Atenção: Você sabia que desde 1º de janeiro de 2023 estão proibidos a produção, a importação, o uso e a oferta de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados (gordura trans industrial) no Brasil1? Portanto, produtos alimentícios que contenham esses ingredientes em sua lista não podem mais ser comercializados.
O QUE É A GORDURA TRANS?
É um tipo de gordura que pode ocorrer naturalmente, em baixas quantidades, em alimentos de origem animal, como carnes e produtos lácteos de ruminantes (leites, queijos e manteiga, por exemplo), ou ser produzida industrialmente por meio de processos tecnológicos.
Antes de seu banimento, este segundo processo costumava ser a forma como a gordura trans era mais frequentemente encontrada nos produtos alimentícios comercializados no Brasil2. Para a sua produção, o óleo líquido era transformado em gordura sólida, conferindo, por um baixo custo, maior crocância, sabor e prazo de validade aos produtos.
O consumo moderado de gordura trans natural pode ser considerado seguro. Já o consumo de gordura trans produzida industrialmente tem efeitos deletérios comprovados cientificamente3.
Sendo assim, a partir daqui, nosso foco será na gordura trans industrial.
POR QUE O SEU CONSUMO FAZ MAL?
PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA?
As doenças do coração são a principal causa de morte e de internação hospitalar no Brasil. Em 2019, essas doenças causaram
28,2% do total de óbitos no País
(Global Burden of Disease Study 2019 (GBD 2019) Recursos de dados | GHDx (healthdata.org) Global burden of disease study 2019 (GBD 2019) data resources [Internet]. Healthdata.org. Disponível em: https://ghdx.healthdata.org/gbd-2019
Um estudo5 que analisou os rótulos disponíveis no ano de 2017 demonstrou que a gordura trans industrial era amplamente utilizada pela indústria de alimentos, principalmente em produtos alimentícios ultraprocessados como:
- sorvetes
- cremes vegetais
- massas instantâneas
- salgadinho de pacote
- bolos prontos
- biscoitos
- chocolates
- pipoca de microondas
- margarina
COMO SABER SE O ALIMENTO CONTÉM GORDURA TRANS?
Como a proibição no uso de gordura trans é exclusivamente para aquela de origem industrial, ainda é possível encontrar este nutriente na informação nutricional dos produtos. Atualmente um produto pode apresentar gordura trans se ela for de origem natural (animal) ou se a empresa estiver cometendo uma infração à norma.
A informação sobre a quantidade de gordura trans nos alimentos é obrigatória no Brasil. Porém, se igual ou inferior a 0,1 gramas por 100 g ou ml e por porção do alimento, pode ser declarada como zero na TABELA NUTRICIONAL.
A identificação da gordura trans também é obrigatória na LISTA DE INGREDIENTES, porém, não existe uma padronização sobre qual o termo utilizado. Um estudo3 que avaliou a evolução das informações de gordura trans apresentadas em alimentos embalados comercializados no Brasil em 2010 e 2013, mostra que a presença de nomes diferentes para o ingrediente aumentou. Outro estudo, que analisou rótulos disponíveis em 20175, também encontrou que diversas denominações distintas foram utilizadas pela indústria para se referir a gordura trans, o que pode gerar confusão e induzir o consumidor a erro:
Outro problema para a identificação da gordura trans é que as embalagens podem utilizar a ALEGAÇÃO de “não contém gordura trans” ou “zero gordura trans” quando sua quantidade for igual ou inferior a 0,1 g por porção, por 100 g ou ml e por embalagem individual, quando for o caso.
*Estudo desenvolvido por pesquisadores em nutrição do Nupens/USP (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde Pública da Universidade de São Paulo) e do Idec. (Ricardo et al. Trans fat information of Brazilian package foods. Artigo em revisão. 2019.)
A pesquisa foi realizada entre abril e julho de 2017 nas 5 principais redes de supermercado do Brasil, a partir das informações presentes nos rótulos de 3.491 produtos. Para chegar aos resultados, foi comparado o que o produto apresenta em sua lista de ingredientes com as informações presentes nas alegações nutricionais.
A PROIBIÇÃO DA GORDURA TRANS NO MUNDO
Atualmente, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que o consumo diário de gordura trans não ultrapasse 1% do valor energético total de uma dieta — o que representaria algo como não mais do que 2g por dia em uma dieta de 2.000 calorias, ou uma colher de sopa das antigas formulações de margarina.
Em 2007, a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) recomendou a eliminação da gordura trans produzida industrialmente e planejou estabelecer um prazo para o banimento total da gordura trans nas Américas6.
Em 2018, a OMS divulgou um guia para a eliminação mundial da gordura trans de origem industrial7. De acordo com o documento, as melhores maneiras de eliminar este ingrediente são:
- Limitar a presença de 2 g de gordura trans industrial por 100 g de gordura total em todos os alimentos;
- Proibir a produção e o uso de óleos e gordura parcialmente hidrogenada como ingrediente em todos os alimentos.
Atualmente, 60 países têm políticas obrigatórias sobre gorduras trans em vigor, e destes, 43 têm políticas de melhores práticas em vigência, abrangendo 2,8 bilhões de pessoas (36% da população mundial)3.
RESULTADOS ALCANÇADOS
E NO BRASIL?
Em dezembro de 2019, com a publicação da RDC nº 332, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou mudanças sobre o uso de gorduras trans industriais no Brasil. A decisão foi a de restringir a quantidade de gordura entre julho de 2021 e janeiro de 2023. Contudo, em 2021, a agência publicou a RDC nº 514, que alterou os prazos da regra vigente até então.
No ano seguinte, em março de 2022, a Anvisa publicou a RDC nº 632, que unifica e revoga as duas normas citadas anteriormente. Com isso, óleos refinados fabricados até 30 de junho de 2021 puderam ser comercializados até o fim de seus prazos de validade. Já os alimentos destinados ao consumidor final e aos serviços de alimentação que continham gordura trans produzida industrialmente e foram fabricados até 30 de junho de 2021 puderam ser comercializados até o fim de 2022.
Somente a partir desta data final, ficaram proibidas a produção, a importação, o uso e a oferta de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados para uso em alimentos e alimentos formulados com estes ingredientes. A proibição do uso desde a produção protege o consumidor e todo o sistema alimentar.
- Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 632, de 24 de março de 2022. Dispõe sobre a restrição de uso de gorduras trans industriais em alimentos. Diário Oficial da União (61). 2022 Mar 30.
- Wanders, A.J.; Zock, P.L.; Brouwer, I.A. Ingestão de gordura trans e suas fontes dietéticas em populações gerais em todo o mundo: uma revisão sistemática. Nutrientes 2017, 9, 840.
- de Barros BV, Proença RP da C, Kliemann N, Hilleshein D, de Souza AA, Cembranel F, et al. Trans-fat labeling in packaged foods sold in Brazil before and after changes in regulatory criteria for trans-fat-free claims on food labels. Front Nutr [Internet]. 2022;9:868341.
- Countdown to 2023: WHO report on global trans-fat elimination 2022. Geneva: World Health Organization; 2023. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO.
- Ricardo CZ, Peroseni IM, Mais LA, Martins APB, Duran AC. Trans Fat Labeling Information on Brazilian Packaged Foods. Nutrients [Internet]. 2019 Sep 6;11(9):2130.
- Organização Pan-Americana da Saúde. Américas livres de gorduras trans: conclusões e recomendações. Washington (DC); 2007.
- World Health Organization. Replace Trans fat: An action package to eliminate industrially-produced trans-fatty acids [Internet]. WHO; 2018.