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Metade dos idosos já se sentiu enganada como cliente, mostra pesquisa

Um terço também se ressente da impaciência no atendimento

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O Globo

Atualizado: 

16/08/2019
Metade dos idosos já se sentiu enganada como cliente, mostra pesquisa
Metade dos idosos já se sentiu enganada como cliente, mostra pesquisa

Imagem: iStock

Matéria publicada originalmente em O Globo

Indústria, comércio e serviços estão longe de estarem preparados para atender os idosos. É o que mostra a análise dos dados de pesquisa feita com duas mil pessoas, entre 60 e 75 anos de idade, em todo o Brasil — 21% no Rio de Janeiro — da consultoria especializada SeniorLab. Quase metade (48%) dos entrevistados já percebeu alguém tentando passá-lo para trás. Praticamente um terço (32%) também se ressente da impaciência no atendimento.

Na esteira de despreparo, as empresas desrespeitam tanto o Código de Defesa do Consumidor (CDC) quanto o Estatuto do Idoso, sem se dar conta do potencial de consumo dessa faixa etária que soma 28 milhões de brasileiros. Em 2031, o número de pessoas acima dos 60 anos vai ultrapassar o de jovens, chegando a 43,3 milhões.

Entre os entrevistados na pesquisa da SeniorLab, 82% disseram não depender de auxílio financeiro de outra pessoa para viver.

A falta de preparo para o atendimento a esse público é flagrante nos supermercados, local mais frequentado pelos idosos. A pesquisa aponta dificuldades para enxergar rótulos (45%), entender informações em embalagens (46%) e pegar produtos nas prateleiras (33%).

— O idoso vai muitas vezes ao mercado porque faz pequenas compras, geralmente no estabelecimento mais próximo de casa, e só leva o que pode carregar — diz Martin Henkel, fundador da SeniorLab .

A assistente social aposentada Maria de Lourdes Andrade, de 79 anos, diz viver todas as dificuldades apontadas pelo levantamento em seu cotidiano, que inclui idas ao supermercado ao menos quatro vezes por semana.

— As cores das embalagens deveriam ser diferentes para aumentar o contraste e facilitar a leitura — diz a aposentada. — Prefiro comprar nos lugares onde os atendentes já me conhecem. Onde sou mal atendida, eu não volto.

Mais vulneráveis
Maria de Lourdes foi vítima de um golpe, aplicado por um vendedor de rua, que lhe custou o pagamento de mais de R$ 300 no cartão de crédito. Apesar de ter recorrido ao banco e ao Procon, ela conta não ter conseguido cancelar a compra nem identificar o golpista.

Na avaliação de Henkel, o percentual de idosos que mencionou ter sofrido golpes ou tentativas é alto justamente pela importância do atendimento para este grupo:

— O idoso valoriza se o atendimento é atencioso e se há uma relação de confiança entre as pessoas. São características que o tornam mais vulnerável. Golpistas e fraudadores fazem uso da simpatia para ganhar a confiança e aplicar o golpe.

Segundo a economista Ione Amorim, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a maior parte dos golpes contra idosos são bancários:

— A dificuldade de interagir com plataformas virtuais e outros sistemas faz com que criminosos se aproveitem dos idosos quando estão sozinhos através da oferta de ajuda.

Para o diretor-executivo da Associação Brasileira de Relacionamento com o Cliente (Abrarec), Dionisio Moreno, hoje, a principal preocupação é agilizar o atendimento para reduzir risco de golpes:

— Quanto mais tempo o idoso ficar num site para fazer uma compra, mais pop-ups começam a surgir. Se ele demora demais no banco ou para sair do estacionamento do shopping, também mais exposto fica a golpistas.

Christiane Cavassa Freire, coordenadora das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Rio (MPRJ), lembra que o idoso, pelas peculiaridades da idade, é considerado um consumidor hipervulnerável:

— Impor ao consumidor produtos inadequados ou não lhes fornecer informações de forma que ele compreenda plenamente o que está contratando ou comprando caracterizam prática abusiva. O respeito às condições de saúde e idade estão previstas tanto no Código de Defesa do Consumidor como no Estatuto do Idoso.

Advogada: humilhar e menosprezar é crime
A advogada especialista em direitos do consumidor Melissa Areal Pires diz que a indiferença à vulnerabilidade do idoso é crime. Leia abaixo a entrevista:

Por que o idoso é mais vulnerável a golpes?

Porque ele tem fragilidades emocionais e físicas e, às vezes, falta de conhecimento.

Quais são os principais golpes contra esse grupo?

Há violências patrimoniais e psicológicas, muitas vezes praticadas pela própria família, que gasta o dinheiro da aposentadoria sem o consentimento do idoso. Também são comuns golpes durante operações bancárias em caixas eletrônicos ou quando é impedido pela própria operadora de contratar plano de saúde devido à idade ou de exercer o direito à gratuidade no transporte.

Isso é considerado crime?

Não só isso. A indiferença à vulnerabilidade do idoso se aflora na conduta do vendedor, que é impaciente, e na da pessoa que está atrás dele na fila de banco, que se irrita quando ele tem dificuldades para fazer uma operação. A pena prevista no Estatuto do Idoso para quem desdenha, humilha e menospreza é reclusão de seis meses a um ano e multa.

Quem pode denunciar?

Qualquer pessoa pode denunciar esses crimes ao Ministério Público e à delegacia de polícia. Nos casos de consumo, ao Procon.

O varejo e os serviços estão preparados para atender os idosos?

Alguns estão preparados, outros se capacitando. Mas a maioria precisa apresentar o Estatuto do Idoso aos funcionários, capacitá-los para que respeitem vulnerabilidades e fraquezas desses idosos. Além de empregar pessoas com mais de 60 anos, pois a implementação dessas políticas passa pelo empoderamento desse grupo.

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