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Queixas contra SACs cresceram 66,6%. Governo federal estuda providências

Além de investigação sobre práticas, Senacon quer mudar regras para o serviço. Está em estudo restrição de atendimento por telefone a emergências

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O Globo

Atualizado: 

17/11/2020
Foto: iStock
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Reportagem do jornal O Globo, publicada em 07/11/2020

As reclamações relativas a Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs) cresceram 66,6%, de janeiro a outubro deste ano, comparado ao mesmo período de 2019, nos registros feitos nos Procons e no portal de intermediações de conflitos do governo federal, o Consumidor.gov.br. Entre as principais queixas estão a falta de solução das demandas, dificuldades de cancelamento e de contato com a empresa, somadas a descortesias no atendimento.

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, publicará amanhã nota técnica em que endereçará as reclamações à área de sanções do órgão para que avalie as condutas das empresas. O levantamento também será encaminhado às agências reguladoras e aos membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) — que inclui Procons, Ministérios Públicos, Defensorias e entidades civis —para que possam tomar providências.

Contra restrições

O levantamento será enviado ainda ao Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), órgão da Senacon, que encerra neste domingo o prazo de recebimento de contribuições para a edição de um decreto em substituição ao 6.523/2008, que regulamenta os SACs .

As regras estabelecidas pelo decreto deverão ser seguidas por setores regulados, como energia, água, telefonia, bancos e planos de saúde. Há discussão de ampliar para o comércio eletrônico.

A minuta colocada em discussão pela Senacon no conselho tem sido alvo de duras críticas de especialistas. O documento feito a partir de um estudo financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), prevê restrição de atendimento telefônico a situações de emergência e a consumidores de baixa renda. Além disso, exclui das atribuições do SAC prestar informações e esclarecer dúvidas, restringindo-o a receber reclamações e a atender pedidos de cancelamentos. Os demais serviços de atendimento ao consumidor passariam a ser  feitos pelos meios digitais.

Para Ricardo Morishita, professor de Direito do Consumidor e diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor à época que o atual decreto do SAC foi editado, em 2008, a transição para os meios digitais deve ser natural, qualquer ruptura pode gerar dificuldade de acesso.

— Temos que avaliar se estamos preparados para essa transformação digital, sob o risco de deixar consumidores sem acesso. Ninguém é contrário a avanço, o natural é que o consumidor migre para o atendimento que mais lhe convém. Mas qual é o avanço em tornar o atendimento telefônico exceção e reduzir os serviços do SAC?

Vitor Hugo Ferreira, secretário do Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor (Brasilcon), também não é a favor de restrições :

— A atualização exige ampliar canais de comunicação,  oferecer opções diversas de atendimento, por telefone, presencial, uso de tecnologia multicanal.

Entidades querem mais prazo

Segundo a consultora Amelia Regina Alves, pesquisadora associada do Instituto de Psicologia da UnB, responsável pelo estudo, 78% dos 1.119 consumidores ouvidos disseram preferir contato com as empresas por meios digitais. Chama atenção, no entanto, o fato de que todos eram usuários do Consumidor.gov e quase metade tenham ensino superior incompleto, completo ou pós-graduação, o que não reflete a realidade brasileira. Segundo o IBGE, em 2019, apenas 21,4% da população brasileira de 25 anos ou mais tinha ensino superior incompleto ou completo.

Para Amelia, restringir as atribuições do SAC tem como objetivo aumentar o índice de solução do serviço. E chama atenção para a diferença de percepção de consumidores, empresas e reguladores:

— Enquanto boa parte de consumidores e reguladores consideram o serviço de baixa qualidade, a maioria dos fornecedores acredita atender bem aos clientes.

Na quinta-feira, entidades com assento no CNDC pediram ampliação até junho de 2021 do cronograma de trabalho da comissão, iniciado em 14 de outubro e previsão de encerramento em 16 de dezembro.

— Teríamos a possibilidade de analisar com maior profundidade o tema, de ter maior participação do consumidor com audiências públicas e debates — diz Claudio Ferreira, presidente do Fórum Nacional de Entidades de Defesa do Consumidor (FNECDC).

Juliana Domingues, titular da Senacon, destaca que o tema é prioritário e se preocupa em postergar a conclusão:

— Preocupa-me um pedido de dilação de prazo, diante de tantas queixas, mas há a autonomia dos membros do conselho. Nós queremos é um SAC que resolva os problemas.

O texto, de fato, prevê a criação de parâmetros para aferição de capacidade de solução dos serviços, o que seria definido por empresas e agências reguladoras:

— Esses parâmetros deveriam ser estabelecidos pela ótica do usuário, e não da empresa. Sem parametrização comum, podem haver indicadores diferentes, o que dificultaria comparação — pondera Filipe Vieira, presidente da Procons Brasil, membro do CNDC.

Mais transparência

Na sexta-feira, seis entidades, entre elas, OAB e Ministério Público do Consumidor, notificaram a Senacon a prestar informações sobre o processo que originou a discussão do novo decreto e acesso ao estudo que deu origem a minuta.

— Estamos cobrando transparência nesse processo que vem sendo conduzido à toque de caixa, sem a participação das organizações que atendem o consumidor no dia a dia — diz Teresa Liporace, diretora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Luciano Timm, titular da Senacon até três meses atrás, atual relator da comissão que discute o novo decreto do SAC, ressalta que o texto ainda pode ser alterado:

— Não entendo toda a polêmica sobre um texto que é ponto de partida e pode ser modificado. Por exemplo, pelos debates iniciais, acho muito improvável mudar atendimento telefônico.