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Imagem: iStock
Matéria publicada originalmente em Folha de S. Paulo
Se há uma conclusão sobre a sustentabilidade no agronegócio que une tanto agentes do setor como ambientalistas, é a de que o consumidor é o principal vetor dessa mudança no campo.
Quando analisado o comportamento de consumo no Brasil, é possível verificar que o país tem apresentado aumento gradual da demanda por alimentos associados a boas práticas —embora ainda em patamares inferiores ao observado em outros lugares do mundo.
De acordo com dados da consultoria Euromonitor, o país consumiu 376 mil toneladas de alimentos frescos orgânicos em 2017, volume bem abaixo dos 3 milhões de toneladas registrados nos Estados Unidos ou das 747 mil toneladas consumidas pelo México.
Agricultora Lourdes Bispo, 64, cultiva hortaliças orgânicas em Parelheiros, em São Paulo - Gabriel Cabral/Folhapres
Os dados indicam crescimento tímido em relação a 2012, quando o consumo brasileiro foi de 337 mil toneladas de alimentos frescos orgânicos. Com isso, o país caiu de 8º maior consumidor mundial de orgânicos em 2012 para 10º maior no ano passado, enquanto o México avançou do 17º lugar para o 4º lugar.
Uma das razões apontadas para o lento crescimento do setor de orgânicos no país é a demora de um marco legal.
“Na Europa e nos EUA, a cultura e o consumo de orgânicos começaram muito antes e com uma legislação definida. Aqui no Brasil, eu posso dizer que existe um grande crescimento, mas que ainda é pouco perceptível”, afirma Marcio Milan, superintendente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados).
Ele lembra que foi apenas em 2016 que o país definiu legalmente uma política de cultivo e comercialização de orgânicos. “Antes, tínhamos muita limitação de matéria-prima orgânica.”
Entre os sinais de expansão do consumo observados nas cadeias de varejo, Milan destaca medidas como a maior exposição desses produtos nas gôndolas e a realização de promoções em dias da semana.
“O crescimento é grande, mas a nossa base ainda é pequena”, reconhece o superintendente da Abras.
Em relação a alimentos e bebidas industrializados, o Brasil ocupa o 11º lugar no ranking elaborado pela consultoria Euromonitor de maiores consumidores mundiais de orgânicos, com um volume financeiro movimentado de US$ 86,6 milhões no ano passado —crescimento de 88% na comparação com 2012.
Ainda do ponto de vista legal, o superintendente da Abras destaca como marco positivo no setor a instrução normativa número dois editada em conjunto pelo Ministério da Agricultura e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Em vigor desde agosto deste ano, a norma estabelece padrões de rastreabilidade para frutas, verduras e legumes, garantindo mecanismos de fiscalização da produção, entre eles, a utilização de defensivos no campo.
“Essa legislação determina as práticas que devem ser realizadas pelo produtor. No fundo, o objetivo final é que todos tenham boas práticas, com o uso correto desses defensivos”, afirma Milan.
Na opinião do coordenador da FGV-Agro, Roberto Rodrigues, as mudanças na legislação estão mais ligadas ao interesse do consumidor pela origem do que consome do que de uma disposição do agricultor em assumir uma maior transparência.
“A preocupação do consumidor o leva a querer saber mais, e isso acaba gerando uma resposta mais consistente do sistema produtivo. Mas acho que é mais a demanda do consumidor por informações do que do produtor em falar sobre sua produção”, reconhece Rodrigues, que foi ministro da Agricultura no governo Lula.
Segundo levantamento do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), existem atualmente 846 pontos de vendas de produtos orgânicos no país, entre feiras e produtores individuais —em 2015, eram 400 locais. A maior parte deles (344), encontram-se na região Sudeste do país.
“O que temos sentido nos últimos dois anos é que realmente aumentou o número de consumidores”, afirma Marcio Stanzini, secretário-executivo da AAO (Associação de Agricultura Orgânica).
A instituição realiza a feira orgânica do parque da Água Branca, na cidade de São Paulo, há 29 anos como forma de apontar a viabilidade do sistema de produção no país.
Stanzini explica que, mesmo tendo aumentado o número de feiras e pontos de vendas, a associação ainda recebe uma demanda de consumidores acima da capacidade dos seus produtores parceiros, que precisam se dividir entre os trabalhos no campo e na comercialização.
“Tenho demanda de feira quase semanalmente em todos os bairros de são Paulo. Mas não temos como atender”, diz Stanzini. Além da feira no parque da Água Branca, a associação organiza outras duas em shoppings localizados na cidade de São Paulo.
Em Parelheiros, na zona de sul da capital, há sete anos, os moradores se organizam em uma cooperativa de produtores orgânicos, a Cooperapas, para sustento próprio e também para a venda.
Entre os associados da cooperativa, está Maria de Lourdes Bispo, 64, que cultiva hortaliças, como alface, rúcula e couve. Nascida e criada no campo, a produtora retomou as atividades aos 30 anos, quando o marido perdeu o emprego.
Desde 2016, ela adota o sistema orgânico por sugestão da filha, engenheira civil de formação. “Eu quero levar saúde para as pessoas. Se é para plantar, vamos plantar coisa boa”, afirma Bispo.
A agricultora conta que o plantio de orgânicos é mais trabalhoso. “Tem canteiro em que as plantas ficam muito juntas e é preciso arrancar o mato com a mão. Mas é mais gostoso, porque eu gosto de cuidar das plantas.”