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Agenda reúne leis para melhorar a mobilidade em São Paulo

Bairros diferentes, problemas iguais

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32xSP

Atualizado: 

11/08/2020
Foto: iStock
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Reportagem publicada pelo site 32xSP, em 10/08/2020 

O dia da enfermeira Danielly Alves, 25, começa quando a luz do sol ainda nem surgiu. Moradora do Itaim Paulista, no extremo leste de São Paulo, ela sai de casa às 5h10 e vai de ônibus, trem e Metrô até a Vila Mariana, na zona sul da cidade, onde faz plantão das 8h às 20h.

“Se eu tivesse mais tempo livre, eu dormiria mais e comeria melhor”, admite. A rotina era ainda mais corrida no ano passado, quando ela saía do estágio, na Barra Funda, e ia direto para a faculdade, no Tatuapé. “Eu ia dormindo no caminho. Raramente conseguia sair com meus amigos porque eu ficava muito cansada”, comenta.

Assim como é o caso da enfermeira, os longos deslocamentos pela cidade são comuns para muitos paulistanos. Em 2019, o tempo médio gasto para ir ao trabalho, estudo e voltar para casa era de 2 horas e 25 minutos por dia, mostra a pesquisa Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana, realizada pelo Ibope e a Rede Nossa São Paulo.

Os moradores das zonas leste e sul levavam mais tempo do que a média da cidade: 2h39 e 2h27, respectivamente. Além disso, 71% dos paulistanos utilizavam com frequência o transporte público da cidade, segundo o levantamento.

Moradora do Jardim dos Reis, na periferia da zona sul da capital, a operadora de telemarketing Andy Ribeiro, 21, começou a trabalhar em casa desde o início da pandemia do coronavírus. Antes, ela levava cerca de 1 hora e 20 minutos para chegar ao trabalho, no bairro Granja Julieta, na região centro-sul.

“Eu saía de casa às 7h30 para pegar o ônibus no Terminal Jardim Ângela e chegar às 8h50 na empresa”, conta. Com o horário de serviço agora feito em casa, ela diz que passou a ficar menos estressada e a se alimentar melhor.

“Antes eu fazia tudo correndo. Ficava estressada com o trânsito ou por não conseguir comer direito. Agora eu consigo fazer as minhas pausas em casa para comer com mais tempo”, disse Andy Ribeiro, operadora de telemarketing.

BAIRROS DIFERENTES, PROBLEMAS IGUAIS

Geograficamente, Danielly e Andy estão separadas por cerca de 50 km. Mas ambas passam pelo mesmo problema: o cotidiano dentro de uma cidade, cujo deslocamento é sinônimo de um transporte cansativo, cheio e demorado.

A forma como a capital paulista se desenvolveu de forma desigual e segregatória, e de que maneira a população pode cobrar pela redução dessas desigualdades é o tema principal da Agenda Propositiva de Mobilidade e Clima para a cidade de São Paulo, material desenvolvido por sete organizações da sociedade civil*, com foco nas eleições municipais deste ano.

Lançada nesta segunda-feira (10), a publicação mostra que o município de São Paulo deixou recair sob a população mais pobre diversos problemas.

“Desde o grande tempo gasto em seus deslocamentos, até uma maior taxa de mortes prematuras por conta da inalação de fumaça de ônibus, carros, motos e caminhões, passando pelo acesso a um sistema de transporte público ineficiente, caro e lotado” são alguns dos apontamentos mencionados no documento.

MELHORIAS NA MOBILIDADE

A analista de atendimento ao cliente Sione Aguiar, 41, também está em home office por causa da pandemia. Ela mora no Jardim João XXIII, na zona oeste de São Paulo, e antes da quarentena levava cerca de três horas para ir e voltar do trabalho no Ipiranga, na zona sul.

Para ela, a mobilidade na cidade precisa melhorar muito, especialmente nos bairros localizados nas periferias. “Utilizo ônibus e Metrô para chegar ao trabalho. O ônibus é sempre lotado. E sinto diferença das linhas que atendem ao meu bairro para as linhas que atendem a região central”, diz.

“Os ônibus do centro são novos e têm ar-condicionado. Os ônibus de bairros, a maioria não é [novo]. O Metrô também tem diferenças. A linha amarela é bem diferente da linha vermelha”, disse Sione Aguiar, analista de atendimento.

Sobre isso, o material sobre mobilidade e clima revela que existe um planejamento urbano a longo prazo para a cidade e que a principal dificuldade é diminuir o abismo entre o que foi planejado e o que é efetivamente implementado pela gestão municipal.

Em 2019, a gestão prefeito Bruno Covas (PSDB) reduziu a meta de novos corredores de ônibus na cidade, passando de 72 km (prometidos entre os anos de 2017 e 2020) para apenas 9,4 km na região de Itaquera, na zona leste.

Com a redução, dez subprefeituras, como Campo Limpo, Cidade Tiradentes e Butantã, ficaram de fora do plano.

Um ano antes, a Prefeitura de São Paulo destinou 73% do investimento em mobilidade para os automóveis, “descumprindo os dispositivos de planejamento”, conforme aponta a agenda de propostas.

FORMAS DIRETAS E INDIRETAS DE COBRANÇA

Segundo Carolina La Terza, assessora de projetos na Rede Nossa São Paulo, a população paulistana pode acompanhar e cobrar a execução desses planos de duas formas – uma mais direta e outra indireta.

“A forma direta é através das pessoas conhecerem como funciona o planejamento da cidade, conhecerem os planos existentes, e buscando participar de sua elaboração e eventuais revisões”, afirma.

Ela destaca o Programa de Metas e os Planos de Ação das 32 Subprefeituras – ambos disponíveis para consulta no site da Prefeitura. “São justamente os instrumentos que escolhem, dentro do ‘cardápio’ dos planos, o que será efetivamente feito no curto prazo”, explica.

O Programa de Metas é exigido pela Lei Orgânica do Município e é apresentado no início do mandato de cada prefeito, reunindo os principais objetivos da gestão municipal para os próximos quatro anos. Em 2017, a gestão do então prefeito João Doria (PSDB) tinha 53 metas definidas.

Em relação à forma indireta de cobrança, Carolina indica que se trata do apoio em lideranças locais e comunitárias e em organizações que participam, de forma mais próxima, na elaboração dos planos existentes na cidade.

“Elas [as lideranças] mantêm diálogo constante com a prefeitura para que os planos sejam implementados”, comenta a assessora.

“Exemplos disso são o Plano Diretor Estratégico (PDE) e a Lei de Zoneamento (LPUOS), nos quais muitos movimentos de moradia atuaram bem de perto para garantir que as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) fossem delimitadas e ativadas.”

REDUÇÃO NOS TEMPOS DE DESLOCAMENTO

Para a próxima gestão municipal (2021 – 2024) existem cinco instrumentos de planejamento vigentes que orientam governantes a traçar ações para reduzir os tempos de deslocamento pela cidade nos diferentes modelos de transporte.

São eles: o Plano Municipal de Mobilidade (PlanMob), o Plano Diretor Estratégico e a Lei de Zoneamento, citados acima. Além do Plano Emergencial de Calçadas (PEC) e o Plano de Segurança Viária.

De acordo com a Agenda Propositiva de Mobilidade e Clima, para que esse objetivo seja posto em prática dentro do período de quatro anos, é preciso: 1 – diminuir as distâncias entre os locais de moradia e trabalho; 2 – redistribuir o espaço viário e priorizar o transporte coletivo; e 3 – favorecer a troca entre transporte público, bicicleta e deslocamento a pé.

“Um dos caminhos é levar a urbanização aos bairros periféricos e promover a criação de empregos e serviços nesses locais. Isso é importante não só para diminuir a quantidade e o tempo de deslocamento da população, como também para que as pessoas se relacionem melhor com o próprio bairro e se orgulhem de viver onde vivem”, explica Carolina.

Em “urbanização”, a assessora de projetos explica que a estratégia inclui ações de saneamento básico (água e esgoto), coleta de lixo e serviços públicos, como creches, escolas, postos de saúde etc., além de qualificar os espaços públicos nessas regiões e promover a regularização fundiária de moradias irregulares.

“Outro exemplo são os terminais de ônibus planejados pelo PlanMob, que criam centralidades nos seus entornos e incentivam a abertura de comércio e serviços para as regiões”, complementa.

*O material foi elaborado pelas organizações Ciclocidade, Cidadeapé, Greenpeace, Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Instituto Saúde e Sustentabilidade, Rede Nossa São Paulo e SampaPé!. 

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