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Viagem adiada por causa da pandemia? Conheça seus direitos

Direito a crédito ou reembolso? O que fazer quando passagens aéreas, hotéis ou outros serviços já comprados precisam ser adiados ou cancelados

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O Estado de S. Paulo

Atualizado: 

26/01/2021
Foto: iStock
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Reportagem do caderno Viagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada em 20/01/2021

Marcella Silveira sonhava em levar a filha, Laura, para visitar as princesas na Disney. O embarque estava previsto para março de 2020, quando a pandemia adiou os planos de apresentar o mundo encantado dos parques de Orlando à menina, que fez 7 anos nessa segunda-feira.

“A gente estava com tudo pago, era só comprar dólar para levar”, conta a mãe. A família optou pelo crédito dos valores porque ainda pretende viajar. “O de hotel e o de carro são por prazo indeterminado. Como a gente comprou a passagem muito antes, teve de remarcar em agosto e emitiu de novo para fevereiro. Avisei que não vou pagar multa pois não estou deixando de ir porque quero. As fronteiras dos Estados Unidos estão fechadas”, diz.

Férias assim costumam ser realizadas com a contratação de diversas empresas, entre companhias aéreas, hotéis e locadoras de veículos. Esses prestadores podem ser contatados pelo consumidor ou, por exemplo, por meio de um agente. Em decorrência da pandemia, todas as partes envolvidas no processo tiveram prejuízos. Mas, para especialistas consultados pelo Estadão, o viajante saiu em desvantagem.

“O consumidor perdeu mais. As famílias ficaram endividadas. Todo mundo está passando por uma situação delicada, mas não se pode nunca esquecer da vulnerabilidade do consumidor”, diz Igor Marchetti, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “A lei protege as empresas”, afirma. O Idec presta assistência a seus associados sobre questões relacionadas ao consumidor (atendimento personalziado está disponível nos planos a paerti de R$ 30 por mês).

Regras para companhias aéreas

Para voos entre 19 de março de 2020 e 31 de outubro de 2021, a Lei n.º 14.034 prevê que, se o passageiro pedir à companhia um crédito no valor do bilhete: ele não paga multa para remarcá-lo. As empresas costumam dizer que isso vale para uma remarcação. No entanto, os especialistas ouvidos entendem que isso não está definido claramente no texto da legislação.

“Eu mesmo tinha uma viagem marcada para Portugal. A empresa me pediu que mantivesse o crédito. Tenho até um ano para remarcar sem multa”, conta Alan Guizi, professor do curso de Turismo da Universidade Anhembi Morumbi. “Esse é o caminho para operadoras e companhias aéreas porque ninguém mais quer problemas. Não há caixa para tanta devolução”, afirma o professor das disciplinas de Políticas Públicas de Turismo e Gestão de Produtos Turísticos (que inclui agenciamento de viagens).

Guilherme Farid, chefe de gabinete do Procon-SP, ressalta que as novas regras foram importantes para socorrer as companhias, mas que as negociações precisam ser mais transparentes. “Ninguém quer passar a pandemia e não ter empresas de turismo. Mas o consumidor já deu sua cota de sacrifício: não vai viajar, não pode pedir reembolso direto”, afirma.

Em 2020, houve 23.165 reclamações no Procon-SP contra operadoras e agências de viagem e 8.437 contra companhias aéreas – no ano anterior, foram 4.252 e 2.521, respectivamente. “É importante alertar que o registro da reclamação no Procon leva cinco minutos, e a pessoa não vai precisar mais ligar para a empresa porque o Procon vai atrás disso”, explica Farid.

Marcella recorreu a Camila Jaguaribe, agente de viagens que montou suas férias. Com 20 anos de experiência nesse mercado, há dez anos Camila abriu a Jaguaribe Tours e trabalha em home office com roteiros personalizados. “Com todos os meus clientes, a situação foi resolvida caso a caso. É um desgaste muito grande. Tem regras e a parte burocrática, mas não tive nenhum problema muito sério”, diz.

A disponibilidade em negociar muda conforme o fornecedor, contam tanto Camila quanto a advogada Ana Paula Satcheki, há 20 anos atuando na área de relações de consumo. “Aconteceu comigo. Eu tinha uma viagem para Fernando de Noronha em abril. O hotel foi de uma facilidade ímpar. Quando fui remarcar o voo, a companhia me passou uma tarifa que custava o dobro. Isso não é remarcação, estou comprando outra passagem”, diz a especialista.

Regras para agências de viagem

No caso de serviços de viagem, exceto passagens, a advogada reforça que o consumidor deveria escolher se prefere o reembolso. Mas a Lei n.º 14.046 só permite essa opção quando o fornecedor não oferece crédito ou remarcação. O texto fala de adiamento e cancelamento “em razão do estado de calamidade pública”, reconhecido pelo Decreto n.º 6, que teria efeito até 31 de dezembro de 2020. No entanto, não estimula um prazo final para os serviços prestados. Como a pandemia continua, para os especialistas, a Lei n.º 14.046 segue valendo.

A Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) e outras entidades do segmento negociam com o governo federal uma prorrogação oficial das medidas, como ocorreu com a legislação das aéreas no fim de 2020. “As agências e as operadoras talvez nunca tenham trabalhado tanto e sem ter os mesmos faturamentos. Os casos são inúmeros, com muitas peculiaridades”, afirma Marcelo Oliveira, assessor jurídico da Abav Nacional. “A legislação veio para preservar o patrimônio dos consumidores e não dilacerar os caixas dos prestadores, que já estão destruídos.”

A advogada Ana Paula diz que, embora seja compreensível a dificuldade enfrentada pelas empresas, o viajante precisa ter acesso a uma negociação de fato, o que muitas vezes não ocorre. “O consumidor deve esgotar todos os canais de comunicação e meios administrativos. Se não conseguir resolver, vai para o Judiciário.” Ela explica que todo transtorno a que for exposto, como estresse e perda de tempo, potencializa o prejuízo extrapatrimonial em uma possível causa.

O advogado do Idec recomenda sempre negociar. “A última instância é o Juizado Especial Cível. A premissa básica é fazer um acordo”, diz Marchetti.

Angela Crespo, jornalista que atua há 30 anos na área de defesa do consumidor, as novas leis são bem desfavoráveis para o consumidor. Ela explica que o viajante deve procurar o fornecedor de quem comprou na cadeia do turismo; por exemplo, uma agência de viagem. “Existe uma responsabilidade solidária, entre todos os fornecedores. O consumidor reclama com o que está mais perto dele.”

E se o caso enroscar? “Eu consultaria um advogado que conheça bem a legislação”, diz a especialista à frente do site Consumo em Pauta. “Se a empresa receber o dinheiro do fornecedor, por que não devolver para o consumidor? Isso pode até ser permitido pela lei, mas é imoral.”

Conheça seus direitos de viajantes

Quando a companhia aérea cancela o voo, posso pedir reembolso?

A Lei n.º 14.034 determina que a empresa tem de oferecer uma destas possibilidades: reembolso, crédito ou transferência do viajante para um outro voo. Em reembolsos, a companhia tem até 12 meses, contados a partir da data do primeiro voo da viagem, para devolver o total pago pela passagem e pela taxa de embarque. Em bilhetes não reembolsáveis, o consumidor recebe de volta o valor da taxa de embarque.

Se o voo não for cancelado pela empresa, mas eu desistir de embarcar, quais são meus direitos?

Caso solicite à companhia aérea que o valor pago pelo bilhete fique de crédito, o passageiro não paga multa para remarcar a viagem. Bilhetes de tarifas não reembolsáveis também podem ser convertidos em crédito para uso futuro na mesma empresa. Se escolher o reembolso, está sujeito às regras contratuais. Isso significa que pode ter de pagar multa e até não receber o valor da passagem (se a tarifa for não reembolsável).

Quanto tempo tenho para usar o crédito do bilhete?

A companhia tem no máximo sete dias corridos, a partir da solicitação, para conceder o crédito ao viajante. Esse valor pode ser usado em até 18 meses, contados desde a data do recebimento do crédito.

Tenho direito de pedir reembolso de outros serviços pagos a agências, operadoras ou hotéis?

Segundo a Lei n.º 14.046, as empresas não são obrigadas a devolver o valor pago pelo consumidor, desde que garantam a remarcação do serviço ou concedam crédito para viagens futuras. Se o viajante pedir um crédito, tem até 12 meses para usá-lo; para remarcações, são 18 meses de prazo máximo. Se for possível o reembolso, as empresas têm até 12 meses para efetuar a devolução. Quem comprou de agências de viagem recebe o valor que pagou descontada a quantia referente à remuneração do agenciamento e da intermediação prestados.

Não consigo contato com a empresa ou estou insatisfeito com a negociação, a quem posso recorrer?

O viajante pode registrar uma reclamação no Procon (site procon.sp.gov.br, app do órgão ou postos no Poupatempo). O serviço é gratuito, e o Procon notifica a empresa, que pode ser multada caso não preste assistência. Existe ainda a possibilidade de reclamar no consumidor.gov.br, portal no qual companhias aéreas e operadoras estão entre as participantes. É importante documentar cada passo; por exemplo, anotando dia, horário e protocolo de atendimento dos contatos realizados por telefone também. Quando a situação não é resolvida, o consumidor pode avaliar se entra com uma ação em um Juizado Especial ou busca um advogado para uma causa na Justiça comum.

Cautela e flexibilização para comprar

Dois dias antes de deixar a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump pôs fim à proibição da entrada no país de viajantes do Brasil, da União Europeia e do Reino Unido. A medida entraria em vigor em 26 de janeiro, se não tivesse sido rejeitada no memso dia pela equipe de Joe Biden, novo ocupante da Casa Branca. Outro importante destino internacional, a Austrália avalia manter suas fronteiras fechadas até 2022, segundo afirmou no domingo o secretário do Departamento de Saúde, Brendan Murphy.

Esse cenário incerto mostra como é importante analisar as regras antes de comprar viagens. “Nós implementamos uma política de alteração e cancelamento extremamente flexível. Seguimos vendendo tarifas flexíveis, para todo o ano de 2021, pois sabemos que essa condição é essencial para que o cliente se sinta seguro em planejar a sua viagem no contexto atual”, afirma André Sena, CCO (Chief Commercial Officer) da Accor América do Sul.

A flexibilidade para remarcações é uma das fortes tendências do setor de viagens em 2021. Foi a saída encontrada pelas companhias para atrair novos consumidores, já que as pessoas ficaram receosas de precisar cancelar a viagem por causa da situação do coronavírus. “As empresas estão com o faturamento lá embaixo. Para conseguirem obter esse caixa, estão oferecendo facilidades na remarcação, caso o viajante tenha problemas para viajar no futuro”, diz Henrique Castro, professor de Finanças da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP).

O turismo foi duramente afetado pela pandemia. A expectativa da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), que responde por cerca de 90% das viagens de lazer vendidas no País, é de que o faturamento de dezembro e janeiro não chegue à metade do obtido no mesmo período do verão 2019/2020.

A aviação mundial teve prejuízo de U$ 118 bilhões em 2020 e queda de 61% de demanda em comparação a 2019, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata). “Fomos um dos setores que mais sentiu o impacto econômico do vírus”, afirma Henrique Barone, gerente de Produtos e Serviços da Azul, que mantém uma política para casos de covid-19 (veja página da Azul sobre regras para passagens).

Na Latam, as regras foram flexibilizadas. Por exemplo, em cancelamentos de voo pela companhia, o viajante pode reagendar sem taxa nem diferença tarifária. Veja as condições e também outras situações de flexibilização na página da Latam sobre dúvidas relacionadas à pandemia do coronavírus.

A Gol “oferece flexibilidade para remarcação e multas e multas caso o cliente deseje alterar sua viagem para melhor adequar às suas necessidades". Divididas entre voos nacionais e internacionais, as regras estão na página da Gol sobre flexibilização de tarifas.

Companhias internacionais também apostam em prazos maiores. “Bilhetes emitidos até 28 de fevereiro terão isenção da multa na primeira remarcação e a nova data de conclusão da viagem pode ser alterada para até 24 meses a partir do cancelamento da reserva”, diz Giancarlo Takegawa, diretor da Air Canada no Brasil. A regra vale para voos até 28 de fevereiro de 2022.

“Em relação à decisão de viajar ou não, após quase dez meses, temos observado que as restrições de fechamento de fronteiras são as que pesam mais.” Atualmente apenas estudantes em cursos de intercâmbio no Canadá de longa duração já podem entrar no país. Desde 7 de janeiro, o Canadá exige resultado negativo em exame PCR realizado até 72 horas antes do embarque.