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Reportagem do Jornal Folha de S. Paulo, publicada em 18/08/2020
A extinção da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), estatal de ônibus de regiões metropolitanas de SP, proposta pelo governo João Doria (PSDB) dentro de um pacote de corte de gastos junto de outros órgãos tão díspares como o zoológico e a CDHU (empresa de habitação), pegou de surpresa os empregados da companhia e gerou críticas entre especialistas.
Nos corredores do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, a decisão provocou debates.
A EMTU é a empresa do governo paulista ligada à Secretaria dos Transportes Metropolitanos que gerencia o transporte de ônibus de 134 municípios nas regiões metropolitanas da capital, da Baixada Santista, de Campinas, do Vale do Paraíba e Litoral e de Sorocaba. No ano passado, transportou 602 milhões de passageiros.
Doria propôs extingui-la em um projeto de lei que enviou na última semana à Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) em que pretende economizar R$ 8,8 bilhões, com o fechamento de dez autarquias e fundações.
As funções da EMTU, segundo o projeto, seriam absorvidas pela Artesp, agência reguladora que cuida, entre outras coisas, da concessão das rodovias paulistas.
No texto enviado à Assembleia, a gestão Doria afirma que a EMTU, ao longo dos anos, "deixou de ser operadora direta de serviços metropolitanos de transporte passando a ser uma gerenciadora de contratos de concessão dos serviços, atuando na especificação dos serviços, definição de modelos de contratação e diretamente no planejamento e fiscalização operacional."
O governo justifica que o serviço de gerenciamento de contratos de concessão tem sido executado por agências que têm "poder de polícia" em suas operações de fiscalização. Essa atividade, em SP, é executada pela Artesp, o que justificaria essa absorção.
A analista de gestão Lomas Camargo, membro do conselho de administração da EMTU, diz que os empregados da companhia foram pegos de surpresa e souberam da extinção pela imprensa. "O problema de tudo é a forma como está sendo feito", afirma.
"A Artesp faz concessão de rodovias, a fiscalização da frota ficaria em segundo plano. A EMTU é uma empresa superavitária, que não depende do governo. Vamos perder isso e passar todo o know how para a Artesp", diz ela.
Há, ainda, o receio é de deixar na rua os 495 funcionários da companhia, todos em regime de CLT.
Para Rafael Calabria, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), a proposta "vai na contramão do que tem sido feito. O que é preciso ser feito é fortalecer a EMTU e avançar para um sistema unificado metropolitano, juntando todas as empresas que operam na região, como acontece em Goiânia."
O risco, diz Calabria, é um transporte pior, à medida que se dedica menos atenção ao sistema.
"O governo trata a mobilidade como uma gestão burocrática de contratos que qualquer um pode fazer. A justificativa é só financeira. É claro que extinguir qualquer empresa gera economia. Mas não tem cabimento técnico, social e até econômico, porque se você precariza um sistema tão básico do funcionamento de uma cidade, como é o transporte coletivo, há impacto econômico na perda de eficiência urbana", afirma.
Membro da Comissão de Transportes da Alesp, o deputado José Américo Dias (PT) afirma que a Artesp não tem estrutura para abrigar a EMTU, uma vez que tem problemas em fazer a fiscalização do que já é hoje sua atribuição, como as rodovias.
"Vão extinguir uma empresa que precisa de melhorias, mas que funciona bem, para colocar sob o guarda-chuva de uma agência que não dá conta", diz.
Secretário de Transportes Metropolitanos na gestão Geraldo Alckmin (PSDB) e hoje consultor em gestão, Clodoaldo Pelissioni afirma que faz sentido passar as atribuições da EMTU para a Artesp, porque a agência pode fiscalizar e multar as empresas do sistema de ônibus.
Pelissioni lembra que já se falava, durante outras gestões, em criar uma nova agência reguladora dentro da secretaria de Transportes Metropolitanos, e que, em tempos de restrição orçamentária, é mais condizente passar essa função para um órgão que já existe, como a Artesp.
O fim da EMTU, no entanto, causou controvérsia mesmo dentro do próprio governo. A Secretaria de Transportes Metropolitanos se posicionou de maneira contrária à medida nas reuniões no Palácio dos Bandeirantes, mas foi vencida pelo novo secretário de Planejamento, Mauro Ricardo. Ele assumiu a pasta após deixar a prefeitura da capital, onde também atuou em projetos para reduzir os custos da administração.
À Folha, a gestão João Doria diz que a extinção da empresa foi discutida tecnicamente pelo governo e seus especialistas, e que a Artesp terá suas atribuições e especializações ampliadas ao absorver "corpo técnico essencial da própria EMTU."
"O objetivo é dar ainda mais agilidade aos trabalhos de concessões de serviços e gestão do sistema, hoje realizados pela EMTU. Não há necessidade de termos uma empresa, se podemos integrar as atribuições a uma agência, que desde 2002 com sucesso, atua na regulação e fiscalização das concessões de rodovias, como também em todas as operações de serviços de ônibus entre cidades", diz o governo em nota.