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Reportagem do site UOL, publicada em 03/09/2020
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) decidiu suspender o reajuste dos planos de saúde entre setembro e dezembro deste ano por causa da pandemia do novo coronavírus. Para especialistas ouvidos pelo UOL, a medida chegou tarde, não inclui todos usuários e apenas adiou o aumento para o ano que vem.
"A ANS sinalizou que pretende recompor esses valores no ano que vem. Para nós é inconcebível. Houve uma economia das operadoras neste ano com a diminuição dos procedimentos por causa da pandemia. O que eles estão propondo é apenas um adiamento do reajuste, não uma solução. Os consumidores podem ser surpreendidos com reajustes dobrados no ano que vem", afirmou a advogada e coordenadora do programa de Saúde do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), Ana Carolina Navarrete.
Marcos Patullo, advogado especializado em direito à saúde, do escritório Vilhena Silva Advogados, concorda. "Acho que vai ser problemático. Não haverá reajuste agora, entre setembro e dezembro, mas no ano que vem vai ter a cobrança. Os consumidores podem ser pegos de surpresa. A ANS ainda não estipulou como vai ser isso. No panorama que temos hoje, sabemos que vai ter a cobrança e que pode ser diluída ao longo de 2021. Agora, como vai ser mesmo, é a dúvida."
Para a advogada Viviane Limongi, do escritório Limongi Sociedade de Advogados, a ANS deveria exigir transparência das operadoras ou determinar as regras de reajuste. "O fato de não estipularem desde já como será o pagamento desse reajuste é temeroso. Alguns princípios, como o da transparência e o da informação, são muito importantes. Acho que ANS deveria impor que as operadoras informem os parâmetros, ou a própria ANS poderia determiná-los. Não dá para deixar o consumidor em uma situação de angústia."
Medida chegou tarde, avaliam especialistas
Para Viviane, a suspensão demorou para acontecer. "É uma decisão boa, mas deveria ter sido em março, quando foi decretado estado de calamidade pública, e as pessoas começaram a fechar as portas e perder empregos. Se a decisão fosse baseada no dever de solidariedade ao consumidor, a suspensão já deveria ter sido dada", afirmou.
Ana Carolina concorda. "O Idec entende que a medida é bem-vinda, mas é tardia. Deveria ter acontecido no começo da pandemia, e os consumidores não deveriam ser cobrados no ano que vem."
Segundo ela, o Idec notificou a ANS, pedindo esclarecimentos sobre a medida e a ampliação da suspensão para quem já teve reajuste durante a pandemia. "Para quem recebeu reajuste entre março e agosto, o Idec entende que o consumidor deveria ser ressarcido ou ter descontos nas mensalidades futuras."
Suspensão não vale para todos
Para planos coletivos empresariais com 30 usuários ou mais, a regra é diferente. Se os reajustes já foram negociados até este mês, eles serão mantidos. A suspensão só vale se a empresa ainda não havia estipulado o aumento.
O Idec pediu à ANS que os planos coletivos empresariais com 30 ou mais usuários entrem na mesma regra que os demais.
Segundo os especialistas, os planos coletivos são a maioria dos contratos atualmente, mas os reajustes não são determinados pela ANS, e podem ser negociados diretamente com a empresa.
Para o Idec, a ANS deveria atuar nesses planos. "A lei autoriza a ANS a regular os planos coletivos também. Não faz porque é omissa. Se recusa a regular 80% do mercado", diz Ana Carolina.
O que diz a ANS
A ANS informou, por meio de nota, que, "como reguladora do setor de planos de saúde, tem como missão promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, atuando de forma a preservar o equilíbrio e a sustentabilidade do setor. A agência vem monitorando os impactos da covid-19 e tem agido com a máxima celeridade para responder à crise causada pela pandemia, mas é indispensável que qualquer decisão regulatória seja precedida de estudos técnicos que assegurem a viabilidade e a segurança das medidas para o conjunto do setor".
A agência disse ainda que "a suspensão dos reajustes é uma medida excepcional que visa à manutenção dos contratos de planos de saúde durante esse período em que muitos usuários —especialmente os mais vulneráveis— estão enfrentando dificuldades financeiras por conta da pandemia do novo coronavírus. Trata-se de medida regulatória que interfere na atividade econômica regulada e gera impactos no sistema de saúde suplementar, por isso a importância de ser precedida de estudos baseados em informações precisas e dados concretos. Deve, ainda, buscar preservar, tanto quanto possível, as relações contratuais, sob pena de colocar em risco a operação dos planos de saúde e a própria assistência ao usuário".
A ANS afirmou ainda que "não determina o índice máximo de reajuste anual em contratos de planos coletivos por entender que a contratação se dá através de negociação entre duas pessoas jurídicas, havendo, portanto, maior poder de barganha do contratante, o que tende a resultar na obtenção de percentuais mais vantajosos para a parte contratante."
"Embora não estipule o índice, a ANS determina regras para sua aplicação, tais como: obrigatoriedade de comunicação do índice aplicado e de informações no boleto de pagamento e fatura; periodicidade do reajuste e impossibilidade de discriminação de preços e reajustes entre beneficiários de um mesmo contrato e produto; e obrigatoriedade de disponibilização à pessoa jurídica contratante da memória de cálculo do reajuste e metodologia utilizada."
A agência afirmou também que "seguirá realizando acompanhamento criterioso do cenário e tomará todas as medidas necessárias para preservar a assistência aos beneficiários e a sustentabilidade e o equilíbrio do setor".