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Foto: iStock Photo
Publicado originalmente por O Globo
A entrega da obra do apartamento da funcionária pública Fernanda de Sousa Rêgo, no Recreio, atrasou um ano e seis meses, num dos primeiros sinais de que a construtora, a PDG Realty , enfrentava problemas. A demora levou Fernanda a recorrer à Justiça. No meio do processo, em fevereiro de 2017, a empresa entrou em recuperação judicial . No ano passado, saiu a sentença que determinou uma indenização de R$ 200 mil à consumidora. Pela lista de credores da empresa, no entanto, a expectativa é que ela receba sua indenização apenas em 2037.
— A minha apreensão é não receber meu crédito. Dinheiro que pretendia usar para quitar o meu financiamento — diz Fernanda, que numa situação normal demoraria no máximo 3 anos para receber.
Entre 2014, início da recessão, e 2018, 6.806 empresas entraram com pedidos de recuperação judicial no Brasil, o dobro dos cinco anos anteriores, segundo a Serasa Experian. Muitas dessas empresas fazem parte do cotidiano dos consumidores, como se viu nos recentes casos de Avianca, Oi, Saraiva e Livraria Cultura .
A recuperação judicial é um processo previsto em lei pelo qual empresas em apuros buscam nos tribunais proteção contra credores, uma espécie de trégua para retomar o fôlego e escapar da falência.
Quando a recuperação judicial acontece, o consumidor — apesar de ter todos os seus direitos preservados — costuma sofrer com a queda das soluções administrativas de suas queixas contra a empresa e, na Justiça, com a morosidade ainda maior dos trâmites do processo, amargando o fim da fila na prioridade de pagamentos.
O advogado Igor Marchetti, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), pondera que a recuperação judicial tem benefícios para o consumidor. Se a empresa sai dessa situação, diz ele, na prática, garante maior competitividade:
— No entanto, durante esse processo, a empresa costuma ter outras emergências para cuidar, como no caso da greve dos funcionários e da suspensão de suas atividades por que passou a Avianca — explica o advogado. —Tudo isso deixa as soluções administrativas de problemas de consumo muito menos frequentes. Já o recebimento de indenização pecuniária fica arriscado. Nas ações, procuramos focar em pedidos que determinem a “obrigação de fazer” como forma de suspender o dano. No caso da Avianca, por exemplo, poderíamos pedir uma outra passagem aérea.
Advogada de Fernanda, Janaina Mallet, pondera que a determinação do juiz, obrigando, por exemplo, o fornecimento de uma passagem, pode não ter grande eficácia:
— Se a empresa não tem recursos, como ela vai fornecer a passagem? Isso não quer dizer, no entanto, que os consumidores devam desistir do seu direito, é preciso persistir. Nenhuma empresa, mesmo em recuperação judicial, pode descumprir oferta ou entregar um produto ou serviço com defeito.
Fila determinada por data
O que vai definir se o consumidor entra ou não como credor no plano de recuperação judicial é o momento em que ocorreu o problema, e não quando ele iniciou o processo contra a empresa. Se o problema é anterior ao pedido de recuperação, a dívida do consumidor é chamada de concursal — ou seja, ele terá que se habilitar no plano de recuperação como qualquer credor e vai receber de acordo com as regras estabelecidas pelo plano. Isso vale mesmo para aquelas pessoas que entrarem na Justiça depois de o plano ter sido instituído.
Se o problema for posterior ao pedido, o crédito é classificado como extraconcursal. Nesse caso, ele não entra no plano de recuperação judicial, e a empresa terá que ressarci-lo da maneira tradicional.
A questão é que esses créditos que ficam fora do plano podem afetar o caixa da empresa, que é, no fim das contas, o que garante a sustentação da recuperação judicial. Por isso, é de praxe que pedidos de penhora fora do âmbito da recuperação acabem nas mãos do juiz responsável pelo plano, explica Samantha Longo, sócia do escritório Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados e administradora judicial da Oi.
Em 2016, a operadora carioca pediu proteção contra credores com uma dívida de R$ 63,9 bilhões, tornando seu plano o maior já feito na América Latina. Além dessa dívida, no momento em que a Oi pediu proteção, corriam contra ela na Justiça cerca de 800 mil ações que poderiam, posteriormente, se tornar novas dívidas, e, por isso, também teriam que entrar no plano.
Nesse caso, os consumidores foram beneficiados por um sistema de mediação que permitiu o pagamento antecipado de pendências de até R$ 50 mil. A administradora judicial conseguiu fechar esse tipo de acordo com 25 mil desses credores, a maioria consumidores, pagando R$ 410 milhões em dívidas pequenas.
Mecanismo inédito
Mas, dado o tamanho da empresa, mesmo depois de o plano ter sido aprovado, continuaram a chegar milhares de ofícios pedindo a penhora de bens para ressarcir novos credores de varas de todo o país. A Oi então apresentou um laudo dizendo que poderia separar R$ 4 milhões por mês para pagar esses credores.
— O que o juiz fez foi instituir um sistema pelo qual, em vez de cada juízo determinar uma penhora e pedir autorização, os pedidos foram direto para o juiz da recuperação judicial. Organizamos esses ofícios por ordem cronológica, e os credores vão recebendo até esse teto. Se o limite for atingido, são pagos no mês seguinte. Foi um mecanismo inédito — explica Samantha.
Por esse sistema, mais de 16 mil credores extra concursais já receberam R$ 50 milhões. Desse total, 89% foram para consumidores.
— Embora os consumidores não tenham tratamento diferenciado, quando o tamanho do plano é grande, prevê-se que montantes pequenos sejam pagos logo. Nesse sentido, eles acabam se beneficiando, porque o valor a receber costuma ser mais baixo —diz Eduardo Seixas, diretor da consultoria Alvarez & Marsal e à frente da recuperação da Avianca e da Livraria Cultura.
Contatada, a PDG disse que vai procurar Fernanda para prestar esclarecimentos. A construtora ressaltou que tem honrando os compromissos firmados no plano de recuperação judicial. E que as dívidas são pagas dentro cronograma estabelecido.
Publicado originalmente por O Globo