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Conheça os riscos do projeto para a nova lei dos planos de saúde

Especialistas apontam os pontos críticos e sugerem alterações ao relatório, a ser votado semana que vem

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O Globo

Atualizado: 

12/01/2018

A uma semana da votação do relatório do deputado Rogério Marinho, marcada para a próxima quarta-feira, dia 8, na Comissão Especial da Câmara, especialistas se reuniram no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) para fazer uma leitura aprofundada da proposta de mudança da Lei dos Planos de Saúde (9.656/1998), e prepararam um documento no qual sugerem alterações ao parecer do parlamentar. Até a última terça-feira, prazo dado pelo deputado para receber contribuições, além do Idec, Unidas, Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) apresentaram sugestões. Também foram encaminhadas 16 propostas de parlamentares, sendo uma do deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM) e 15 de Alessandro Molón (Rede). A equipe do relator terá que analisá-las, até o dia 8, quando deverá apresentar o relatório à comissão para ser votado.

Entre os pontos apontados como críticos, a advogada Ana Carolina Navarrete, especialista em Saúde do Idec, chama a atenção para a questão do reajuste dos idosos. Hoje, a lei proíbe que qualquer reajuste por idade seja dado após os 60 anos. O relatório muda essa dinâmica. A ideia é que o percentual de reajuste seja definido aos 59 anos, mas possa ser “parcelado” durante os anos seguintes, a cada cinco anos. Para o Idec, a proposta de alteração normativa pretende legalizar os 500% de aumento por faixa etária e os elevados reajustes impostos aos idosos na última faixa etária, ao completar 59 anos, parcelando-os para tentar minimizar os efeitos nefastos causados aos idosos.

Porém, acrescenta Ana Carolina, os problemas de menor capacidade de pagamento e maior vulnerabilidade são os mesmos e o parcelamento do reajuste em nada altera sua abusividade. Desta maneira, aponta documento elaborado pelos especialistas, a proposta normativa inserida nos parágrafos 1º a 4º do art. 15 do Substitutivo não deve ser aprovada.

— A proposta normativa apresentada consiste claramente em uma burla ao Estatuto do Idoso e visa, na prática, a permitir reajustes após os 60 anos — completa a advogada do Idec.

Maria Feitosa Lacerda, supervisora do Procon-SP, ressalta que, hoje, temos uma garantia de que os idosos não sofrerão reajustes após os 60 anos, uma vitória que foi obtida pelos órgãos de proteção do consumidor obtida ao longo de anos de muita luta.

— Entedemos que não podemos abrir mão dessa segurança que o conmsumidor tem hoje. Permitir que isso seja perdido é muito complicado. Entendemos que isto pode se mostrar muito prejudicial ao consumidor, mesmo porque o relatório ainda vai a Plenário, pode sofrer alterações. Não sabemos que alterações pode sofrer na Câmara ou no Senado . E nós vislumbramos que esta garantia deve ser mantida — afirma.

De acordo com dados da ANS, em junho de 2017, os contratantes de planos de saúde com cobertura médica eram 47.383.248 pessoas. Destes, 6.220.585 são idosos, ou seja, pessoas com 60 anos ou mais.

Ana Carolina reforça que uma das questões mais sensíveis e problemáticas para esses mais de seis milhões de usuários é exatamente o reajuste por mudança de faixa etária, que as operadoras utilizam para, através da aplicação de altos índices nas últimas faixas, excluírem os idosos dos planos de saúde, mesmo após décadas de contribuição, no momento que mais precisam e que sua renda costuma ser drasticamente reduzida em razão da aposentadoria.

Ela lembra que, apesar de permitidos pela Lei nº 9.656/98, os reajustes por mudança de faixa etária somente podem ocorrer se houver previsão expressa no contrato ou respeitarem a regulamentação da ANS. Entretanto, a Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso) acrescentou a vedação do reajuste em razão da idade para pessoas com 60 anos ou mais.

— Essa vedação foi inserida no Estatuto do Idoso pois constatou-se que as operadoras de planos de saúde passaram a criar obstáculos para a permanência de consumidores de terceira idade em suas carteiras, através da imposição de altos reajustes por mudança de faixa etária concentrados nas últimas faixas — acrescenta a especialista do Idec.

Outro ponto que chama atenção, aponta Ana Carolina, é o artigo 10-C. Segundo ela, apesar de numa primeira leitura parecer até favorável ao consumidor, o artigo retira a responsabilidade solidária da operadora em caso de erros médicos, contrariando o Código de Defesa do Consumidor (CDC):

— Na prática, isso significa reduzir as chances de indenização do consumidor em caso de erro médico. Até aqui, o usuário de plano de saúde pode acionar o médico, a operadora e o estabelecimento de saúde, e, caso a culpa seja do médico, cabe às empresas a ação de regresso contra ele. Se passar essa mudança, o consumidor só poderá acionar o médico, que sem dúvida tem menos capital para uma indenização.

Outro ponto para o qual a especialista chama atenção é o artigo 35-G que tenta mudar a jurisprudência construída nos últimos 10 anos, ao dizer em seu paragrafo único que a aplicação do CDC "não pode resultar em desconsideração da segmentação contratada, do rol de procedimentos cobertos pelo plano de assistência à saúde.

— Hoje, o rol é exemplificativo, não taxativo. O que significa dizer que caso seja prescrito um procedimento fora da lista, mas que o paciente comprovadamente necessita, ele consegue na Justiça esta execução. Esse artigo destrói a jurisprudência construída na última década — ressalta a especialista do Idec.

Segmentação contratada

Para Maria Feitosa Lacerda, do Procon-SP, com relação à segmentação contratada, no entendimento do Judiciário e dos órgãos de defesa do consumidor, o consumidor tem que ter o tratamento de saúde garantido, independentemente do segmento, da contratação e do rol de procedimentos da ANS, que é um indicativo da cobertura mínima garantida ao consumidor.

— As operadoras devem garantir, ao nosso ver, o tratamento ao consumidor como um todo, indepentemente de estar ou não no rol. Entendemos que não pode a segmentação ser levada ao princípio. A segmentação tenta flexibilizar, na realidade, a aplicação do CDC, quando no item 35-G o relator coloca que este vai ser observado, mas, entretanto, vai ter que respeitar a segmentação. Esse ponto foi discutido e defendemos que ele seja suprimido do texto.

As entidades também pedirão mudanças no artigo 35-N, que estabelece a obrigatoriedade de que o magistrado precisa ter assessoramento técnico para decidir, mesmo que liminarmente, sobre liberação de procedimentos ou medicamentos.

— Além de ingerência no processo de julgamento do juiz, essa regra tira a competência dos Juizados Especiais Cíveis (JECs) de avaliar essa matéria, já que não fazem perícia. No fim, a ideia é barrar o acesso à justiça. E ainda criar um novo critério para urgência e emergência, já que para um pedido de liminar uma das condições é provar que se trata de uma urgência — ressalta Ana Carolina.

Na avaliação do desembargador César Cury, do Tribunal de Justiça (TJ), o auxílio técnico é bem-vindo, mas não pode ser imposto ao magistrado.

— Essa interferência é inconstitucional. Não somos contra a criação de comissões técnicas, estamos pensando até em implantar um modelo no Rio, mas deve ser de escolha de juiz consultá-la ou não assim como é feito com os demais peritos da Justiça.Essa imposição pode abrir a porta para outros setores, levando a uma intromissão em área de competência do juiz — ressalta o desembargador.

Os especialistas também chamam atenção para o fato de a proposta apresentada por Rogério Marinho fazer uma inversão regulatória ao considerar aprovada a redução de rede pela operadora em caso em que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não der parecer em até 180 dias. Segundo Ana Carolina, a demora na análise se deve à necessidade de avaliar qualitativamente a substituição dos fornecedores da rede, ao fazer essa autorização automática, de fato, diz ela, o legislador está flexibilizando a regra.

Outra questão, segundo aponta a supervisora do Procon-SP, é a flexibilização das multas aplicadas às operadoras (redução da sanção pecuniária), que, de acordo com o parecer do relator, fica estabelecida em 10% do procedimento. Para as entidades, a negativa injustificada de atendimento é uma infração grave, independentemente do custo do procedimento. Dessa forma, entendem, o valor do procedimento nãop deve ser parâmetro para fixação de multas:

— Entendemos que isso pode insejar para as operadoras uma vantagem. Isso porque será mais vantajoso pagar uma multa do que garantir a prestação do serviço ao usuário. Por isso, achamos que esta questão deve ser revista.

Ativos garantidores

Quanto ao artigo 35-L, que trata de ativos garantidores, os especialistas apontam que essas regras dão maior liberdade para que as operadoras, de maneira geral, empreguem seu patrimônio. De acordo com o texto atual da Lei dos Planos de Saúde, “os bens garantidores das provisões técnicas, fundos e provisões deverão ser registrados na ANS e não poderão ser alienados, prometidos a alienar ou, de qualquer forma, gravados sem prévia e expressa autorização, sendo nulas, de pleno direito, as alienações realizadas ou os gravames constituídos com violação deste artigo”.

“Se de um lado, as operadoras vão ficar com mais dinheiro livre (líquido) para aplicar no mercado financeiro, de outro, o risco de quebrar é maior, deixando consumidores e prestadores sem pagamento ou atendimento”, diz o documento elaborada pelos especalistas em direito do consumidor.

Para Cleber Ferreira da Silva Filho, presidente da Associação de Servidores da ANS (Assetans), o projeto de lei representa um grande retrocesso na regulação do setor:

— No aspecto dos ativos garantidores, ao permitir o uso de imóveis a lei retrocede ao cenário anterior ao da regulação de 1998. É uma forma de burlar a garantia e reduzir a segurança do setor. A agência sai enfraquecida nesse projeto. Toda vez que legislativo interfere na atividade regulatória, saímos perdendo, pois os critérios usados são políticos e não técnicos.

Outras contribuições

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) também enviou contribuições ao PL nº 7419/2006, de relatoria do deputado Rogério Marinho, destacando alguns aspectos elencados pela entidade como positivos e outros negativos. Dentre os pontos positivos, a associação elogia a possibilidade de prover desconto aos beneficiários que se cadastrarem em programas de prevenção de doenças e promoção de saúde; a permissão às operadoras da comercialização direta de planos coletivos por adesão, sem a necessidade de intermediários; e, assim como a própria ANS também está estudando em Consulta Pública, a equivalência entre a gravidade da infração e o porte econômico da operadora nos casos de aplicação de multa pecuniária, “mantendo-se alinhados e em plena consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”.

Por outro lado, entre os aspectos negativos, ao contrário do que possa parecer, a Abramge acredita que permitir o parcelamento do último reajuste concedido aos beneficiários de planos de saúde ao atingirem 59 anos de idade, resultará, inevitavelmente, a médio e longo prazo, no encarecimento dos planos de saúde, atividade baseada no mutualismo – pacto intergeracional onde os mais jovens ajudam a financiar os custos dos mais velhos, com a intenção de no futuro serem os beneficiados por esta lógica financeira.

Ainda no âmbito contrário à proposta apresentada, a Abramge está preocupada com a dificuldade burocrática sugerida para o Ressarcimento ao SUS, pois a obrigação de transferir ao ente federativo os valores traz complexidade ao processo, inviabilizando os pagamentos. Ainda em relação ao Ressarcimento ao SUS, a Abramge entende ser positiva a iniciativa de comunicar as operadoras de planos de saúde no momento em que seu beneficiário procurar os serviços da rede pública de saúde, permitindo assim o acompanhamento e, quando possível, a remoção para sua rede própria ou credenciada.

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