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Atualizado:
O presidente Lula assinou o Decreto que regulamenta a TV digital no Brasil, oficializando a escolha do governo federal pelo padrão japonês (ISDB). Novas questões, todavia, devem ser discutidas com a sociedade, até porque a implantação da TV digital não se resume à escolha do padrão tecnológico.
Se o processo de escolha do ISDB denotou um forte desprezo pela participação social, a adaptação da tecnologia deve corrigir as limitações técnicas do padrão japonês a uma TV democrática, plural e acessível a 90% dos lares do Brasil.
Basta dizer que o estudo desenvolvido por pesquisadores brasileiros - envolvendo mais de 70 universidades e empresas - resultou em um relatório compilado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), uma fundação de reconhecida competência, e entregue ao Ministério das Comunicações, mas nunca divulgado para a sociedade.
O padrão japonês, na sua concepção original, é tecnicamente favorável aos interesses das emissoras de TV aberta, pois além de não privilegiar a multiplicação dos canais e a decorrente ampliação do conteúdo, bloqueia a entrada das empresas de telefonia nessa área (disputa por receitas publicitárias e na veiculação de programas a celulares e aparelhos portáteis).
Além do mais, o ISDB privilegia a TV de alta definição, que só será desfrutada por poucos brasileiros por muitos anos, já que é preciso ter um aparelho caríssimo para usufruir plenamente dessa tecnologia.
O padrão europeu (DVB) e o brasileiro se mostravam mais plurais, adequados à realidade brasileira e próprios à multiprogramação.
O anúncio de que ao padrão escolhido serão incorporadas inovações desenvolvidas pelos pesquisadores brasileiros não é suficiente para garantir os ganhos da sociedade. As inovações devem fazer com que o padrão japonês se torne mais barato para o consumidor, resultando em terminais de acesso (os conversores de sinal que serão acoplados às TVs comuns) ao alcance de todos e com funções razoáveis de interatividade.
Não é uma questão só de produto: uma das anunciadas vantagens da TV digital é a chegada ao aparelho de TV de serviços semelhantes aos da internet, isto é, a inclusão digital de milhões de brasileiros. Para isso, a TV digital tem de ser para todos.
O Idec está consciente também dos novos problemas que já se colocam ao consumidor, diga-se, antes mesmo da decisão governamental. A propaganda enganosa de aparelhos de TV vendidos sem o devido alerta da necessidade de um conversor de sinais é um deles. O dano possível ao monitor de TV de plasma no período de transição do sinal analógico ao digital é outro.
Mas outros virão: aumento do uso do telefone e respectiva fatura mensal, apelos comerciais e publicitários mais fortes e freqüentes, problemas na compra de produtos e contratação de serviços via TV, cobranças por serviços não contratados, informação enganosa e incompleta etc. Esses não são problemas só da TV digital. Mas com ela serão potencializados.
Por isso, as vantagens que a TV digital propicia devem ser priorizadas e implantadas antes mesmo dos aspectos comerciais: interatividade a serviço da educação à distância, acesso a serviços públicos hoje restritos ao usuário da internet, aproveitamento do potencial interativo em decisões da vida nacional cuja participação da população seja necessária, entre outras.
Caberá ao poder público dirigir esse processo, com a participação da sociedade. Por exemplo, direcionando parte das receitas que a TV digital gerará, para a implantação de serviços realmente úteis e universais. Os novos canais disponibilizados para a emissão simultânea do sinal analógico e digital deverão ser concedidos a outros atores sociais quando a transição para o sistema digital estiver completada.
A escolha de um determinado padrão tecnológico, qualquer que seja ele, deve se submeter ao crivo social.
A TV, sobretudo no Brasil, é mais que um negócio, um produto. Embora de qualidade muitas vezes discutível, é o único meio de informação e entretenimento de milhões de cidadãos e cidadãs.