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Reportagem do jornal O Globo, publicada em 11/04/2021
Já virou quase procedimento padrão o pedido do CPF quando se chega ao caixa de qualquer estabelecimento. Muitas vezes a solicitação vem seguida de outras, como telefone, endereço e e-mail, atrelando o fornecimento de dados à concessão de descontos, comunicação de novidades ou facilidades. E uma nova fronteira começa a ser cruzada: o pedido de biometria.
A prática de solicitar dados pessoais e sensíveis pode parecer inofensiva à primeira vista, por ser tão comum entre varejistas, de farmácias a supermercados e lojas de roupas.
Mas, no longo prazo, fornecer essas informações pode custar ao consumidor a sua privacidade. Por isso é preciso exigir das empresas sistemas que garantam sua proteção, que, se não forem implementados, podem por risco os clientes e também o seu negócio.
O professor Luís Felipe Barbedo, de 43 anos, conta não ter tido outra opção a não ser cadastrar a biometria para ter direito ao desconto na farmácia:
— Como a guia estava preenchida e lá tinha o melhor preço, me senti constrangido a ceder, mesmo achando abusivo e pouco transparente. Negar geraria um preço mais alto.
Danilo Doneda, professor do IDP e um dos formuladores da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), diz que o consumidor precisa ser claramente informado sobre a finalidade do fornecimento de seus dados pessoais:
— Quanto sabemos sobre o que fazem com o nosso CPF? O certo é que não existe desconto de 50%, essa é uma forma que esse mercado encontrou de forçar o consumidor a fornecer seus dados.
A solicitações de informações atreladas a programas de fidelização ou descontos não é prática nova, diz Gustavo Kloh, especialista em Direito do Consumidor e professor da FGV:
— Os dados para fidelização devem ser apenas os necessários, não há sentido em fazer perfil completo do consumidor. É prenúncio do ilícito.
Nicolo Zingales, professor da FGV Direito Rio e especialista na LGPD, diz que se pode considerar abusiva qualquer prática contratual que coloque o consumidor em desvantagem exagerada:
— Por exemplo, algumas farmácias usam termos de consentimento previamente preenchidos, o que é questionável pela lei.
Desconfie sempre
Michel Roberto de Souza, advogado no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), pondera que há setores, como o bancário, em que a biometria pode ser necessária. No entanto, diz, não há razão para que farmácias façam essa exigência.
— Coletar a biometria pode ser considerado um pedido excessivo , que coloca tanto a farmácia em risco por segurar um dado a mais e sensível, quanto expõe o consumidor.
O especialistas lembram que é direito do consumidor exigir acesso às informações coletadas, além de saber sobre o uso, o armazenamento e o compartilhamento.
— Além disso, a empresa deve garantir que exclusão das informações do banco de dados seja fácil — diz Zingales.
Ao consumidor, Kloh recomenda que forneça o mínimo de dados necessário:
— Desconfie de empresas que te peçam muitos dados em compras presenciais.
Essa é a postura adotada pela corretora Ângela Cardoso, de 66 anos:
— Não dou meu CPF em supermercado, lojas de roupa. Evito o máximo. Na farmácia, acho vantajoso os descontos, mas, caso peçam biometria, prefiro não ter o benefício, a informação é muito pessoal.
Saiba quais dados informar e o que a empresa deve garantir
- O mínimo. As empresas só podem requisitar os dados necessários para prestação dos serviços. Não precisa informar endereço se não tiver entrega; CPF, se pagar em dinheiro.
- Direito. O consumidor pode solicitar à empresa informações sobre o uso de seus dados ou registros de consumo e com quem são compartilhados.
- Denuncie. Se for coagido a informar dados com os quais não está de acordo, denuncie ao Procon ou à Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
- A empresa. A empresa só deve buscar informações de legítimo interesse para sua atividade, dar transparência aos dados coletados, armazenando-os com segurança, e garantir ao consumidor acesso às informações e direito a excluir os dados da base.