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Artigo: Muito além da discussão de taxar o sol

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Correio Braziliense

Atualizado: 

02/03/2020
Foto: Idec
Foto: Idec

Clauber Leite, pesquisador do Idec em Energia e Consumo Sustentável e Teresa Liporace, diretora executiva do Idec.

Ao sinalizar que manterá as regras vigentes do setor de energia solar, sem realizar um debate mais amplo, o Poder Executivo vira as costas aos interesses da maioria dos consumidores brasileiros. Mais do que isso, fecha os olhos para as importantes transformações que ocorrem no setor de energia elétrica como um todo.

A questão tem início, na realidade, bem antes da polêmica sobre o pagamento, ou não, de encargos pelos produtores de energia solar. Ela começa na maneira como se calcula a taxa de distribuição de energia, que é totalmente equivocada.

Hoje o consumidor residencial, denominado de baixa tensão, paga na fatura a TE (Tarifa de Energia), que diz respeito à quantidade de produto utilizado, e a Tusd (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição), que se refere ao uso da infraestrutura de distribuição que possibilita que a energia seja entregue no ponto de consumo. Ambas são calculadas juntas, por volume (R$/kWh). É justificável que a TE seja calculada por quantidade, mas a segunda, não. Isso porque, quando um consumidor se conecta à rede, seu custo é fixo, não depende de quantidade de energia consumida.

Da maneira como a Tusd está sendo calculada, não se consegue saber exatamente quanto é o custo de cada conexão. É urgente que o sistema seja revisto para separar as tarifas de energia e de distribuição, como já ocorre com consumidores em média e alta tensão — indústrias e grandes comércios, por exemplo —, sujeitos à tarifa binômia (calculada em duas partes). Essa revisão se faz ainda mais essencial num provável futuro próximo de mercado livre, para que o pequeno consumidor possa de fato saber se vale a pena trocar o fornecedor de venda de energia.

É agregada a esse cenário que vem a questão da geração distribuída (GD). A inserção desses sistemas na rede elétrica geral exige mudanças estruturais. Mas, pelas normas em vigor, o que acontece na prática é que os micro e minigeradores recebem como subsídio a isenção do pagamento de um encargo relativo ao uso da infraestrutura de distribuição.

Dessa forma, impactam os demais consumidores já que, com menos usuários arcando com os valores globais, os que pagam têm custos cada vez maiores na conta de luz. Vale ressaltar que esse subsídio não está estabelecido em lei, portanto, não há controle sobre ele, fazendo que seja extremamente regressivo, de difícil mensuração e com impacto diferente sobre os consumidores de cada concessionária.

O crescimento da participação da energia solar na matriz energética do Brasil é desejável. Porém, se mantivermos o modelo atual, os custos da infraestrutura de distribuição serão bancados pelos consumidores residenciais que não conseguem pagar o preço de instalação de painéis solares. Essa situação tende a piorar com o já previsto aumento dos sistemas fotovoltaicos, que hoje correspondem a 1% do mercado de energia. Com a consolidação do mercado e tendência à expansão, a política de subsídio precisa ser revista, respeitando, claro, prazos de contratos estabelecidos e criando um gatilho para início das mudanças, baseado no crescimento da geração distribuída.

Mas como calcular o custo de conexão dos micro e minigeradores para cobrá-los adequadamente? Voltamos ao ponto inicial: isso só será possível com a criação de uma tarifa binômia. O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 232/2016, que promove reforma do setor elétrico, pode trazer solução para essa questão ao propor, entre outras coisas, a separação da cobrança de energia e distribuição.

Vale ressaltar o trabalho que a Aneel tem feito para discutir novas regras para o setor de energia solar, o que inclui consultas e audiências públicas. Porém, o órgão precisa ser mais contundente sobre as conexões dos micro e minigeradores, assumindo a responsabilidade na definição de regras, aspectos técnicos e prazos. Hoje, quem determina tudo isso são as concessionárias de energia, e os consumidores estão à mercê de interesses empresariais.

Por isso, é hora de repensar o papel da rede de distribuição a partir das inovações em GD. Isso deve ser feito por meio de política pública robusta, encampada pelo Legislativo e a Aneel. Sua formulação precisa estar embasada em informações claras e em amplo debate — responsabilidade também dessas instituições —, permitindo tomada de decisões em benefício da sociedade como um todo, não de setores específicos. Sobretudo os interesses dos consumidores devem ser levados em consideração, pois ainda são eles que, por meio da conta de luz, bancam o sistema elétrico brasileiro com todas as contradições e injustiças.

* Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, em 13/1/2020.

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