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O que é o Consea, conselho sobre alimentação omitido por Bolsonaro

Ligado à sociedade civil, Consea não foi mencionado em reorganização de estrutura do governo. Órgão prestava consultoria ao governo em temas como agrotóxicos e agricultura familiar

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Nexo

Atualizado: 

16/08/2019
O que é o Consea, conselho sobre alimentação omitido por Bolsonaro
O que é o Consea, conselho sobre alimentação omitido por Bolsonaro

Imagem: iStock

Matéria publicada originalmente por Nexo.

Combate à fome, alimentação saudável, merenda escolar, agricultura familiar, presença de agrotóxicos ou de componentes geneticamente modificados em alimentos estão entre os assuntos abordados por um órgão cujo destino se tornou incerto no governo de Jair Bolsonaro. 

O decreto nº 9.674, publicado em 2 de janeiro de 2018, reorganiza a estrutura governamental do Executivo. Assim como a MP (medida provisória) 870, editada um dia antes, ele não faz menção ao Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), ligado à sociedade civil e que prestava consultoria direta ao presidente da República com relação a diversos temas relacionados à saúde e alimentação. 

Segundo o texto do decreto, ações, programas e políticas de segurança alimentar e nutricional serão atribuição do Ministério da Cidadania, comandado pelo ministro Osmar Terra. Dentro da pasta, ficarão sob a responsabilidade da Secretaria Nacional de Inclusão Social e Produtiva Rural. Esse mesmo departamento cuidará do Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar. 

Já políticas e fomento da agricultura familiar serão atribuições do novo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.  

As regras de funcionamento do Consea, órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República, estão estabelecidas na lei 11.346 de 2006, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). A lei teve os itens relacionados à composição e às atribuições do Consea revogados pela nova medida provisória. 

Para Igor Brito, advogado do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), entidade que participa do Consea, é cedo para saber como o novo governo tratará de temas como a segurança alimentar e alimentação saudável nas escolas. 

“Difícil imaginar que um governo defensor da família não siga fazendo a defesa desses direitos”, afirmou Brito, ao Nexo. “Precisamos entender qual será a estrutura organizacional que será dada e qual o nível de participação e diálogo com os setores externos.” 


Como funcionava o Consea 

O Consea era um órgão consultivo diretamente ligado à Presidência da República. Ele integra o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), estrutura intersetorial responsável por implementar e gerir a Política Nacional de Segurança Alimentar. 

Segundo o site do conselho, ele é “um espaço institucional para o controle social e participação da sociedade na formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional”. 

Entre os membros do conselho estão representantes de organizações do varejo, movimentos sociais, sindicatos e entidades de defesa do consumidor. No site do Consea, aparecem, por exemplo, pessoas ligadas ao Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), Fbissan (Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), MNPR (Movimento Nacional da População de Rua), Rebrinc (Rede Brasileira de Infância e Consumo), Instituto Alana e Renas (Rede Evangélica Nacional de Ação Social). 

O Consea foi criado em 1993, por Itamar Franco, mas acabou revogado no governo Fernando Henrique Cardoso com a criação do Programa Comunidade Solidária. Foi reorganizado em 2003, no primeiro governo Lula. Um de suas últimas discussões foi relacionada a implementação de ajustes na Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL), regulamentação que promove o aleitamento materno. 


O que o Consea defendeu em 2018 

AGROTÓXICOS 
Em janeiro, o Consea se posicionou contra o projeto de lei 6299/2002, que propunha alterações na legislação sobre agrotóxicos. Em ofício enviado aos deputados de uma Comissão Especial para analisar a proposta, o conselho defendeu a redução do uso dos agrotóxicos “em função dos diversos impactos diretos e indiretos na saúde humana, tais como vários tipos de câncer, mutação genética, autismo, malformação fetal, entre outros”.  O Consea também se posicionou pelo veto no Brasil a produtos agrotóxicos proibidos em outros países. 

AGRICULTURA FAMILIAR 
Em encontro realizado em março, o Consea defendeu a valorização da agricultura familiar, mostrando-se preocupado com as dificuldades enfrentadas por esse modelo de produção, baseado em pequenos proprietários rurais. Para o conselho, a agricultura familiar, urbana e rural, seria importante para “assegurar o acesso da população à ‘comida de verdade’”. Seria ainda um contraponto ao sistema “baseado em monoculturas ou em pouca variedade de produtos”. Problemas de obtenção de crédito e de acesso à assistência técnica foram citados pelo Consea como entraves ao desenvolvimento da agricultura familiar. 

COMBATE À OBESIDADE 
Em abril, o Consea entregou ao ex-presidente Michel Temer um documento em que propõe medidas para a diminuição do consumo de bebidas adoçadas, como refrigerantes. Entre elas estão uma maior regulação na rotulagem nutricional de produtos e o fim de “distorções fiscais” que beneficiariam fabricantes. O conselho apoiou o modelo de rotulagem nutricional com triângulos bem visíveis na frente do produto, indicando teores de açúcar, gordura e sódio de um produto, também defendido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2018. 

TRANSGÊNICOS 
Entre março e abril, quando o Senado discutiu a mudança das regras de rotulagem de produtos transgênicos, o Consea se manifestou em defesa da identificação clara e visível nas embalagens. O conselho também declarou na época que produtos dessa categoria deveriam ser submetidos ao “máximo de testes e pesquisas” para que se verificasse seu impacto na saúde humana e no meio ambiente antes de serem liberados para o consumidor. 

O que mais diz o decreto 
O decreto assinado por Bolsonaro dispõe sobre a reorganização de toda a estrutura do governo. Pelo documento, o Ministério da Cidadania absorveu os antigos Ministério do Desenvolvimento Social, Ministério da Cultura e Ministério do Esporte.

Dentro da nova pasta, além das ações e políticas de segurança alimentar, estarão abrigados a Agência Nacional do Cinema (Ancine), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família e o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). 

Reações às mudanças 
Uma carta assinada por representantes da sociedade civil no Consea repudiou as mudanças. Segundo o texto, o novo governo pretende “esvaziar” as atribuições do conselho. Para os representantes, o encerramento de um “importante instrumento de escuta da sociedade civil” trará prejuízo à qualidade de políticas públicas na área. 

Em nota, a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), entidade de profissionais de medicina social, declarou que, com a medida, “fica automaticamente fechado o principal canal de diálogo” da sociedade civil com o governo sobre temas ligados a áreas de alimentação e nutrição.

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