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Reportagem do jornal O Globo, publicada em 02/08/2020
RIO - Clareza nas informações sobre mudanças estruturais e práticas para garantir a segurança dos estudantes no retorno à sala de aula, assim como sobre a as escolhas pedagógicas; transparência em relação aos custos e manutenção de um canal aberto para negociação. Esses são os princípios básicos que, na visão de especialistas em direito do consumidor, devem ser seguidos pelas instituições de ensino no momento em que se discute a volta às escolas durante à pandemia.
Para Igor Britto, diretor Institucional do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), os estabelecimentos de ensino devem estar preparados para atender um consumidor mais exigente e crítico diante de tantas incertezas em relação à Covid-19.
— A pandemia exigirá novos modelos de ensino, reformas estruturais das escolas, investimento em tecnologia, modelos híbridos de aulas presenciais e à distância. E todas essas mudanças devem ser informadas a estudantes e responsáveis, para que possam se sentir seguros. Aliás, eles devem ser consultados sobre o retorno — diz Britto.
Andrea Ramal, escritora e consultora de educação, também considera que diálogo com as famílias e flexibilidade serão fundamentais ao pensar numa volta, que não deve ser apressada, acredita:
— É preciso buscar um consenso com os pais e ter flexibilidade, lembrando que tem famílias com pessoas de grupo de risco, outras com contaminados, entender os riscos. Não podemos voltar como se nada tivesse acontecido. Nessa volta, o mais importante será o acolhimento desses estudantes, que estão passando por um momento difícil, reconectá-los ao prazer de aprender — afirma a educadora.
Transparência nos custos
Na enquete feita pela escola dos filhos, de 9 e 14 anos, a médica Viviane Dias disse que os mandaria para a sala de aula, caso o ensino presencial retorne este ano. Ela, no entanto, considera fundamental que haja opção para quem não se sente seguro ou tem familiares em grupo de risco.
Com desconto de 15% garantido na mensalidade desde o início da pandemia, Viviane não sabe se haverá mudanças com a volta do ensino presencial:
— É importante que a escola seja transparente em relação aos custos. Por outro lado, não acho justo que repassem investimentos feitos, por exemplo, em plataformas para ensino a distância que serão importantes para o futuro da instituição — afirma a médica.
A educadora Tatiane Barbosa, mãe de três meninas, duas adolescentes e uma de 5 anos de idade, já decidiu que não vai mandar a menor para escola e já analisa a possibilidade de cancelar a matrícula:
—Não acho justo a escola ter mantido a mensalidade. Aula on-line para criança de 5 anos, sinceramente, não está dando certo. Trabalho fora, é tudo muito complicado. Se não conseguir o desconto, esse semestre penso em trancar a matrícula, o pai é que ainda não está convencido.
A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, na semana passada, suspendendo a efetividade da Lei Estadual 8.864/2020, que garantia descontos nas mensalidades escolares no Estado do Rio, não tira dos consumidores o direito de pleitear reduções nos valores pagos.
— A inexistência da lei não tira o direito de pais e alunos de pleitearem descontos, até porque o que ensejou essa redução foi a mudança na prestação de serviço durante a pandemia, o que ainda não foi restabelecido. Mesmo de volta à escola, o aluno não terá acesso, por exemplo, a toda a infraestrutura de esportes, laboratórios. No entanto, será necessária uma maior mobilização de pais e estudantes para obter o desconto— avalia o diretor do Idec.
Ednaira Lopes, advogada especializada em Direito do Consumidor, diz que o caminho é o bom senso:
— Acredito que as escolas vão manter os descontos, apesar de não terem obrigatoriedade, para não perder o aluno.
Transferência é opção
A advogada Renata Ruback, membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-RJ, destaca ainda que qualquer mudança deve ser informada e avaliada pelos responsáveis:
— Vale lembrar: o contrato deste ano foi feito em cima de outra planilha de custo. Investimentos poderão ser incluídos na planilha do próximo ano. Não se pode, por exemplo, implementar reajustes.
Renata ressalta ainda que quem não conseguir negociar com a escola tem a opção de transferência:
— Mesmo aos inadimplentes a escola não pode negar a documentação para troca de escola.
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Segundo Frederico Venturini, diretor do Sindicato das Escolas Particulares (Sinepe Rio), as instituições de ensino sempre estiveram abertas à negociação e isso permanecerá, apesar da derrubada da lei:
— Há muito as escolas dão descontos e negociam com os pais. Há uma minoria que não está aberta ao diálogo, mas essa não é a prática.
Até 60% de cancelamento
Apesar de defender que manter os estudantes em casa é mais prejudicial à saúde do que o risco da Covid-19, Venturini afirma que a tendência é que sejam adotados modelos híbridos. Ele destaca que a educação infantil é que mais tem sofrido com a pandemia:
— Há escolas em que os cancelamentos chegam a 50%, 60% — diz, garantindo que as escolas não criam dificuldades para quem decide trancar a matrícula.
Veja seus direitos
- Diálogo. Para especialistas, responsáveis e estudantes devem ser ouvidos sobre decisão de volta a aulas presenciais.
- Mensalidade. Apesar de o STF ter derrubado a lei estadual que garantia desconto nas mensalidades, especialistas defendem que o direito à redução se mantém, devido à mudança na prestação do serviço. Sindicato de escolas diz que instituições têm negociado os valores. A recomendação é que estudantes e responsáveis se mobilizem para pleitear descontos.
- Transferência. Quem não conseguir desconto de mensalidade pode optar pela transferência. A documentação não pode ser negada nem a inadimplentes.
- Cancelamento. As escolas não podem cobrar multa de quem quiser cancelar a matrícula.