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Matéria publicada originalmente por Folha de S. Paulo
Na tarde da última sexta-feira (30), o taxista Clóvis Coelho, 44, aguardava seu próximo passageiro com o carro estacionado num ponto de táxi em Perdizes. Na esquina tranquila do bairro, o telefone do ponto estava dentro de uma caixa metálica trancada com cadeado há dias. “Não adianta, ele não toca”, explica Clóvis.
Enquanto isso, sua atenção estava voltada para a tela do celular aberto em um aplicativo de transporte que logo lhe traria um novo cliente.
Clóvis é um dos cerca de 40 mil taxistas paulistanos a conviverem com uma nova lógica de embarque de passageiros que tende a diminuir a relevância dos pontos fixos de táxi espalhados pela cidade.
Um levantamento inédito da Prefeitura de São Paulo, feito a pedido da Folha, mostra que a cidade tem mais de 2.300 pontos de táxis que ocupam um total de 51 km de faixas de vias.
A distância equivale, por exemplo, a uma fila de vagas ocupando toda a marginal Pinheiros, Tietê e parte da rodovia Ayrton Senna até o acesso à rodovia Helio Smidt. Ou ainda a 40% da malha reservada pela prefeitura para corredores de ônibus. Em número de vagas, os táxis têm 25% do espaço dedicado à Zona Azul.
Segundo especialistas, o uso desse espaço público deve ser debatido diante da maior pressão de pedestres por mais espaço e das novas formas de transporte.
Taxistas, por sua vez, dividem-se entre os que veem os pontos cada vez mais ociosos e os que defendem sua permanência, como última fronteira de resistência ao avanço dos aplicativos de transporte.
Os pontos de táxi variam de tamanho: desde os muito pequenos dedicados a apenas um veículo, como o que fica em frente à UBS do Parque Císper, na zona leste, ao gigantesco ponto do Terminal Rodoviário do Tietê, que ocupa mais de 500 metros e pode abrigar 103 veículos.
Mais da metade dos pontos de táxis comportam três veículos, ocupando cerca de 15 metros. Segundo a base de dados da prefeitura, a Sé é a região paulistana com o maior número de pontos. Na periferia, a concentração dos pontos é gradativamente menor. Em Perus, por exemplo, são apenas três pontos.
A dispersão dos pontos no mapa da metrópole revela outro detalhe. Regiões muito ricas e tombadas pelo patrimônio histórico tem concentração menor de pontos.
A área tombada dos Jardins, com cerca de 4,5 km², tem 27 pontos de táxis. Essa região é cercada por outras áreas mais adensadas. Uma delas, de tamanho equivalente e que engloba a região da avenida Paulista, possui mais de 150 pontos.
A menor concentração de pontos ocorre em outros bairros tombados, como o Pacaembu e a City Lapa.
Em tempos de aplicativos de transporte, alguns desses pontos têm rotina bastante pacata, como aquele em que Clóvis trabalha. “Tem vezes que eu fico o dia inteiro sem pegar um passageiro no ponto. Só pelo celular. Não saio de casa pensando em vir para o ponto. Fico circulando pela cidade”, conta.
O taxista Silvio Gonçalves, 38, tem impressão parecida com a do colega. Com dez anos de experiência, ele viu os pontos de táxi na maior cidade do país perderem força de atratividade de passageiros.
Para ele, porém, a presença do táxi ainda serve como referência para os moradores mais antigos do bairro. “Hoje serve muito a idoso”, analisa.
Parte dos taxistas segue fiel aos passageiros que recorrem aos pontos. “É uma questão de confiança com quem vive no bairro, quem é nosso cliente há anos e sabe que pode contar com a gente, diferente do que qualquer motorista de aplicativo”, afirma Gilmar Cassorla, 49, crítico ao que chama de concorrência desleal dos aplicativos como o Uber, que disponibilizam corridas feitas por motoristas não profissionais.
Entre os taxistas, a animosidade com aplicativos do tipo é geral, como se pode imaginar. Gilmar aderiu aos aplicativos que se restringem à solicitação de corridas de táxi, um deles criados pela prefeitura.
Robson Bartholo, 54, nem isso. Ele diz fazer sua resistência pessoal. “Tem aplicativo que desconta o valor da corrida, fazem promoção e eu tenho que pagar gasolina e manutenção do meu carro. Acho que os aplicativos exploram o nosso trabalho”, critica.
De acordo com a pesquisa Origem e Destino do Metrô, entre 2007 e 2017, houve aumento de 24% no número de viagens de táxis —segundo a companhia, impulsionadas por aplicativos dedicados também aos táxis.
Representante dos taxistas autônomos de São Paulo, o sindicalista Natalício Bezerra Silva concorda que novos tempos chegaram aos táxis de São Paulo, trazendo o esvaziamento de alguns dos pontos. “Mesmo assim, o ponto é muito importante, mas ainda para o passageiro que pega amizade e confiança com o taxista”, avalia.
Para a prefeitura, o sucesso dos táxis, contudo, ainda persiste. Prova disso seria o interesse de taxistas por vagas abertas nos pontos existentes da capital. Neste ano, 1.859 vagas foram sorteadas —em média, elas tinham a concorrência de 3,3 interessados.
A prefeitura, que cobra taxas de renovação da autorização para o uso do ponto, informa ainda que a utilização do espaço público pelas vagas de táxi é avaliada constantemente, com a análise de casos pontuais.
Rafael Calábria, pesquisador em mobilidade do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), explica que os 51 km de pontos de táxi espalhados por São Paulo são o reflexo de uma cidade que aprendeu a aceitar que as ruas devam ser usadas para estacionamento de carros. “Conceitualmente, é errado. Existem outros usos mais eficientes para essas vagas”, defende Calábria.
Entre os usos mais eficientes estariam a ampliação de calçadas, a colocação de docas para bicicletários e patinetes ou as ciclovias, por exemplo.
Hannah Machado, coordenadora de desenho urbano e mobilidade da Iniciativa Bloomberg, diz que esse debate em cidades como São Paulo é algo ainda recente.
“As ruas são a nossa maior rede de espaço público. Precisamos usá-las da melhor forma. Se os táxis estão sendo cada vez mais acionados por aplicativos, será que o ponto [fixo] ainda faz sentido?”, questiona. “É uma questão pertinente para ser discutida.”
Consultor em transporte, Horácio Figueira afirma que as vagas de táxi em São Paulo demonstram também a baixa prioridade dada ao transporte coletivo. Diz ele: “Ao sair de várias estações de Metrô, às vezes, é mais fácil encontrar um ponto de táxi do que um ponto de ônibus”.
“É assim nas estações Sumaré, Clínicas, Saúde”, exemplifica. “É um contrassenso!”
Matéria publicada originalmente por Folha de S. Paulo