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Reportagem originalmente publicada em O Globo, de 29/03/2020
Rio - A cabeleireira Márcia Mendonça, de 44 anos, sócia de um salão de beleza no Flamengo, na Zona Sul do Rio, não sabe como vai pagar as contas que começarão a vencer nas próximas semanas. Com uma clientela majoritariamente idosa, ela diz que movimento do salão já havia caído 50% desde o início do mês por conta da pandemia de coronavírus.
Com as portas fechadas desde o dia 21 e o marido, Carlos Augusto Ferreira, trabalhador autônomo, em casa há mais de uma semana, ela diz que terá de escolher que boletos quitar:
— A conta que mais preocupa é o aluguel da casa. Não tenho como pagar este mês. Vou tentar negociar. Outras faturas, como a de luz, tentarei quitar, mas não tenho certeza se vou conseguir pagar todas.
Desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a pandemia, em 11 de março, e começaram as determinações de isolamento social, governos, agência reguladoras, órgãos de defesa do consumidor e empresas buscam formas de reduzir o impacto da crise sobre o orçamento de cidadãos como Márcia.
Postegar vencimentos, flexibilizar renegociações de dívidas, dar descontos em mensalidades são algumas das alternativas. No entanto, esses benefícios só devem ser usados em última instância, diz a economista Ione Amorim, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec):
— Há uma questão de solidariedade, de quem pode pagar e deixar o recurso para aqueles que perderam renda, sem pressionar excessivamente o fornecedor. Além disso, adiar o pagamento quando se tem o recurso não é uma boa estratégia, pois essa cobrança virá mais tarde e as demais contas não vão parar de chegar.
A advogada Marcela Marocfola, especialista em contenciosa cível e contratos, lembra que o artigo 393, do Código Civil, protege as partes de pagamento de juros, multas e correção, em casos de inadimplemento do contrato por força maior:
— No entanto, boa-fé e bom censo são as palavras de ordem, não é para se usar essas ferramentas indiscriminadamente. Quem puder arcar com suas contas deve fazê-lo.
Confira as alternativas:
Serviços essenciais
No Rio, lei suspende cortes e multas
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) proibiu o corte na luz de clientes por 90 dias. Na última segunda-feira, dia 23, já havia sido editada no Rio a lei estadual 8.769, proposta pela Defensoria Pública do estado, que proíbe a interrupção de serviços essenciais (que inclui, além de energia, água e esgoto e gás) por falta de pagamento. A lei estabelece ainda que não poderão incindir juros e multa sobre as contas em aberto nesse período.
Telecomunicações
Maior flexibilidade na negociação de débitos
O SindiTelebrasil — sindicato que representa as maiores operadoras — anunciou que as empresas de telefonia vão flexibilizar a cobrança para clientes que se encontrem em dificuldade, seja ampliando prazo e/ou isentando juros. Procuradas, Claro, Oi, TIM e Vivo ainda não sabiam informar quais seriam as medidas adotadas.
Escolas
Orientação é não pedir reembolso
A interrupção das aulas presenciais tem suscitado discussões sobre redução de mensalidades escolares e até suspensão da cobrança. Já há instituições concedendo descontos e até um projeto de lei em debate na Alerj que quer obrigar a redução das mensalidades em 30% enquanto durar o plano de contingência. Para Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Rio, o melhor são negociações pessoais, visto que um desconto obrigatório pode inviabilizar algumas instituições. A Secretaria Nacional do Consumidor recomendou que não se peça reembolso de mensalidade, visto que é possível a reposição de conteúdo ou a oferta de ensino à distância.
Planos de saúde
Pacientes internados não podem ser excluídos
A lei prevê a recisão do plano de saúde individuais por inadimplência pode ser feita no contrato de plano individual se houver atraso no pagamento por 60 dias não consecutivos. Ou seja, se a pessoa atrasar 10 dias todo mês, ao fim de 6 meses o contrato dela poderá ser rescindido. Patrícia Cardoso, do Nudecon, ressalta, no entanto, que quem estiver internado, mesmo passados os 60 dias, não pode ser excluído:
— Nesse cenário, o ideal seria ampliar esse prazo para 120, 180 dias. Como a regra está na lei, isso poderia ser feito por medida provisória.
Consultada, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) afirmou que, na última terça-feira, recomendou que as operadoras evitassem rescindir contratos de inadimplentes durante a pandemia. Disse ainda que prioriza, no momento, medidas para assegurar que todos os esforços do setor estejam voltados ao combate do coronavírus.
Aluguel
Negociação deve ser caso a caso
O advogado Hamilton Quirino, especialista em direito imobiliário, diz que não há uma regra específica a ser aplicada à locações, diante dos efeitos econômicos da pandemia.Ele recomenda a negociação entre donos e inquilinos.
Mesma orientação de Rafael Thomé, presidente da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi/RJ). Thomé alerta ainda sobre a importância de manter em dia as cotas do condomínio para garantir o pagamento dos funcionários, essenciais nesse período em que todos devem ficar em casa.
Dívidas com bancos
Atenção às regras para postergação
Especialistas recomendam que os consumidores redobrem a atenção antes de acordar a prorrogação do pagamento de dívidas, por até 60 dias, com bancos, anunciada, dia 16, pela Febraban. É que em alguns casos isso significa mais juros e multa.
Cartão e cheque
Juros de parcelamento ainda são altos
Apesar do anúncio de redução de juros do cheque especial e para parcelamento de fatura do cartão de crédito, Ione Amorim lembra que as taxas ainda representam, em média, mais de 130% ao ano. Portanto, o melhor é quitar o cartão e evitar o cheque especial.