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BNDES fez empréstimo para outras empresas que vendem armas

Financiamento põe em xeque regras do banco, nas quais “comércio de armas” é “setor não apoiável”; Pública já revelou R$ 60 milhões emprestados à Taurus

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Agência Pública

Atualizado: 

16/08/2019
BNDES fez empréstimo para outras empresas que vendem armas
BNDES fez empréstimo para outras empresas que vendem armas

Imagem: Ugurhan/iStock Photos

 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou mais de R$ 2,2 milhões a duas empresas de armas gaúchas: a E. R. Amantino e a Amadeo Rossi, conhecidas por fabricarem armas para caça esportiva. Esses empréstimos se somam à revelação da Agência Pública que o banco emprestou R$ 60 milhões à maior produtora de armas brasileira, a Taurus Armas, e R$ 13 milhões à principal fabricante de munição do Brasil, a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC). Ao todo, já são mais de R$ 75 milhões emprestados pelo banco a quatro empresas cuja principal função é produzir e vender armas e munições.

Segundo apuração da Pública, o BNDES realizou onze empréstimos para a Amantino entre 2010 e 2015. Todos os contratos foram realizados de forma indireta, isto é, quando o BNDES empresta dinheiro em parceria com outros bancos, que assumem os riscos do contrato caso o devedor não pague. Desse total, R$ 106 mil foram financiados em parceria com o Banco do Brasil, sendo o restante junto a bancos privados.

Já a Rossi firmou dez empréstimos entre 2002 e 2012, totalizando pouco mais de R$ 930 mil. Os contratos com a Rossi também foram indiretos, em parceria com bancos privados.

A Pública havia revelado que os contratos com a Taurus e a CBC põem em xeque a política do banco de não financiar empresas do setor de comércio de armas, divulgadas pelo BNDES em seu site e em seus relatórios. No relatório anual de 2018, o banco afirma que “as orientações básicas de nossas POs [políticas operacionais] vedam o apoio a setores como motéis, saunas e termas; comércio de armas; jogos de prognósticos; e atividades financeiras, à exceção de projetos de microcrédito e fintechs”.

A Taurus, maior beneficiada dos empréstimos do BNDES, vendeu 1,1 milhão de armas no ano passado e é responsável pela posição do Brasil dentre os maiores produtores e vendedores de armas leves do mundo.

Segundo o BNDES, “as operações realizadas não são proibidas”. Em resposta à reportagem da Pública, o banco divulgou nota reforçando que “não há violação da política já que a atividade econômica da Taurus S.A. é classificada, segundo o cadastro nacional de atividades econômicas (CNAE) do IBGE, como ‘fabricação de armas de fogo, outras armas e munições’, categoria pertencente à indústria de transformação”. Segundo o BNDES, “a restrição se refere especificamente ao comércio de armas, atividade inscrita em outra categoria no CNAE”, afirmou. O CNAE é uma classificação que todas as empresas, órgãos públicos ou privados, estabelecimentos agrícolas, organizações sem fins lucrativos e até mesmo autônomos precisam se enquadrar — a escolha do CNAE muda, por exemplo, os impostos a que uma atividade econômica está submetida.

Na avaliação de Bruno Langeani, gerente do instituto Sou da Paz, a resposta do banco sobre a classificação econômica da Taurus e demais empresas é insuficiente: “tem se cobrado, cada vez mais, que os bancos sejam mais responsáveis na decisão de pra quem oferecer crédito e que práticas exigir das empresas que tomam esses empréstimos. O fato de a Taurus não ter CNAE de comércio de armas é insuficiente [para justificar a operação] dado que, ainda que a atividade principal da empresa seja fabricação de armas, eles têm venda direta dos produtos”, explica.

Segundo Langeani, o BNDES precisa aperfeiçoar as suas restrições para empréstimos, já que está na política do banco não financiar o comércio de armas. “Não somos contra a indústria de armas e entendemos que o governo possa apoiá-la porque ela ocupa uma posição estratégica para o país, contudo, não podemos virar as costas para os efeitos nefastos que tanto Taurus quanto CBC têm gerado no Brasil. Mais de 40% da munição apreendida com criminosos no Rio de Janeiro é da CBC. Não apenas o BNDES, mas bancos privados que financiam deveriam cobrar das empresas uma ação e controle mais responsável que hoje elas não têm”, avalia.

Em 2018, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) investigou as políticas de investimento para o setor de defesa de alguns dos principais bancos em operação no Brasil: além do BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa, Santander, Safra, Bradesco, BTG Pactual, Itaú e Votorantim. O instituto descobriu que apenas Santander e Safra possuem algum tipo de política específica para limitar o financiamento de armamento como minas, bombas de fragmentação e armas biológicas, químicas ou nucleares. No relatório, o Idec destaca que o BNDES, apesar de afirmar que não financia o comércio de armas, não possui uma política própria que regule os empréstimos para a indústria da defesa.

O advogado do programa de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da Conectas, Jefferson Nascimento, que realiza uma pesquisa sobre o financiamento de bancos ao setor, também aponta que as regras de financiamento do BNDES ao comércio de armas não se sustentam: “O que o BNDES argumenta é que, na verdade, a restrição é de financiamento para empresas que têm como único objetivo o comércio de armas. Então, os empréstimos para a Taurus seriam para aquisição de bens de capital, como algum maquinário que seria utilizado para fabricação de chapas […] Então, quando essa restrição a não financiar o setor se aplica? Porque, se não se aplicar, ela é apenas uma propaganda: dizem que não estão financiando a venda de armas, mas estão. Isso não fica claro”, critica.

Taurus registrou no estatuto que atua no comércio de armasA Taurus, maior fabricante e vendedora de armas leves do Brasil, não possui CNAE junto à Receita Federal como empresa do comércio de armas — ela informa apenas sua atividade principal como fabricação de armas de fogo, outras armas e munições e não incluiu atividades secundárias.

Contudo, em seu estatuto social, a Taurus descreve seu objeto social como indústria, comércio, importação e exportação de armas e munições. Além disso, na Bolsa de Valores, as ações da empresa são negociadas como indústria e também comércio de armas.

A Pública havia questionado a empresa sobre os empréstimos do BNDES, mas não obteve retorno. Ao site InfoMoney, a empresa respondeu à reportagem da Pública que “os empréstimos do BNDES à companhia estão totalmente dentro da legalidade. Os empréstimos tiveram destinação específica de financiar uma parte do processo de produção da Forjas Taurus, Polimetal (indústria e comércio de produtos metálicos) e Taurus Blindagens (fabricação de equipamentos e acessórios para segurança) e não diretamente o comércio de armas”, afirmou. Na resposta da Taurus, os contratos com o BNDES “não vão contra a política do banco, que não financia empresas que tenham como principal função o ‘comércio de armas’”.

Já a empresa Amarantino está inscrita na Receita como empresa de “comércio varejista de armas e munições”. Essa é uma dentre as várias inscrições secundárias da empresa na Receita, que está cadastrada também como fabricante de máquinas-ferramenta, peças e acessórios; fundição de ferro e aço e extração de madeira em florestas plantadas, dentre outros.

Os empréstimos da Amantino com o BNDES, contudo, não foram registrados sob a categoria de comércio varejista de armas e munições, mas de metalurgia e produto de metal.A Rossi está cadastrada como “comércio atacadista de outros equipamentos e artigos de uso pessoal e doméstico não especificados anteriormente”, “fabricação de armas de fogo, outras armas e munições” e “holdings de instituições não-financeiras”.

A Pública questionou o BNDES sobre os novos contratos encontrados pela reportagem, que respondeu que “o apoio financeiro a essas duas empresas teve por finalidade a aquisição de máquinas e equipamentos voltados à indústria de transformação. Não desrespeitou, portanto, as políticas operacionais do Banco, que vedam o financiamento à comercialização de armas, e não a investimentos ligados à sua produção”, informou.

Na resposta do BNDES, o banco acrescentou que, apesar da Amantino ter CNAE de comércio varejista de armas, os financiamentos foram destinados “à aquisição de máquinas e equipamentos voltados à produção industrial, não à comercialização de armas”. A assessoria do banco acrescentou que, “no caso da E.R. Amantino, o BNDES reitera que não houve descumprimento de suas políticas ao financiar seus investimentos. A conformidade do apoio financeiro está relacionada com o código CNAE dos investimentos da empresa financiados pelo Banco”.

A Pública procurou as duas empresas citadas nesta matéria, Amantino e Rossi, mas não obteve resposta até a publicação.

Os 130 contratos de financiamento do BNDES com as quatro empresas de armas ocorreram durante os governos Lula (PT), Dilma (PT) e Temer (MDB).