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Imagem: iStock Photo
Matéria publicada originalmente por UOL.
O governo do Rio pretende estrear câmeras "inteligentes" que reconhecem pessoas e identificam placas de carros durante o Carnaval de 2019. Bem-vista por especialistas de segurança pública, a iniciativa gera críticas em relação à privacidade. O projeto usará um sistema da telefônica Oi, multada em 2014 por criar um software que recolhia e vendia informações sobre seus clientes de internet sem o seu consentimento.
A sanção à empresa na época foi aplicada pela Secretaria Nacional do Consumidor, que impôs pagamento de R$ 3,5 milhões. O órgão constatou que a empresa vendia dados coletados sem autorização para agências de publicidade e anunciantes.
A Oi foi procurada pela reportagem para dar detalhes sobre o novo software de segurança pública, mas não se pronunciou. O governo do Rio também não comentou o fato de a empresa ter sido alvo de multa por venda de dados no passado, mas disse que "o suporte da Oi será apenas na tecnologia oferecida".
De olho na privacidade
Especialistas ouvidos pelo UOL afirmaram que a tecnologia é positiva, mas alertam que há risco de vazamentos de informações que podem levar à quebra de privacidade em massa. A participação de uma empresa privada no projeto também é motivo de críticas. A polícia disse que o objetivo é identificar procurados pela Justiça e carros roubados em tempo real em meio à multidão, coibindo crimes e realizando prisões.
Segundo o governo do Rio, apenas o Estado terá acesso aos dados coletados pelo sistema. Mas se alguém mais tiver acesso a esses dados, milhares de pessoas podem ter sua privacidade exposta, segundo a organização não governamental Idec (Instituto de Defesa do Consumidor).
No Reino Unido, sistema falhou
O uso de programas de computador que fazem reconhecimento facial em imagens captadas por câmeras de segurança foi uma das principais bandeiras de campanha do governador Wilson Witzel (PSC).
Ele afirmou durante a campanha e logo após sua eleição que copiaria o modelo britânico. O sistema ainda está em testes no Reino Unido e enfrenta uma série de dificuldades técnicas que resultaram em identificações erradas e processos judiciais que argumentam que ele violaria o direito de privacidade.
O sistema britânico foi usado no carnaval do bairro de Notting Hill, em Londres, nos anos de 2016 e 2017 e resultou na identificação supostamente equivocada de ao menos 95 inocentes, segundo a organização ativista britânica Big Brother Watch entregue ao Parlamento britânico.
Witzel deixou de falar no sistema britânico em dezembro, mas continuou dizendo que um sistema de câmeras inteligentes substituiria uma parte do efetivo dos policiais nas ruas do Rio.
Na quarta-feira, o governo divulgou mais detalhes sobre o projeto-piloto que será implantado no Carnaval, sem custos ao Estado, e servirá de base para um termo de referência de uma futura licitação para compra da tecnologia pelo governo - com participação de outras empresas além da Oi.
Segundo o governo, câmeras de segurança do bairro de Copacabana filmarão os blocos de carnaval e as blitze da polícia. As imagens serão enviadas para uma central, onde serão submetidas ao software de reconhecimento facial e de placas. Os rostos das pessoas e os carros filmados serão confrontados com os bancos de dados policiais para identificação de suspeitos em potencial.
O governo não disse o que acontecerá depois disso, mas em países que usam tecnologia similar, policiais analisam o resultado do confronto de dados e decidem se os suspeitos serão abordados, quase em tempo real.
Violação de privacidade?
Segundo o advogado Renato Opice Blum, coordenador do curso de proteção de dados e privacidade do instituto Insper, a lei de proteção de dados em vigor atualmente autoriza esse tipo de monitoramento para fins de segurança pública.
"O uso do reconhecimento facial é positivo, mas o propósito não pode ser desvirtuado, por exemplo, com o compartilhamento de dados com empresas", disse.
Segundo Bárbara Simão, pesquisadora de direitos digitais do Idec, a informação é valiosa para as empresas porque, em tese, as câmeras podem monitorar hábitos de consumo de cada indivíduo - que, se vazarem, podem ser usados por empresas para criar publicidade direcionada.
Em outra hipótese, se caírem nas mãos do crime organizado, por exemplo, os dados têm potencial para mostrar os locais que uma pessoa frequenta habitualmente e torna-la exposta a crimes como assassinato, roubo ou sequestro.
"Qualquer uso minimamente inadequado dessa tecnologia pode gerar efeitos negativos de grandes dimensões na privacidade das pessoas", disse Bárbara Simão.
Segundo ela, é preciso discutir por quanto tempo esses dados podem ficar armazenados e como são descartados. Bárbara disse ainda que o governo precisa alertar os cidadãos que estão sendo monitorados, para que eles tenham o direito de escolher se vão ou não para a área onde estão as câmeras.
No Reino Unido, todos os locais sujeitos a monitoramento são identificados com placas bem visíveis - e o uso da tecnologia só ocorre de forma esporádica em estádios ou estações de trem. Já na China, não há alerta e o monitoramento é sistemático e abrange áreas muito mais amplas.
A diferença de abordagens não está apenas na tecnologia, mas na legislação dos países. No Reino Unido, seu uso não tem se expandido devido a processos na Justiça que freiam sua utilização.
Segundo o advogado Blum, todos os sistemas de informática, como os que armazenarão os dados coletados pelo software, têm vulnerabilidades. Porém, na opinião dele, a existência dessas vulnerabilidades não impedirá o uso cada vez mais frequente desse tipo de tecnologia nos países. Segundo ele é preciso ter mecanismos que punam a má utilização dos dados ou minimizem vazamentos por ataques de hackers, por exemplo.
Debate
Para Bárbara, o debate sobre o uso desse tipo de tecnologia está só começando. Segundo ela, o uso na segurança pública ainda precisa de mais regulamentação.
Já Blum disse que as pessoas têm que ser educadas para aprender que podem ser filmadas quando estão em local público, não só por um sistema de câmeras, mas por indivíduos, e devem aceitar essa condição.