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Consumo consciente começa a se popularizar no Brasil

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Jornal do Comércio

Atualizado: 

22/02/2021
Foto: iStock
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Reportagem do Jornal do Comércio (RS), publicada em 14/02/2021

Todos os dias, consumimos alimentos, água, energia elétrica e diversos outros produtos como roupas ou aparelhos eletrônicos. A história de um produto, no entanto, não começa quando ele chega nas nossas mãos e nem termina quando ele não está mais conosco.

A produção de um celular, por exemplo, requer uma grande quantidade de água para ser realizada, e, depois disso, ele ainda precisa ser transportado para as lojas, o que gera a emissão de gases de efeito estufa pelo seu transporte. Além disso, entram nesta conta as condições de trabalho que a empresa oferece para a produção dos aparelhos, por exemplo.

Por isso, é cada vez mais comum que questões sejam levantadas antes de bater o martelo na hora da compra. Como o produto foi produzido? Qual o impacto ambiental da produção? Como a mão de obra foi remunerada? É uma compra necessária? Brasileiros têm começado a se perguntar isso com o passar do tempo, além de também fiscalizar seus próprios hábitos dentro de casa, separando o lixo e economizando recursos como água e energia.

Em 2013, por exemplo, o lixo era separado para reciclagem no domicílio de 47% dos brasileiros, percentual que cresceu oito pontos percentuais nos últimos seis anos e chegou a 55% em 2019, de acordo com o Perfil do Consumidor 2020, divulgado pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI). A Região Sul é a que possui o maior percentual de domicílios que separam o lixo (66%), empatada na margem de erro com a região Sudeste (64%). Fernanda destaca, entretanto, que a mudança de comportamento do consumidor ocorre lentamente. "É importante lembrar que o consumo consciente está muito relacionado ao hábito", ressalta.

Assim como a pesquisa do Instituto Akatu, o Indicador de Consumo Consciente (ICC) de 2019 do Conselho Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) junto do SPC Brasil, que visa acompanhar as mudanças nos hábitos de compra e outras ações cotidianas, também avaliou o consumidor brasileiro. Para o ICC, ele está na condição de consumidor em transição: 57,6% dos entrevistados correspondem a este perfil, enquanto 29,3% podem ser considerados conscientes e 13,1% pouco ou nada conscientes. Em 2015, foram 51,2% considerados consumidores em transição, 21,8% conscientes e 27% pouco ou nada conscientes. Há variações dependendo darenda, idade e escolaridade.

Coordenador de energia e consumo sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite também acredita que a preocupação da população em relação a esta pauta tem crescido. Acostumado a auxiliar os consumidores através da disponibilização de informações nas plataformas online do Idec, ele percebe um maior interesse das pessoas quanto às questões ambientais na hora da compra de um produto.

"Chegamos em uma situação em que é preciso defender o consumidor de greenwashing", exemplifica. A expressão que significa "maquiagem verde" ou "lavagem verde" se refere às marcas que criam uma falsa aparência de sustentabilidade, sem necessariamente aplicá-la na prática. "Estando no lado fraco da corda, o consumidor não tem como questionar o tipo de informação que lhe é passado, então nós questionamos isto por eles também", completa.

Mudança de comportamento depende do avanço da responsabilidade compartilhada

Quando falamos de consumo consciente, é preciso também considerar o papel do governo, das empresas e das organizações da sociedade civil. Sem o empenho destas partes, não há como levar a pauta adiante, e, por esta razão, a viabilização de políticas públicas, leis, incentivos, educação e alternativas e produtos sustentáveis é ponto fundamental para o debate.

A analista de conteúdo e metodologias do Instituto Akatu, Fernanda Iwasaka, acredita que o poder público precisa oferecer incentivos e estruturas que propiciem a mudança de comportamento dos consumidores e das empresas. É o caso da disponibilização, nos municípios, de um sistema de coleta seletiva mais abrangente, da promoção e do investimento em transporte público e infraestrutura para o uso de bicicletas, a fim de reduzir o número de carros, e da garantia de segurança pública, além do subsídio a empresas que invistam em uma produção sustentável, por exemplo.

Outro ponto importante levantado pela analista é quanto à educação. De nada adianta oferecer infraestrutura e incentivos se não há um trabalho de base que desenvolva o consumo consciente com os alunos. Para isto, é necessário que haja um interesse das secretarias de educação em promover o tema nas escolas. "As legislações não necessariamente precisam agir no sentido de proibição, mas também de incentivos, oferecendo opções para viabilizar esses comportamentos", completa.

Quem concorda com ela é o coordenador de energia e consumo sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite. "Não podemos colocar toda a conta nas costas do consumidor", afirma. Segundo ele, as políticas públicas são necessárias para responsabilizar, também, as empresas pelo ciclo de vida dos seus produtos. "O consumidor é um agente importante na mudança, mas não é o principal", acrescenta.

O Brasil já possui uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei 12.305/2010, que propõe metas para a melhoria da gestão de resíduos sólidos no País, fornecendo diretrizes a serem seguidas e alcançadas com a responsabilidade compartilhada entre os diferentes atores sociais. Ela tem como ordem de prioridade a não geração, a redução, a reutilização, a reciclagem, o tratamento e a disposição final ambientalmente adequada dos resíduos nos municípios.

No entanto, de acordo com o coordenador, os acordos firmados para esta responsabilização acabam ficando somente no papel, e a responsabilidade ainda é concentrada nos consumidores. "São pouquíssimos os resultados efetivos", diz.

Segundo o Relatório Brasil 2020 - Vida Sustentável, realizado pela Akatu junto da GlobalScan, consultoria de pesquisa de opinião pública que faz pesquisas de reputação, marca, sustentabilidade, engajamento e tendências, mais de 80% dos consumidores esperam que as empresas informem sobre os seus processos produtivos e cuidem do que está sob seu controle operacional. Isso inclui remunerar os funcionários de forma justa, garantir que seus produtos são seguros e saudáveis, fornecer informações claras sobre os processos produtivos e tratar os funcionários da mesma forma.

Ainda de acordo com o relatório, mais de 70% dos consumidores esperam que as empresas não agridam o meio ambiente, e mais de 60% esperam que as empresas estabeleçam metas para tornar o mundo melhor, priorizando questões relacionadas aos funcionários, produtos e às questões ambientais. Além disso, segundo o Perfil do Consumidor 2020, divulgado pela CNI, 62% dos brasileiros afirmam que já boicotaram marcas ou empresas por pelo menos um dos seguintes motivos: violações a direitos trabalhistas, testes ou maltrato a animais, crimes ambientais, discriminação de qualquer tipo ou posicionamento político.

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