separador
Atualizado:
Reportagem do Valor Investe, publicada em 14/12/2021
Consumidores idosos, aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e endividados, chegam a ter 40% do seu benefício previdenciário comprometido apenas com parcelas de crédito consignado. O diagnóstico faz parte de um estudo de caso realizado pelo Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), uma coalizão internacional que, no Brasil, é coordenada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Essa modalidade de empréstimo desconta o pagamento diretamente da aposentadoria, pensão ou salário e é um dos mais baratos do mercado. O juro médio é de 1,65% ao mês para beneficiários do INSS. Apesar da taxa ser baixa, esse tipo de crédito causa superendividamento, como aponta a pesquisa.
O estudo aborda a história de uma aposentada por invalidez, aos 73 anos, vive apenas com R$ 230 mensais para gastos com alimentação e medicamentos, ao ter o valor de aluguel, contas e crédito consignado descontados direto de sua conta. Ela conta que, há pelo menos 15 anos, paga parcelas e faz refinanciamento dessa modalidade de empréstimo.
Na pesquisa, o Idec afirma que ofertas abusivas, falta de fiscalização e regulação insuficiente do crédito consignado promovem "sequestro de renda" e aprofundam o endividamento de idosos, em especial, aqueles que são beneficiários do INSS.
"Além da precariedade social, idosos são expostos a sucessivas abordagens assediosas na oferta do crédito consignado e a conteúdos de marketing agressivo por parte dos bancos, que se aproveitam das fragilidades desta faixa etária, como a solidão, a saúde e a perda da capacidade de consumo", afirma Ione Amorim, coordenadora do programa de serviços financeiros do instituto e economista, que sistematizou o estudo.
Os pesquisadores do Idec se debruçaram sobre a legislação brasileira e fizeram uma análise comparativa com o México, país que tem critérios mais rigorosos para a concessão desse tipo de empréstimo.
"O consignado deveria ser utilizado com o intuito de democratizar o acesso ao crédito, mas, ao contrário, tem levado à exclusão financeira a médio/longo prazo", diz Amorim.
Em contrapartida, o relatório ainda aponta que os bancos têm centrado a busca por soluções nas medidas autorregulatórias, mas que elas se mostram insuficientes para combater os abusos relacionados ao crédito consignado e ao endividamento de consumidores. Além disso, o estudo afirma que são necessárias normas que sejam capazes de adequar as regras existentes com outras propostas trazidas pela recente Lei do Superendividamento.
"Infelizmente, o caso real exemplifica o tamanho do problema e como as lacunas regulatórias existentes podem levar populações hipervulneráveis ao endividamento", afirma Amorim. "Avançar em medidas desta natureza é um imperativo urgente para a prevenção e tratamento do endividamento", diz.
Há menos de dois meses, o Valor Investe publicou uma reportagem que apontava esse e outros problemas ligados ao crédito consignado. Na época, o Banco Central afirmou que cabe à autoridade monetária aprimorar a regulação e supervisionar as operações de crédito e que as reclamações registradas no BC são importantes subsídios para as ações de supervisão de conduta e para o aprimoramento das normas.
Amaury Oliva, diretor de relações com o consumidor e autorregulação da Federação Brasileira dos Bancos (Feraban), também afirmou, na ocasião, que, por meio da autorregulação que pune correspondentes bancários que desrespeitem as regras de concessão de crédito consignado, a entidade está trabalhando para diminuir as reclamações dos consumidores.
Ele acrescentou que a Febraban tem conversas frequentes com as entidades de defesa do consumidor, o Banco Central e o INSS e disse que a entidade tem dois grandes desafios: aperfeiçoar a oferta de crédito consignado, para que fiquem claras as condições do empréstimo contratado, e coibir o assédio comercial que incomoda as pessoas que não querem crédito.