de Defesa do Consumidor, na defesa de interesse coletivo estrito senso, só para seus associados, requerendo expressamente o pedido para os seus “representados”. Já a ação civil pública do Idec movida em face do Banco do Brasil tem como esteio o artigo 81, inciso III, que diz respeito aos interesses individuais homogêneos, para beneficiar todo e qualquer poupador, independentemente do vínculo associativo com o Idec a qualquer tempo. O Idec não propôs ação judicial como representante, nos termos do artigo 5º, XXI, da Carta Magna, mas como substituto processual, nos termos das Lei 7.347/85 e 8.078/90, como expressamente fundamentado.
Portanto, mais uma tese insustentável a desrespeitar o bom andamento do processo e a desafiar a inteligência dos julgadores. O que os cidadãos esperam, de uma vez por todas, é a concretização de seus direitos.
Assim como a Colenda Corte Superior do STJ teve a oportunidade de declarar aos bancos que qualquer poupador que se valha de título executivo decorrente de ação civil pública terá o mesmo direito que qualquer outro litigante aos juros de mora desde a citação, espera-se que o Tribunal da Cidadania afaste a pretensão juridicamente impossível do Banco do Brasil de trazer à vida acordão transitado em julgado há 5 (cinco) anos e, o mais importante, em absoluta consonância com o ordenamento jurídico e o entendimento consagrado na Justiça.
Publicado originalmente no site da Carta Maior