separador
Atualizado:
A normativa sobre uso consciente do cheque especial, anunciada nesta terça-feira pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), embora positiva, necessita de maior efetividade, dizem os órgãos de defesa do consumidor. Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), trata-se de uma medida educativa, mas não resolve o problema da oferta e dos riscos na utilização do cheque especial, e também na proposta de refinanciamento do saldo, o que poderá resultar em parcelamentos múltiplos e frequentes de saldos.
— Devemos lembrar que o consumidor estará pagando juros sobre juros e com dificuldade para entender a evolução dos saldos — ressalta a economista Ione Amorim, do Idec.
Na opinião da economista, a instrução normativa ainda é muito tímida pelo fato de indicar apenas que, todo mês que a utilização do cheque especial atingir 15% do limite, o consumidor receberá um alerta sobre os riscos e os bancos apresentarão uma proposta de crédito em "condições mais vantajosas" em relação ao juros do cheque especial, “que podem ser entendidas como as demais linhas de crédito pessoal (consignado ou não) que as instituições financeiras já oferecem”. O empréstimo passa a valer a partir de 1º de julho.
Entre as medidas anunciadas, a mais efetiva, diz Ione Amorim, será a desvinculação do limite do saldo em conta corrente, quando o limite do cheque especial era somado ao saldo da conta, induzindo o consumidor a ter a ilusão de que o saldo disponível era maior sem alerta dos custos. A medida também foi elogiada pela Coordenadora do Núcleo de Direito do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Rio, Patrícia Cardoso.
—Vale lembrar que o cheque especial é uma linha de crédito pessoal rotativo pré-aprovada, com a segunda maior taxa de juros do mercado, atrás apenas do rotativo do cartão de crédito — completa a economista do Idec.
Patrícia Cardoso destaca, por sua vez, que o fato de, por tratar-se de uma autorregulação, o normativo torna obrigatória a oferta de uma linha de crédito com juros menores àqueles praticados no cheque especial, normalmente muito altos.
— Anteriormente, esse movimento de um gerente do banco ligar e informar ao cliente que ele está muito tempo no cheque especial, e se não quer fazer um empréstimo, um CDC, um consignado, era uma possibilidade, e não uma obrigatoriedade. E agora, com este normativo de autorregulação, passou a ser obrigatório — afirma Patrícia, lembrando que, diferente das regras do rotativo do cartão de crédito ditadas ano passado, no caso do cheque especial não há a possibilidade de parcelamento automático, o que é benéfico para o consumidor.
A princípio, Patrícia diz não ter visto nenhuma brecha ou “pegadinha” no normativo, mas criticou o fato deste não conter critérios mais rígidos para a concessão do limite do cheque especial no momento em que a pessoa abre a conta:
— Isso faz parte da concessão responsável do crédito. No documento, não se fala nada de o banco ter que avaliar melhor se aquela pessoa terá condições de ter um determinado limite na conta e como este vai ser concedido. O normativo só fala desta questão depois que a pessoa já está usando o limite e não está conseguindo dar conta do pagamento daquele montante do cheque especial. Colocando como se o limite fosse uma renda, e não usado para emergências. Depois que está lá, a pessoa vai usar. Você acaba enxugando gelo, transformando o crédito adquirido no cheque especial numa outra dívida mais barata. Se este item fosse incluído, estariam atacando o mal pela raiz. E esse ponto foi esquecido.
Outro ponto relevante, segundo Ione Amorim, é ausência de transparência sobre a composição do Custo Efetivo Total para avaliar a composição do saldo e os custos adicionais que serão embutidos nos parcelamentos propostos.
— Vale destacar que a autorregulação sobre crédito responsável SARB n° 10/2013 não apresentou resultados efetivos sobre a publicidade e concessão do crédito responsável, o nível de endividamento continuou crescente e mais recentemente como parcelamento do cartão de crédito e renegociação de múltiplas operações denominada de "composição de crédito" apresenta a segunda maior inadimplência entre as modalidades de crédito ao consumidor pessoa física, atrás apenas do cartão de crédito.
William Rocha, especialista em direito do consumidor e consultor da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e Trabalhador (Abradecont), lembra que, como qualquer crédito a juros, o consumidor deve tomar muito cuidado quando for usar o cheque especial. Na sua opinião, a recente medida parece atender ao mercado, mas também é um paliativo favorável ao consumo, o que pode ocasionar em mais endividamento:
— O cheque especial é, basicamente, um contrato existente entre o banco e o consumidor para que este tenha disponível um crédito de um determinado valor vinculado a sua conta bancária que, caso seja utilizado, deverá ser devolvido acrescido de juros e outros encargos. Nesse aspecto, as novas regras da Febraban tentam favorecer mutuamente a manutenção de crédito ao consumidor e também criar condições mais favoráveis ao consumidor no seu uso consciente de crédito.
Rocha ressalta que a linha de credito anunciada pelos bancos é de adesão voluntária e, portanto, diferente da que foi implementada pelo Banco Central em abril de 2017 para o rotativo do cartão de crédito, portanto não contraria o Código de Defesa do Consumidor, principalmente no que dispõe o art. 52 do CDC sobre a proteção do consumidor. De acordo com o artigo, "no fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; acréscimos legalmente previstos; número e periodicidade das prestações; soma total a pagar, com e sem financiamento."
Queixas dos consumidores só crescem
O consultor da Abradecont informou ainda que o número de reclamações dos consumidores aumentou após as novas regras para o crédito rotativo dos cartões de crédito, e acredita que o mesmo deve acontecer com o rotativo do cheque especial. Isso porque, segundo ele, a maioria da população ainda não entende como funciona o novo sistema de rotativo.
- Mesmo com esse crédito rotativo que determina o parcelamento da dívida dos cartões e, agora, com o cheque especial, não deve melhorar o índice de inadimplência do povo brasileiro. Isso porque as reclamações sempre giram em torno das elevadas taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras - bancos e administradoras de cartões de crédito. Sendo assim, com juros altos e o pouco dinheiro do trabalhador, o consumidor não vai conseguir saldar suas dívidas e continuar na roda viva dos cartões e cheque especial, tentando sair do sufoco - conclui o especialista.