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Reportagem do portal Metrópoles, publicada em 24/02/2021
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar, nesta quinta-feira (25/2), um recurso extraordinário que tem o potencial de produzir mudanças na extensão dos efeitos de qualquer decisão tomada em ação civil pública por todo o país. Ou seja, os ministros vão decidir se as sentenças devem ser coletivas ou se passam a ser delimitadas apenas ao território do órgão julgador. O tema gera preocupação a integrantes do Ministério Público.
Na prática, o Supremo vai avaliar a constitucionalidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública – nº 7.347, de 1985 –, que impõe limitação geográfica à coisa julgada coletiva. Em resumo, o temor dos procuradores e promotores de Justiça é de que as decisões coletivas passem a valer só para a unidade da Federação onde foram proferidas.
Se o entendimento do STF for de delimitar o território, por exemplo, uma decisão sobre plano de saúde, para proteger todos os consumidores do país, teria que ser validada em cada uma das 27 unidades da Federação.
Para os membros do MP, essa possibilidade não seria nada eficaz para o sistema jurídico do país, acarretando em falta de celeridade nos processos.
Em memorial enviado ao relator do caso na Corte Suprema, ministro Alexandre de Moraes, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público (CNPG) diz que a limitação territorial de decisões de ações civis públicas “propicia incertezas e insegurança jurídica”.
“O entendimento de que os efeitos da ação se limitam ao território de determinada unidade federativa ou região abrangida pelos Tribunais Regionais Federais estimula a repetição de ações nas diversas unidades, posterga a definição de temas relevantes, propicia a edição de soluções conflitantes”, diz trecho do documento.
“Em resumo, contraria todo movimento legal, doutrinário e jurisprudencial de prestígio ao Poder Judiciário, de solução concentrada e mais célere de conflitos”, completa.
Entenda
É função das ações civis públicas tutelar direitos difusos e coletivos, como danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e turístico, entre outros. Elas podem ser ajuizadas por Ministério Público, Defensoria Pública, União, estados, municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações.
O artigo que será objeto de julgamento estabelece que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes [cujo efeito se aplica a todos], nos limites da competência territorial do órgão prolator”. Ou seja, o dispositivo firma que uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (por exemplo) em ação civil pública só teria efeitos dentro dos limites do estado, e não para todo o Brasil.
Caso concreto
A tese que será discutida pelo STF se originou em uma ação civil pública proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) na Justiça Federal de São Paulo, no ano de 2001, contra 16 instituições financeiras, com a finalidade de revisar cláusulas de contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro Habitacional (FSH).
Na primeira instância, houve decisão liminar para impedir que os bancos executassem uma cláusula que autoriza as instituições a promover a execução extrajudicial. Interposto o agravo de instrumento pelas instituições financeiras, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) deu provimento para afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e revogar a liminar.
Opostos embargos de declaração pelo Idec foram acolhidos, em parte, para fins de sanar omissão, estabelecendo a inaplicabilidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, já que o direito reconhecido na causa não poderia ficar restrito a um âmbito regional, dada a amplitude dos interesses em jogo.
Depois disso, os bancos interpuseram recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Após sucessivos pronunciamentos, a Corte Especial do STJ acabou confirmando o posicionamento do TRF-3 em acórdão relatado pela ministra Laurita Vaz.
Em face deste julgado, houve interposição de dois recursos extraordinários, um pelo Itaú e outro pela Caixa Econômica Federal, questionando que o acórdão ofendeu o artigo 97 da Constituição Federal, que estabelece a cláusula de reserva de plenário. O caso chegou ao STF em março de 2018, quando foi distribuído para relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
No plenário virtual, por maioria, os ministros reconheceram a existência da repercussão geral em julgamento finalizado em fevereiro deste ano. O recurso é o leading case do tema 1.075 da repercussão geral.