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Contratos dos ônibus em SP engessam promessas de candidatos à Prefeitura

SP deve gastar R$ 36 bilhões com serviço até 2034; área dos transportes gerou inquéritos e foi tachada de máfia

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O Estado de S. Paulo

Atualizado: 

17/11/2020
Foto: iStock
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Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada em 08/11/2020

Quem assumir a Prefeitura de São Paulo em janeiro terá que cumprir contratos na área de trasporte público que somam R$ 36 bilhões nos próximos quatro anos. Na busca por votos, candidatos apresentam propostas de aumento de gratuidade, concessão de terminais à iniciativa privada, construção de mais faixas exclusivas e revisão de contratos. Nas últimas duas décadas, tentativas de mudar acordos de operação do transporte público em São Paulo revelaram um vespeiro, deram início a investigações de ligação de empresas com o crime organizado e provocaram até assassinatos. 

Na capital paulista, a Prefeitura mantém contratos com 32 empresas para a operação do serviço de ônibus. A divisão se dá entre as diferentes regiões da cidade e pelo tipo de serviço (transporte local, entre diferentes bairros da cidade, ou estrutural, entre bairros e o centro), de forma que cada empresa detém o monopólio do seu tipo de serviço em cada região, por meio de concessão pública. Os contratos foram assinados em setembro do ano passado e terão vigência até 2034.

O custo do sistema é composto por um cálculo que considera o financiamento de ônibus novos, o salário de motoristas e cobradores, o diesel consumido pelos coletivos e a manutenção nas oficinas. Neste ano, havia previsão de que as empresas tivessem descontos, caso não prestassem serviços de qualidade, mas a pandemia atrasou o início das avaliações que poderiam determinar a aplicação dessa punição.

Desde 2004, quando o bilhete único foi criado, o valor da passagem (R$ 4,40) banca parte deste custo. Mas como o bilhete permite que cada passageiro embarque em até três ônibus pagando só uma passagem, e há passageiros como idosos e estudantes que não pagam nenhuma viagem, a receita vinda com as tarifas não é suficiente para custear o sistema. Na média dos últimos anos, o valor da passagem arrecadou cerca de R$ 5 bilhões por ano. E a Prefeitura teve de completar a conta com outros R$ 3 bilhões. 

Os candidatos Guilherme Boulos (PSOL), Márcio França (PSB) e Jilmar Tatto (PT) têm propostas que ampliam as viagens gratuitas para estudantes, desempregados e aos fins de semana, o que pode representar aumento no subsídio. Celso Russomanno (Republicanos) defende a concessão dos terminais à iniciativa privada e a construção de mais faixas exclusivas de ônibus. Bruno Covas (PSDB) fala em melhorar a tecnologia dentro dos coletivos. Joice Hasselmann (PSL) e Arthur do Val (Patriota) atacam o que eles chamam de “máfias” e afirmam que farão revisão de contratos.

O geógrafo Rafael Calábria, Coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) avalia que o debate sobre o transporte coletivo avançou em relação a eleições passadas. “De alguma forma, as críticas dos planos de governo (ao atual quadro da rede) estão corretas, mas os candidatos não falam tudo. Algumas candidaturas ignoram que há contratos existentes e falam em rever, mudar. Eles não poderão fazer o que querem, começar do zero. Vão comprar essa briga? Boulos e Tatto falam de auditoria, por exemplo, o que é um pouco mais realista”, avalia.

Calábria destaca que as promessas de baixar tarifas ou ampliar gratuidades, neste ano, estão acompanhadas de propostas de “novas formas de financiamento, como fazer propagandas nos ônibus”, o que as tornaram mais completas do que em relação a anos anteriores.

O assessor especial do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss), Francisco Christovam, destaca que os novos contratos passaram a ter uma série de exigências para as empresas. Elas têm de apresentar para a cidade um Plano de Gestão Ambiental das garagens e um programa de compliance. 

“Para melhorar o nível da qualidade do serviço oferecido à população é preciso investir em infraestrutura, como pista de rolamento, calçadas, pontos de parada, abrigos, estações de transferência, além de gastos com monitoramento da frota operacional, em sistemas de informações gerenciais, em treinamento de operadores, fiscais e agentes de operação e em comunicação com os passageiros”, disse.

Suspeitas de envolvimento com crime rondam setor

Nos últimos 20 anos, o transporte público na cidade esteve envolto em suspeitas de uso dos ônibus para a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas e assassinatos de dirigentes. Há suspeitas de ligação com facção Primeiro Comando da Capital (PCC) desde 2006. 

Naquele ano, o então perueiro Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, foi preso sob acusação de financiar a fuga de presos em Santo André. Pacheco negou a acusação na ocasião e foi inocentado. Hoje, ele é presidente da empresa Transwolff, da zona sul.

De 2006 em diante, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) passou a investigar o uso de lotações para lavagem de dinheiro do tráfico de drogas. Em 2012, os investigadores obtiverem uma das principais provas: em uma carta, Roberto Soriano, o Tiriça, até hoje o número 2 do grupo, dizia para Daniel Vinícius Canônico, o Cego, vender uma de suas lotações da SPTrans porque outra estaria para chegar. Depois dessa carta, Tiriça foi para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em que o preso fica isolado. Hoje, está no Presídio Federal em Brasília. 

Até 2001, a cidade tinha perueiros clandestinos, que foram organizados em cooperativas no governo Marta Suplicy. Na gestão Fernando Haddad (PT), as cooperativas foram organizadas em empresas. Já com Bruno Covas (PSDB), essas empresas puderam participar da licitação. 

A cada mudança formal, dirigentes contrariados terminaram mortos. Um caso ocorreu em 2015, quando as cooperativas viraram empresas. Perueiro, Sérgio da Conceição Nobre de Oliveira foi morto a tiros após questionar colegas de uma garagem da zona leste. 

Neste ano, após a assinatura dos novos contratos, também na zona leste, o presidente da empresa TransUnião, Adalto Soares Jorge, foi morto com dois tiros. Ele era aliado do vereador Senival Moura (PT), que pediu proteção policial e é irmão de Luiz Moura, ex-deputado expulso do PT após uma suspeita de que também teria vínculos com o PCC. Moura foi inocentado após investigação.