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Metrô terá reconhecimento facial perigoso para o usuário

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UOL

Atualizado: 

24/06/2020
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Reportagem publicada no site UOL, em 23/06/2020

Garantias básicas para a segurança dos dados coletados da população, a privacidade dos usuários e a proteção de crianças e adolescentes não aforam atendidos pelo Metrô de São Paulo na licitação para um sistema de câmeras com reconhecimento facial, que será implementado ao custo de R$ 58,6 milhões.

Essa é a avaliação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, da Defensoria Pública da União, do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), do Intervozes e da Artigo 19 diante do resultado de uma ação judicial de produção de provas.

As organizações entraram com uma ação judicial, em fevereiro deste ano, para que o Metrô demonstrasse com documentos, relatórios e atas que a implementação do sistema contava com mecanismos para evitar que os dados de cerca de 3,7 milhões de usuários diários fossem coletados e usados de forma indevida.

Dizem, em nota, que a resposta do Metrô mostrou que a empresa "busca implementar um sistema ineficiente e perigoso, sem sequer ter adotado todas as precauções necessárias para evitar violações massivas ao direito à privacidade". E que vão pedir que a Justiça garanta a proteção aos interesses dos usuários do sistema.

"O Metrô está propondo usar um remédio que tem efeitos colaterais muito piores do que a suposta doença que quer tratar, podendo, inclusive, levar o paciente a óbito. As consequências para a privacidade da população tendem a ser devastadoras e o risco econômico pode comprometer fatalmente saúde financeira da instituição", afirma Pedro Ekman, coordenador executivo do Intervozes.

"Empresas como a Amazon, Microsoft e IBM já decidiram suspender o fornecimento desta tecnologia tendo em vista que os riscos indenizatórios são muito altos. O Metrô demonstrou que não está entendendo o tamanho do problema que está criando para ele e para a população", alerta.

Isso é corroborado por Diogo Moyses, coordenador do programa de Telecom e Direitos Digitais do Idec.

De acordo com ele, enquanto governos e empresas estão abandonando o uso dessa tecnologia por violação em massa à privacidade e por seu potencial discriminatório, o Metrô não observou questões elementares.

"A tecnologia de reconhecimento facial já é problemática por si só e a resposta dada deixou claro que o Metrô não tomou sequer os mínimos cuidados necessários para proteger os direitos dos usuários", afirma Estela Waksberg Guerrini, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública de São Paulo.

Para ela, é questionável a prioridade de gastar milhões em monitoramento quando ainda temos um transporte caro, lotado e com falhas frequentes.

Banco de dados e compartilhamento

Após a 1ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo acatar o pedido, o Metrô apresentou atestados de capacidade técnica das empresas do consórcio vencedor, mas não as informações sobre confiabilidade e eficiência do sistema de reconhecimento, segundo as instituições.

Sobre os bancos de dados, afirmou que "haverá sistema de privilégios de acesso e criptografia" no banco a ser montado. E na questão do anonimato e guarda de dados pessoais, disse que "os métodos de anonimização e armazenamento serão melhor detalhados na fase de elaboração do Projeto Executivo". Menciona critérios de acesso das câmeras (como a necessidade de cadastro de pessoas autorizadas) e de criptografia, mas não detalha a questão de segurança dos cidadãos reconhecidos.

Diz que "por ora, não há intenção formalizada a respeito de compartilhamento da base de dados com outras entidades públicas e, muito menos, privadas, muito embora a lei permita sua concretização através de convênio".

"Não tem cabimento o Metrô implementar um sistema desses sem qualquer análise de impacto. A ação mostrou que não foi tomada nenhuma cautela em sistema que, sabemos, já causa mais problemas que soluções", explica Eloísa Machado, advogada do CADHu.

De acordo com ela, os sistemas de reconhecimento para registro de informações de multidões usados, hoje, no mundo não são considerados eficientes. "E num país, como o Brasil, isso vai significar mais negros e pobres sendo 'confundidos' ", afirma.

As entidades citam Londres e o Rio de Janeiro para exemplificar possíveis falhas na tecnologia. Uma pesquisa da Universidade de Essex apontou que o reconhecimento utilizado pela Polícia Metropolitana de Londres possui 81% de chance de falhar. E afirmam que, no Rio de Janeiro, em julho do ano passado, uma mulher foi confundida com uma procurada pela polícia e acabou detida por engano.

Metrô fala em segurança do usuário

Procurado pelo UOL para dar o seu posicionamento sobre a ação judicial, em fevereiro, o Metrô afirmou que "a contratação obedeceu aos requisitos legais e todos os questionamentos foram prontamente esclarecidos" e que "o sistema foi moldado observando as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados".

Esta, segundo a empresa, é a terceira etapa de um processo de atualização tecnológica, "permitindo a identificação e rastreamento de objetos suspeitos, crianças desacompanhadas, além da detecção da invasão de áreas, como pessoas que entram na via e outras situações que colocam em risco o passageiro. O reconhecimento facial é apenas um dos recursos possíveis que pode auxiliar nessas tarefas mencionadas".

De acordo com o Metrô, o Sistema de Monitoramento Eletrônico será implantado com o objetivo de modernizar o atual circuito interno, oferecendo maior segurança a usuários. "Busca também, de forma eficiente, reduzir a quantidade de ocorrências de segurança pública, como assédio e importunação sexual, furtos e roubos nas estações e trens".

Segundo a empresa, "não há qualquer banco de dados com informações pessoais de passageiros e nenhuma informação personificada é registrada quando ele passa pelas catracas do Metrô". A reportagem pediu uma atualização do posicionamento.

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