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Projeto de lei que pode ajudar cerca de 30 milhões de superendividados avança
Publicado originalmente por Valor Econômico, em 27/11/2019
Um projeto de lei que pode ajudar 30 milhões de superendividados no Brasil avança na Câmara dos Deputados, depois de três anos parado. A proposta altera o Código de Defesa do Consumidor e cria um capítulo para prevenir e tratar o superendividamento no país. Entre outras medidas, prevê a renegociação simultânea do devedor com diversos credores, numa espécie de recuperação judicial da pessoa física. O Projeto de Lei 3.515 foi aprovado no Senado em 2015, e ontem o relator da proposta na Câmara, deputado Franco Cartafina (PP-MG), deu parecer favorável.
O relator afirmou que o projeto constitui um “arsenal de regras bastante eficientes para tratar o fenômeno do superendividamento” e, por isso, defendeu a aprovação sem alterações. Logo após a apresentação do parecer, o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) pediu vista. Se aprovado na comissão especial, o texto seguirá para o plenário da Câmara. A expectativa é que a votação avance ainda neste ano.
O Brasil tem hoje 63 milhões de pessoas inadimplentes, o equivalente a 40% da população adulta, segundo a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). A metade é considerada superendividada (nada menos que cerca de 32 milhões de brasileiros), ou seja, não consegue quitar suas dívidas sem comprometer custos relacionados a sua subsistência, como moradia e alimentação. As dívidas com bancos representam mais da metade (53%) das pendências dos inadimplentes.
O objetivo de incluir um capítulo sobre superendividamento no Código de Defesa de Consumidor é reduzir esses números e tornar o mercado de crédito mais saudável. O superendividamento ocorre quando as dívidas são tantas que a renegociação individual com cada credor se torna quase impossível e o mínimo existencial acaba comprometido. Para especialistas, o superendividamento é tratado hoje como um problema pessoal, quando, na verdade, é coletivo.
“Todo o movimento de defesa o consumidor defende a aprovação desse texto exatamente como foi aprovado no Senado, porque ele está muito bom e traz inovações importantes de prevenção do superendividamento”, afirma Claudia Lima Marques, professora titular da UFRGS e diretora do Observatório do Crédito e Superendividamento da universidade.
A proposta pretende prevenir o superendividamento, determinando condições para as instituições financeiras oferecerem crédito, e tratar o superendividado, garantindo direitos para consumidores renegociarem suas dívidas.
Do lado da prevenção, por exemplo, o projeto estabelece que é um direito básico do consumidor a garantia de crédito responsável e a preservação do mínimo existencial, como moradia e alimentação. E impõe que os bancos informem com antecedência e de forma clara os custos envolvidos na tomada de crédito, como taxa mensal de juros e outros encargos, o número de parcelas e a validade da oferta.
A proposta considera que são abusivos contratos que entendam o silêncio do consumidor como consentimento e digam que a instituição pode oferecer empréstimos sem consultar serviços de proteção ao crédito ou avaliar sua capacidade de pagamento.
O projeto proíbe, ainda, qualquer publicidade de crédito que use os termos “sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo” ou com “taxa zero” (com exceção do cartão de crédito, onde só incidem juros caso o consumidor não pague a fatura total). Também proíbe assédio por telefone ou e-mail para que consumidores tomem crédito, principalmente idosos, analfabetos, doentes ou pessoas em estado de vulnerabilidade agravada.
Para tratar o superendividado, a proposta prevê regras para que haja uma conciliação extrajudicial entre as partes e, se for preciso, uma espécie de recuperação judicial da pessoa física, como já existe para as empresas. Especialistas defendem que a aprovação do projeto de lei é urgente e que, neste momento, essa é a principal forma de prevenir e tratar o superendividamento no Brasil.
“Se o Brasil dispõe de lei para socorrer empresas que estão enfrentando dificuldades financeiras sérias, por que o indivíduo e sua família também não podem ter proteção legal semelhante?”, questiona Patricia Cardoso Maciel Tavares, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Segundo a juíza do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Clarissa Costa de Lima, autora de livros sobre superendividamento, uma lei que permita a pessoas físicas uma saída para pagar suas dívidas é importante porque serve de referência para o Judiciário. “Hoje os juízes analisam os superendividados caso a caso e não conseguem determinar uma renegociação de dívidas com todos os credores. Falta um mecanismo jurídico que possibilite estabelecer um plano de pagamento global”, explica.
A economista Ione Amorim, do Idec, afirma que é comum que consumidores tomem um crédito atrás do outro para evitar a inadimplência e, assim, se enrosquem cada vez mais.
Publicado originalmente por Valor Econômico, em 27/11/2019