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Reportagem publicada originalmente no jornal o Estado de S. Paulo, em 24/04/2020
A Justiça Federal intimou o governo federal nesta quinta-feira, 23, para que o Banco Central determine que os bancos de todo o País suspendam o débito em folha dos empréstimos consignados tomados por aposentados, do INSS ou servidores públicos, por quatro meses. A decisão vale para todo o Brasil a partir de hoje, quando o BC deverá comunicar a decisão aos bancos.
A intimação foi entregue ontem ao advogado da União Flávio Tenório Cavalcanti de Medeiros. Conforme adiantou o Estado na última sexta-feira, o juiz Renato Coelho Borelli, da Justiça Federal do Distrito Federal, diz em sua decisão que a liberação de cerca de R$ 3,2 trilhões pelo Banco Central, "não chegou, em sua grande totalidade, às mãos daqueles atingidos pela pandemia". O Banco Central não apresentou, até o momento, nenhum recurso no processo.
A decisão atende a um pedido feito em Ação Popular pelo advogado Márcio Casado. A ação requer que os bancos repassem aos correntistas e tomadores de empréstimos as medidas tomadas pelo BC para injetar recursos no sistema financeiro e que fazem parte de um conjunto de ações adotadas para minimizar os efeitos da pandemia de coronavírus sobre a economia brasileira.
Segundo o advogado, a decisão beneficia diretamente pelo menos 62 milhões de pessoas, entre aposentados, correntistas e donos de empresas em todo o Brasil.
A ação popular justifica que as dívidas dos aposentados brasileiros chega a R$ 138 bilhões, com descontos mensais de 1,1 bilhão, sendo que é parcela da população mais vulnerável à covid-19. “Isso justificaria a suspensão dos descontos efetuados em suas aposentadorias”, diz.
O juiz também determinou que os bancos só poderão usufruir das medidas tomadas pelo BC, como liberação de compulsório (recursos que os bancos são obrigados a deixar no BC para fazer frente aos riscos dos empréstimos) quando concederem prorrogação de pagamentos por 60 dias, sem cobranças de juros e multas por isso. Desde o início da pandemia, bancos anunciaram renegociações das dívidas, incluindo a suspensão do pagamento por meses.
Febraban
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou, na semana passada, que a decisão gerará insegurança jurídica e um quadro maior de incertezas, "o que prejudicará os próprios aposentados". Segundo a entidade, a carteira de crédito do consignado do INSS é de R$ 142 bilhões. Por mês, a concessão de novos empréstimos consignados para aposentados e pensionistas é da ordem de R$ 7 bilhões.
"Na prática, decisões como essas geram impactos em sentido contrário ao que se pretende, na medida em que, ao invés de disponibilizar mais recursos aos aposentados, poderá haver forte retração de novas concessões em um momento em que a sociedade necessita de recursos a taxas acessíveis, como as praticadas no crédito consignado, que tem as taxas mais baixas dentre as linhas de crédito pessoal e o menor índice de inadimplência", afirmou a Febraban, em nota.
De acordo com a entidade, decisões dessa natureza "têm abrangência genérica e indiscriminada, o que prejudica o ambiente de negócios, retrai o crédito e incentiva quebra de contratos, prejudicando os próprios consumidores". "Neste momento de grave crise com severos efeitos econômicos, os bancos continuarão focados em renegociar as dívidas dos consumidores, com prazos de carência e de pagamento compatíveis com as suas necessidades", completa a associação.
Idec
O Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) também se manifestou, nesta sexta-feira, 24, no processo contra o BC. Argumentou que o cabimento da ação é justificado por "resgatar a moralidade administrativa que fora infringida pela edição de normativos que entregaram a determinadas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional (SFH) mais de R$ 3 bilhões de liquidez, sem exigir contrapartidas."
"Não houve qualquer imposição de obrigações e contrapartidas que vinculem os bancos ao recebimento desses recursos, de forma que o acesso dos consumidores aos benefícios fica condicionado às regras impostas pelos próprios bancos, que tendem a dificultá-lo, daí a apontada violação ao princípio da finalidade que rege os atos administrativos", diz, em nota.
A instituição afirma que é necessário que "os consumidores tenham acesso aos benefícios como liberação de crédito, negociação e suspensão de dívidas, sob pena de criar o represamento de trilhões de reais nas mãos dos bancos sem efetiva ampliação de liquidez do mercado". O Idec ainda critica o custo do crédito no Brasil.