separador
Atualizado:
Reportagem da Revista Veja, publicada em 09/12/2020
Um ator inusitado entrou na discussão sobre o futuro das usinas termelétricas movidas a carvão e óleo no Brasil: o Instituto de Defesa do Consumidor. O Idec junto com o Instituto Clima e Sociedade patrocinou um estudo sobre como o desligamento de três térmicas a carvão no sul do Brasil, subsidiadas pelo consumidor, poderiam economizar até 4,5 bilhões na conta de energia e ainda evitar algumas milhões de toneladas de carbono no ar. Mas meter o dedo no setor elétrico pode dar choque. E deu. Muita gente do setor ficou incomodada. A associação dos geradores de energia térmica, por exemplo, entende que retirar as usinas causaria instabilidade no abastecimento da região sul, especialmente em tempos de reservatórios das usinas hidrelétricas tão baixos. Um ponto bem razoável levando em conta que as térmicas estão operando a todo vapor por esse motivo. O pessoal do carvão também não gostou muito e argumenta que as três usinas movimentam hoje nas economias locais cerca de 5 a 6 bilhões por ano e geram 21 mil empregos diretos e indiretos.
A proposta que está sendo apresentada pelo Idec e o Instituto do Clima, no entanto, é só o começo de um movimento de longo prazo para que térmicas a carvão e a óleo, altamente poluentes, sejam substituídas na matriz energética brasileira.
O estudo foi feito por gente experiente do setor elétrico. A consultoria contratada foi a VoltRobotics, do ex-diretor da EDP Energia, Donato da Silva Filho, e contou com o apoio de Luiz Eduardo Barata, que já foi diretor geral do Operador Nacional do Sistema, e Ricardo Lima, ex-AES e ex-Abrace, associação dos grandes consumidores de energia. Eles dizem que escolheram as três térmicas do sul por dois motivos: elas são subsidiadas pela CDE, a Conta de Desenvolvimento Energética, e pelo fato de as distribuidoras do sul estarem sobrecontratadas, ou seja, compraram energia demais pelos próximos anos e que não será necessária por conta das condições da economia. Sobre a estabilidade do abastecimento, Barata lembra que nos próximos dois anos entrarão reforços de transmissão no sistema sul.
Pelas contas deles, as três usinas, Jorge Lacerda, Figueira e Candiota III, geram 1,2 GW de energia elétrica e vão custar ao sistema 7,1 bilhões até 2027. Se elas fossem desligadas em janeiro, parte desses 7 bilhões iriam para indenizar investidores, parte para a questão social, e o restante, cerca de 4,5 bilhões seria a economia na tarifa. Algo como 2,5% a menos no custo da energia. Quem gostou bastante da ideia foi a geradora de energia Engie, que tem uma missão mundial de se desfazer de todas as térmicas a carvão. Desligar e ainda receber indenização do governo seria conta fácil.
Mas o presidente da Associação do Carvão Mineral, Fernando Luiz Zancan, avalia que o desligamento pode ter grandes consequências. Ele cita, por exemplo, que a usina de Jorge Lacerda é hoje um motor importante da economia da região de Tubarão, Imbituba e Criciúma, em Santa Catarina. Para que a térmica funcione, é preciso carvão, que é retirado de minas que já estão abertas e que, portanto, já não geram impacto ambiental como se tivessem que ser ainda abertas, segundo Zancan. Além disso, a queima do carvão gera uma cinza que é usada na indústria do cimento, que também movimenta a região. O carvão é o único produto transportado por uma ferrovia que Criciúma ao porto de Imbituba. É desse conjunto que ele calcula que o impacto social seria de 5 bilhões a 6 bilhões por ano. Zancan diz que a discussão ambiental não está sendo feita de forma correta pois hoje o mundo todo já captura carbono dessas usinas e que a própria região já tem laboratórios estudando novas tecnologias. Ele também diz que as três térmicas não geram mais do 0,3% das emissões de carbono do Brasil. Sem as térmicas a VoltRobotics calcula que haveria uma redução de 4 milhões de toneladas por ano de emissão de carbono. O Brasil emite por ano cerca de 2 gigatoneladas de carbono.
A participação do Idec, um instituto do consumidor, em discussões sobre o setor elétrico chamou a atenção do ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana, que entende que outros pontos poderiam ser abordados como subsídio da CDE para consumidores rurais, que são beneficiados três vezes, ou na parte ambiental por qual não motivo não discutir as térmicas a óleo de Manaus, no meio da Amazônia. Mas o objetivo será o de numa segunda etapa discutir as térmicas a óleo, que são super caras e algumas sequer despachadas por conta de preço ou até por falta de combustível. E a discussão mais ampla das térmicas acende a luz amarela da Abraget, a associação do setor que representa os investidores de geradoras térmicas. O presidente da Abraget, Xisto Vieira Filho, lembra que o Brasil só tem 7% de geração térmica ao contrário de países europeus que quase toda a matriz é de energia térmica. E ele diz que as térmicas são necessárias para dar segurança ao sistema. Quando os reservatórios estão baixos, não tem vento ou não tem sol, as térmicas é que geram a energia necessária e dão estabilidade ao sistema. E ele garante que as térmicas a carvão estão sendo modernizadas para poluir menos.
No seu plano decenal, o governo ainda propõe térmicas para garantir abastecimento. Mas a grande probabilidade é que daqui para frente elas sejam a gás natural. Nesta terça-feira, 08, o ministério de minas e energia publicou uma portaria que prevê que as térmicas a gás natural possam ser inflexíveis, ou seja, gerem o tempo todo como base do sistema. Isso garantiria uma demanda básica por gás natural, e com isso desenvolveria esse mercado no Brasil. Mas pode ser que o setor elétrico esteja sendo usado mais uma vez para subsidiar o desenvolvimento de uma indústria, assim como já foi no carvão, segundo Barata.