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Má gestão do governo federal elevou número de mortes da pandemia

Pesquisadores apresentaram números que mostram que Brasil tem pior índice de morte na pandemia

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O Globo

Atualizado: 

13/07/2021
Foto: iStock
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Reportagem do jornal O Globo, publicada em 24/06/2021

Título original: CPI da Covid ao vivo: Má gestão do governo federal elevou número de mortes da pandemia, dizem especialistas

BRASÍLIA — O epidemiologista Pedro Hallal e a diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e representante do Movimento Alerta, Jurema Werneck, responsabilizaram o governo federal pelo elevado número de mortes da pandemia no Brasil em depoimento na CPI da Covid, no Senado, nesta quinta-feira. Eles apresentaram números que mostram erros do Brasil no combate à Covid-19 e afirmaram que vidas poderiam ter sido salvas se o país adotasse uma gestão mais efetiva contra a crise sanitária.

Segundo Jurema Werneck, 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas se o Brasil tivesse uma políticas de controle com medidas não farmacológicas, como distanciamento social e uso de máscara. Ela destacou também que menos de 14% da população brasileira fez teste de diagnóstico até novembro de 2020.

— Pessoas com renda maior de quatro salários-mínimos consumiram quatro vezes mais testes que as pessoas com menos de um salário-mínimo. A injustiça está demostrada — afirmou em sua apresentação inicial.

O epidemiologista Pedro Hallal, pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), apresentou vários gráficos para justificar porque o Brasil tem os piores índices no enfrentamento da pandemia, tanto entre os países mais populosos, como também entre os Brics- grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Na América do Sul, está em segundo com maior mortalidade, atrás apenas do Peru.

— O Brasil tem uma onda que parece a onda pororoca para aqueles senadores que conhecem esse fenômeno, porque a onda nunca acabou — afirmou.

400 mil poderiam ter sido salvos

Na avaliação de Hallal o país poderia ter poupado 400 mil mortes. Ele apontou também que em cidades nas quais Bolsonaro teve menos de 10% dos votos, o número de mortes foi menor em que regiões recebeu mais de 90% dos votos. Os dados sugerem que o discurso negacionista de Bolsonaro influencia a população.

— A gente observa uma relação extremamente linear entre o percentual de votos obtidos no segundo turno das últimas eleições presidenciais e, especificamente, a morte por Covid – afirmou.

O líder do governo Bolsonaro, senador Fernando Bezerra( MDB-PE), interrompeu e questionou qual seria a base científica da afirmação.

— É só pegar essas cidades aí que têm níveis de isolamento maior do que outras. Qual é a base científica para poder fazer uma afirmação dessa natureza, a não ser animar uma narrativa? É preciso ter cautela na hora de fazer afirmações — ponderou Bezerra.

— A única coisa que eu estou trazendo aqui é que esse resultado não se observa por acaso, porque quando a gente compara com as mortalidades em geral, não existe essa tendência .Essa tendência é específica para a Covid-19. Cada pessoa pode fazer a interpretação que achar mais adequada — respondeu Hallal.

Atraso na compra de vacinas

O epidemiologista avaliou que investir na imunidade de rebanho foi uma estratégia inicialmente equivocada, mas depois se tornou “repugnante”. Ainda segundo ele, a estimativa é que 145 mil a 95 mil mortes poderiam ter sido evitadas se o país tivesse comprado antecipadamente as vacinas contra o coronavírus.

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Inicialmente, os depoimentos dos pesquisadores estavam marcado para sexta-feira, mas foram antecipados para que no dia sejam ouvidos o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e o servidor concursado do Ministério da Saúde Luis Ricardo Fernandes Miranda sobre as suspeitas a respeito da compra da Covaxin. Com a decisão, a audiência do assessor do Palácio do Planalto Filipe Martins, prevista para hoje, foi adiada.

Indagado pelo relator sobre a estimativa da população brasileira que já foi efetivamente infectada pelo coronavírus, Hallal explicou que hoje a estimativa seria de 50 a 60 milhões de brasileiros que já tiveram contato com a doença.

Uso de máscara

Hallal, que já sofreu ataques do presidente Jair Bolsonaro, criticou as ações do chefe do Executivo que promove aglomerações sem o uso de máscara.

— A principal personalidade por propagar mensagem anticiência não foi nenhum dos quatro ministros da Saúde foi diretamente o presidente da República — disse o epidemiologista. — Infelizmente, a postura do presidente da República, como líder maior da nação, é a pior de todas as posturas que nós observamos enquanto cientistas durante essa pandemia.

Ele avaliou também que todos os gestores, governadores e prefeitos, devem ser investigados, independente que seja na CPI do Senado ou não.

— Se uma parte dessa responsabilidade (do presidente Bolsonaro) pode ser compartilhada com outros gestores têm que ser investigada, concordo integralmente – disse.

O senador Otto Alencar (PSB-BA) lembrou que Bolsonaro pediu um parecer para o ministro da Saúde, Marcello Queiroga com objetivo de desobrigar o uso de máscaras àqueles que já estiverem vacinados ou ainda a quem já tiver contraído a Covid-19. Ele questionou os especialistas se já é possível que a medida seja implementada. Ambos os convidados afirmaram que ainda é necessário que a população continue usando a proteção e tome as medidas recomendadas pela ciência.

— É preciso garantir que todo brasileiro tenha acesso as máscaras, que junto a outras medidas vão fazer a diferença – afirmou Jurema, destacando também que ainda há dúvidas em relação à duração da imunidade de quem adquire a doença ou mesmo de quem é vacinado.

Material científico 'censurado'

Hallal citou também o episódio em que foi "censurado" no Palácio do Planalto, onde apresentaria os resultados da pesquisa do Epicovid. Hallal classificou o episódio como "bizarro". Segundo ele, 15 minutos antes que se iniciasse a coletiva de imprensa, foi informado que um slide foi retirado da apresentação. Indagado de quem teria partido a ordem, ele disse que foi de Élcio Franco, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde.

Na avaliação da diretora executiva da Anisita Internacional, não há dúvida que há falha por parte do governo federal.

— Não há dúvidas que o Ministério da Saúde falhou e continua falhando — afirmou Jurema.

A pesquisadora sugeriu que o Legislativo lidere uma frente nacional de combate à Covid-19, com os demais Poderes e sociedade civil. Ela também defendeu plano de responsabilização e reparação.

— A sociedade precisa encontrar forma de reparar os danos causados pelo descontrole da pandemia — afirmou.

Pesquisa de Covid interrompida

O Movimento Alerta, que Jurema representa, consolida dados sobre óbitos ocorridos durante a pandemia e é formada por entidades da sociedade civil, como Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Oxfam Brasil, Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), Anistia Internacional Brasil e Arquidiocese de São Paulo.

Hallal informou que o Epicovid, pesquisa da UFPel que tinha orçamento de 12 milhões, não teve financiamento renovado pelo Ministério da Saúde neste ano e foi substituído por outro com previsão de investimento de 200 milhões. O Epicovid foi uma iniciativa da gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.

— Nós pesquisadores ficamos sabendo pela mídia da interrupção ( da pesquisa) , nunca fomos comunicados. A explicação dada pelo ministro Pazuello à época não tinha nenhum critério técnico. Basicamente ele disse que fariam outros estudos. Infelizmente, esses outros estudo não foram a campo — disse Hallal.

O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) procurou minimizar a pesquisa realizada por Hallal declarando que o estudo foi “superficial”. O epidemiologista detalhou como foram feitos os estudos do Epicovid e lamentou o posicionamento do parlamentar. Marcos Rogério também indagou o pesquisador sobre como ele contraiu a doença e se não teve cuidado de “não se expor”.

— Todas as evidências sugerem que eu peguei Covid da minha enteada, que tem 9 anos de idade e que circula entre a casa da mãe (…) Tentar trazer isso como um argumento de hipocrisia dos meus argumentos é extremamente lamentável — afirmou Hallal.