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A Constituição de 1988, que completa 30 anos, foi um importante marco legal para os direitos dos consumidores. Até então, essa figura não estava presente nas leis brasileiras. A proteção ao consumidor entrou na Constituição como dever do Estado (artigo 5º, inciso XXXII) e entre os princípios básicos da ordem econômica (artigo 170º, inciso V). A Carta Magna também previu que o Congresso fizesse uma lei específica, e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi promulgado dois anos depois. No entanto, a proposta inicial era bem mais ambiciosa. Foi entregue aos constituintes um capítulo de direitos dos consumidores, a exemplo do que foi feito em relação a crianças, meio ambiente e cultura.
- Se essa proposta tivesse sido acatada, haveria menos riscos de retrocessos. Hoje, uma lei ordinária pode mudar o CDC. Se tivéssemos conseguido o nosso objetivo, fazer alterações seria mais complicado, pois precisaria mudar a Constituição — explica o advogado Marcelo Sodré, professor da PUC-SP.
O capítulo que se pretendia incluir na Constituição era inspirado na declaração proposta pelo presidente americano John Kennedy, em 1962, às Nações Unidas (ONU). O texto corresponde ao que é hoje o artigo 6º do CDC, que descreve direitos básicos.
- Nos EUA, o tema estava em plena ebulição. Aqui, em meio à ditadura, entendiamos que essa era uma matéria que fortalecia a abertura democrática e para a qual o governo não tinha grande vigilância. Ainda que não tivéssemos ficado satisfeitos com o tratamento dado pela Constituição, foi um avanço grande, uma conquista da sociedade — ressalta Marilena Lazzarini, presidente do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
DONAS DE CASA EM BRASÍLIA
Marilena e Sodré fazem parte da vanguarda do movimento de mobilização em prol do consumidor brasileiro. Ela ajudou a fundar o Procon-SP, em 1976, e ele foi diretor da autarquia, entre 1988 e 1994. O Procon-SP foi o primeiro do gênero e modelo para o Brasil. Enquanto isso, em Minas Gerais, a professora Lúcia Pacífico, em 1983, criava o Movimento de Donas de Casa (MDC). De Belo Horizonte, em 1988, saíram três ônibus rumo a Brasília para Assembleia Constituinte, onde Lúcia entregou um abaixo-assinado com 390 mil assinaturas em favor da inclusão dos direitos do consumidor na nossa Carta Magna.
— Discursei em plenário pedindo a inclusão de uma emenda que garantisse os direitos do consumidor. Sabia da importância daquele momento, que estávamos fazendo história, pois não tínhamos ferramentas para enfrentar os fornecedores. Para eles, os consumidores não significavam nada — conta Lúcia que, hoje, aos 83 anos, continua trabalhando diariamente no MDC .
Um dos autores do CDC, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin destaca que o Brasil é o único país cuja legislação de defesa do consumidor tem origem constitucional.
— Seria inadmissível que uma Constituição que se dizia cidadã não trouxesse a proteção ao consumidor. Sem isso, a nossa Lei Magna não seria uma lei moderna, democrática nem socialmente justa. Trata-se de um direito abrangente que inclui ricos, pobres, analfabetos, letrados, trabalhadores rurais, urbanos — enumera Benjamin.
DIREITOS EM DESCOMPASSO
A Constituição deu estrutura jurídica e também um centro de valores que orientam o desenvolvimento da sociedade, explica o professor Ricardo Morishita, ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça:
— O direto do consumidor é uma porta para o desenvolvimento da cidadania. Quando se tem claro que é possível ser titular de direitos, passa-se a lutar por eles, e essa reafirmação é o exercício da cidadania e da democracia .
Gustavo Kloh, professor de direito do consumidor da FGV Direito Rio, pondera que há um descompasso entre o avanço registrado nos direitos dos consumidores e os demais direitos dos cidadãos:
— O direito do consumidor é de implementação razoavelmente simples. E avançamos muito. Mas, quando falamos de atendimento pelo SUS, de escola pública, o direito do cidadão não avançou no mesmo ritmo.