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Bancos mantêm consignado e trabalhador, com corte de salário, pode se enrolar

Sem flexibilização de instituições financeiras, consumidor sai prejudicado com comprometimento de renda maior que o previsto ao assinar o contrato

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Valor Investe

Atualizado: 

05/05/2020
Foto: iStock
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Reportagem publicada do Valor Investe, publicada em 01/05/2020

Os bancos anunciaram medidas para estender por até 90 dias prazos de empréstimos e financiamentos. Mas o crédito consignado, que desconta as parcelas da dívida diretamente do contracheque do trabalhador, ficou de fora dessa série de medidas adotadas durante a pandemia do coronavírus.

Neste contexto de crise, a queda da renda ocasionou também a redução capacidade de pagar dívidas, especialmente com o advento da Medida Provisória (MP) 936, que permite suspensão de contrato de 60 dias ou corte de salários por até 90 dias.

Só na última semana, o número de trabalhadores alcançados pela medida cresceu 34%, saindo de 3,5 milhões para 4,7 milhões de empregados em todo o Brasil.

Apesar do número cada vez mais expressivo de pessoas afetadas, os bancos ainda não lançaram nenhum tipo de programa de renegociação ou carência para o consignado.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) indica que as instituições financeiras estão dispostas a ampliar o período de carência para as outras linhas de crédito, caso a crise se estenda, mas não faz aceno ao consignado.

“Quanto ao consignado, não há estudos conclusivos sobre a possibilidade de extensão da carência nos casos de redução de salário ou de suspensão do contrato de trabalho”, diz, em nota, a Federação.

O Banco do Brasil informou que, para novos contratos de consignado, haverá carência de 180 dias para pagamento da primeira parcela em alguns convênios. A condição pode ser estendida para quem já tem contrato e optar por renová-lo com o banco.

“Caso as soluções de renovação com carência não atendam à necessidade do cliente, há outras soluções de renegociação que podem ser avaliadas, caso a caso”, afirma o banco, em comunicado.

Já o Bradesco disse, em nota: “O Bradesco não está efetuando a prorrogação para crédito consignado, uma vez que a modalidade tem várias especificidades.”

A Caixa, o Santander e o Itaú não se manifestaram até a publicação desta matéria.

Reportagem do Valor Econômico indica que os bancos estariam avaliando flexibilizar o pagamento do consignado para trabalhadores do setor privado que tiveram redução de salário.

A proposta seria de uma dedução na parcela do crédito consignado na mesma proporção do corte de salário e de jornada. Nesse caso, a parcela seria recalculada e o valor restante seria incorporado no saldo devedor e diluído nas prestações seguintes.

Mas o fato é que até o momento, passados 45 dias de quarentena, ainda não há um entendimento sobre o tema.

Há mais de um mês, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) enviou carta ao Banco Central (BC) pedindo a redução proporcional ou medidas alternativas para o consignado. Até o momento, não teve nenhuma resposta.

"Entendemos que é urgente a adoção de medidas de adequação da margem consignável, em muitos casos com redução de 50% da renda, o saldo não garante nem o mínimo existencial. É necessária a revisão desses contratos, para muitos nem revisão será possível garantir um minimo de renda. Somente a suspensão será possível", afirma a economista do Idec, Ione Amorim.

"Infelizmente os consumidores estão sofrendo com a lentidão e falta de transparência das regras. Descontos em folha de pagamento e débito em conta é receita garantida para bancos, por isso não há urgência para soluções. O mesmo não acontece com bancos e grandes empresas que foram prontamente atendidos", completa Ione.

Estrangulamento

O que acontece na prática é que a renda do trabalhador encolhe ainda mais, uma vez que as parcelas do consignado seguem iguais e arrancam percentual maior de um salário já reduzido.

Atualmente, a margem consignável deve ser de até 35% da renda, sendo 30% do consignado em si e 5% de cartões consignados.

Mas com o corte de salário e manutenção da parcela integral, esse limite mensal de endividamento acaba sendo extrapolado.

Por exemplo, um trabalhador que recebia R$ 3.000 líquido antes da MP 936 poderia ter parcelas de até 30% da renda mensal, no valor de R$ 900.

Se ele tiver redução de 25% no salário, a parcela já compromete 33% da renda. Se o corte for de 50%, lá se vão 39% da renda. Para quem teve 70% de corte ou contrato suspenso, travaria 41% do orçamento. Os cálculos já levam em consideração o complemento de salário oferecido pelo governo federal.

 

Comprometimento de renda com parcelas do consignado após MP 936

Renda líquida de R$ 3.000

Comprometimento da renda

Salário integral antes da crise

30%

25% de redução salarial

33%

50% de redução salarial

39%

70% de redução salarial ou suspensão de contrato

41%

 

Fonte: Valor Investe

 

Diferentemente de outras dívidas, o consignado não dá ao consumidor a opção de pagar ou ficar em débito para priorizar contas essenciais, porque o próprio salário é a garantia, já tomada no momento do pagamento. Ele perde a escolha de direcionar o dinheiro para compras básicas, como alimentação.

Essa linha de crédito que costumava ser uma das mocinhas, por ter juros mais baixos que outras pré-aprovadas, acabou se tornando uma vilã no momento de crise. Se o consignado já foi dos males o menor, agora ele coloca a saúde financeira dos clientes em risco.

Quais as opções do trabalhador?

  1. Buscar ajuda da empresa empregadora na negociação das parcelas
  2. Tentar negociar direto com o banco
  3. Procurar um juizado especial civil
  4. Procurar a Justiça
  5. Buscar a portabilidade de crédito

O advogado Mario Sergio de Mello Ferreira, sócio da Faro e Mello Ferreira Advogados, especialista em direito do consumidor, explica que os bancos não podem suspender o crédito devido ao corte temporário do salário.

“Houve uma redução momentânea, o banco ou financeira, não podem causar o prejuízo ao cliente. Não podem cortar o crédito. Isso, sim, gera indenização”, afirma. Segundo ele, também fica vetado o aumento dos juros além do previsto em contrato.

Para o especialista, o melhor caminho é tentar negociar com a instituição financeira, antes de buscar judicializar o caso. “Justiça é algo mais moroso. É caro, com custos de processo, e demorado. Não aconselharia a entrar imediatamente no Judiciário”, recomenda.

De acordo com Beto Veiga, doutor em economia, o primeiro passo na hora de tentar resolver o impasse do consignado é buscar ajuda da sua empresa. Normalmente, há um acordo entre empresa e credor para que haja desconto diretamente no contracheque.

“As empresas têm um poder de barganha muito maior, por ter vários serviços contratados com o banco ou financeira. É uma relação de interesse mútuo. Vale a pena buscar a ajuda”, defende.

Se esse caminho não gerar frutos, o segundo passo é entrar em contato com o credor. Converse, tente negociar e explique que a sua renda está comprometida além do programado na hora da assinatura do contrato.

Argumente que a inflexibilidade pode prejudicar suas finanças e capacidade de honrar outros compromissos.

Como último recurso, que só vale para os casos em que a parcela ultrapassar 30% da renda mensal líquida, busque o juizado especial cível.

“Leva o extrato, o contracheque, o contrato e valor do débito mensal para o atendimento. O lado bom é que não precisa de advogado para esse tipo de providência. O lado ruim é que às vezes a audiência demora uns dois meses para acontecer”, afirma.

Veiga explica que a Justiça pode conceder uma redução na parcela, mas pondera que isso terá um preço para o consumidor. O valor de "desconto" da prestação será reduzido da amortização da dívida, que é a parte da prestação que diminui o saldo devedor.

“O que ocorre é que essa redução entra no saldo devedor. E assim, isso faz com que corra mais juros para o consumidor pagar ao fim da transação”, explica.

No entanto, mesmo pagando mais juros, o consumidor deve refletir. Se o comprometimento de renda for realmente alto no período de redução de salário, talvez seja melhor pagar um pouco mais de juros do consignado a arriscar se enforcar e entrar em outras modalidades de crédito mais caras, como cheque especial ou rotativo do cartão de crédito.

O trabalhador tem ainda a possibilidade de fazer a portabilidade do crédito consignado. Você tem direito de tentar levar sua dívida para outro banco por juros menores.

Uma das condições da portabilidade é que o cliente nunca saia prejudicado da transação. Quando um outro banco aceita sua portabilidade de crédito, ele compra sua dívida direto de seu antigo banco (com o qual havia o contrato de consignado) e você passa a pagar as prestações para este novo credor.

Somente a taxa de juros deve mudar no contrato de portabilidade, o valor do empréstimo e o prazo devem seguir inalterados.

Projetos de lei

Desde o início da pandemia, há diversas projetos de lei (PLs) no Congresso que preveem a suspensão temporária de pagamentos de consignado e outros tipos de empréstimo. Em algumas das propostas, estão previstos o alongamento e até correção da dívida.

A ideia de alguns parlamentares é somente postergar o pagamento dessas parcelas em um momento de crise generalizada. Um dos textos, prevê suspensão de descontos em folha até o fim da calamidade pública, outros por até 120 dias.

Os PLs 1500/20, do deputado André Figueiredo (PDT-CE); 1428/20, do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE); e 1479/20, do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), propõem interrupção do pagamento por quatro meses ou 120 dias. No caso da proposta de Mitidieri, prevê-se ainda a renegociação das dívidas, com alongamento de prazos.

Fábio Mitidieri diz que “mesmo trabalhadores empregados estão sofrendo os efeitos da crise, amplificados por outras obrigações, como os empréstimos consignados”. Já André Figueiredo afirma que “o valor que deixará de ser descontado do salário do trabalhador ou do aposentado reforçará o orçamento doméstico para o enfrentamento das dificuldades econômicas que acompanham a calamidade pública”.

Por sua vez, Pompeo de Mattos explica que “não se trata de perdão de dívida, mas de protelar o pagamento de quatro parcelas para o final dos contratos atuais”. Ele afirma ainda que a não cobrança de juros seria uma “pequena contribuição do sistema bancário”.

No Senado, os PLs 1452/2020, do senador Jacques Wagner (PT-BA), e 1.448/2020, de Alvaro Dias (Podemos-PR) trazem proposições semelhantes. No texto de Wagner, a suspensão duraria pelo tempo do estado de calamidade pública. O projeto de Dias prevê suspensão de pagamentos até agosto deste ano.

(Com Agência Câmara Notícias e Agência Senado)