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Reportagem do jornal O Globo, publicada em 05/04/2021
Garantir maior transparência sobre as condições dos planos oferecidos pelas operadoras e permitir a contratação de serviços por meio exclusivamente digital, sem interferência humana. Esses são alguns dos objetivos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) com a revisão do Regulamento Geral de Direito dos Consumidores do setor, em fase final de aprovação.
A ideia é garantir que as teles consigam comercializar seus serviços de telefonia e internet da mesma forma como já fazem empresas de streaming e fintechs, cuja contratação ocorre diretamente no site ou aplicativo, sem a necessidade de um call center ou de atendimento presencial. A mudança pode baratear o serviço.
Especialistas em direito do consumidor, temem, no entanto, que o modelo de atendimento digital possa prejudicar os clientes mais vulneráveis, que não têm intimidade com o mundo digital. Além de pagar mais caro, eles podem ter dificuldade para resolver problemas com as empresas, já que o atendimento presencial deixaria de ser obrigatório. E são muitas as queixas.
Em 2020, a Anatel contabilizou 3,5 milhões de reclamações contra operadoras.
— É preciso atualizar o regulamento, mas isso não pode implicar retrocesso para o consumidor. Consideramos que o atendimento presencial e por telefone deve continuar obrigatório. E defendemos que a atualização determine que as operadoras apresentem todos os planos ofertados em um mesmo painel em que seja simples a comparação — destaca Pedro Queiroz, direitor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão do Ministério da Justiça.
Segundo a superintendente de Relações com Consumidores da Anatel, Elisa Leonel, a nova regulamentação acompanha as mudanças no comportamento do consumidor. Ela destaca que hoje mais de 60% do atendimento já são por meio digital.
E acrescenta que, entre 2015 e 2020, o percentual de consumidores de planos pós-pagos que usam o atendimento via internet saltou de 26,9% para 45,5%:
— O que queremos é fazer a abertura do modelo de negócios para o digital. O consumidor vai poder contratar um pacote digital pela internet. Mas não vamos abrir mão do modelo tradicional, pois a sociedade precisa disso. Por isso, mantemos o entendimento de que o canal físico é necessário.
Informação padrão
Na avaliação de Diogo Moyses, coordenador de Telecomunicações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a tendência, com a contratação digital via robô, é de oferta de preços menores apenas para parte dos consumidores, empurrando os clientes mais vulneráveis para pacotes mais caros, que dependem do atendimento presencial:
— Não somos contra a inovação, mas a mudança no atendimento para o modelo digital pode por fim ao atendimento via telefone, que hoje é o canal mais eficaz para resolver problemas como a cobrança indevida. Ou seja, pode piorar para todos. Há uma pressão das empresas, que vêm investindo em digitalização de seus processos.
Por outro lado, a digitalização, diz a Anatel, vai facilitar que o consumidor faça a troca de seu plano por um mais barato, assim como cancelamento do serviço:
— Sabemos que as empresas dificultam a mudança para um novo pacote. Estamos tentando implantar um modelo no qual o consumidor não precise falar com o atendente para cancelar ou mudar para um pacote mais barato. Hoje, no call center, o consumidor já pode fazer isso de forma automática, mas, na fiscalização, verificamos várias falhas. Ter essa ferramenta funcionando é fundamental em um momento de crise — afirma Elisa.
Garantir maior transparência às ofertas também está entre as metas do novo regulamento. A proposta é criar um padrão de informações mínimas sobre cada plano, como índice de reajustes e serviços contemplados, que ficariam disponíveis em um painel on-line.
As empresas ficariam proibidas de fazer mudanças nos planos contratados pelo consumidor em período inferior a um ano. Atualmente, basta que comuniquem a alteração 30 dias antes.
— Hoje, as empresas criam ofertas semanais, com diferentes regras, e o consumidor fica perdido, muda até a data do contrato. Isso pode levar, inclusive, a vários aumentos durante o ano. Por isso, mesmo que ofereçam várias promoções, vai valer a regra do contrato em curso. Isso vai dar mais transparência até para o consumidor entender qual é o índice de reajuste a que está submetido — explica Elisa.
Para Moyses, do Idec, a mudança nas ofertas pode dar mais segurança ao consumidor, que hoje contrata planos de serviços com bônus e promoções com condições incertas, que são fontes recorrentes de problemas.
— É importante que a regulamentação determine que as contas discriminem os serviços cobrados. Hoje, o consumidor não entende nada do que vem escrito. E uma das principais queixas é a cobrança indevida e não autorizada de aplicativos pagos de jogos e conteúdos audiovisuais, os chamados serviços adicionais.
Expansão digital
Em nota, a Conexis, que reúne as empresas do setor, disse que as propostas do regulamento estão sendo analisadas. A entidade destaca que as empresas têm 315 milhões de acessos e dispõem de várias formas de atendimento ao consumidor.
A Conexis ressalta ainda que, na pandemia, as operadoras modernizaram e expandiram as formas de atendimento digital para segurança do cliente.
Confira os principais pontos
Contratação digital
Consumidor vai poder contratar planos de telefonia e internet 100% de forma digital, sem a participação de um atendente de call center ou de loja física.
Oferta anual
As teles só poderão mudar a oferta uma vez a cada 12 meses. Atualmente, as empresas podem mudar desde que avisem os consumidores com 30 dias de antecedência.
Informação padrão
O regulamento criará um padrão com informações mínimas de cada plano, como índice de reajuste e data de adesão, que deverá ser seguido pelas empresas, garantindo maior transparência.
Protocolo único
O número do protocolo deve ser dado apenas ao fim da ligação. O entendimento da Anatel é que hoje o cliente recebe um protocolo no início do atendimento e, depois, ao efetuar a queixa do serviço, recebe outro e não sabe qual usar.
Mudança de plano on-line
Criação de uma plataforma que vai permitir ao cliente mudar o plano e cancelar o contrato de forma automática no site ou aplicativo.
Atendimento presencial
O Idec alerta que é preciso mais clareza na definição de quais serão as obrigações das empresas no atendimento presencial.