Em agosto de 2010, uma decisão causadora de grande surpresa e frustração reduziu o prazo para a propositura de ações civis públicas na defesa de consumidores para cinco anos, em analogia com a Lei nº 4.717/1965.
separador
21/02/2013
Atualizado:
07/03/2013
Maria Elisa Cesar Novais
Após algumas oportunidades de contestação de entidades, públicas e privadas, que trabalham com a causa do consumidor, todas as tentativas de recursos para esclarecimentos foram inadmitidas. Imaginado a própria Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça – órgão julgador do Recurso Especial nº 1.070.896/SC – que a questão estaria encerrada, ainda que não tivesse ocorrido o trânsito em julgado do recurso, passou a adotar tal posicionamento em diversas outras oportunidades. Assim o fez, inclusive, em sede de recurso repetitivo que tratou da pacificação da questão atinente a planos econômicos, a saber, o Recurso Especial nº 1.107.201/DF, esclarecendo que “é vintenária a prescrição nas ações individuais em que são questionados os critérios de remuneração da caderneta de poupança e são postuladas as respectivas diferenças, sendo inaplicável às ações individuais o prazo decadencial quinquenal atinente à Ação Civil Pública.”
Outro ponto delicado no julgamento é entender como uma questão de ordem pública e interesse coletivo de tamanha importância, cujo resultado definiria um forte precedente, pudesse ser julgada sem qualquer escuta da sociedade, visto que já há mecanismos previstos em lei para a participação de entidades como amicus curiae e trata-se de uma tendência adotada não só nas instâncias superiores, mas também nas instâncias locais quando provocadas com demandas de grande repercussão.
Evidentemente, todas estas questões permaneceram sem resposta. Cumpre, até mesmo, salientar que o entendimento, a despeito de unânime no referido recurso, não se repetiu em todas as oportunidades, o que faz transparecer relativa divergência que ainda paira entre os magistrados da Colenda Corte. Nesse sentido, vale relembrar a decisão proferida nos autos do Recurso Especial nº 995.995/DF, em que a ministra relatora Nancy Andrighi entendeu que, ao contrário do alegado pela operadora Amil que a ação civil pública já teria sido atingida pelo prazo prescricional de 5 anos definido no Código de Defesa do Consumidor, entendeu que o prazo a ser aplicado seria o de 10 anos, definido pelo Código Civil, sendo categórica: “A única previsão relativa à prescrição contida no diploma consumerista (art. 27) tem seu campo de aplicação restrito às ações de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, não se aplicando, portanto, à hipótese dos autos, em que se discute a abusividade de cláusula contratual. Por outro lado, em sendo o CDC lei especial para as relações de consumo – as quais não deixam de ser, em sua essência, relações civis – e o CC, lei geral sobre direito civil, convivem ambos os diplomas legislativos no mesmo sistema, de modo que, em casos de omissão da lei consumerista, aplica-se o CC.”
Observe-se que o entendimento esposado nessa última oportunidade leva em consideração não o instrumento processual utilizado para a defesa de direitos – a mesma ação civil pública utilizada na oportunidade do Recurso Especial nº 1.070.896/SC – mas o direito material levado a juízo para tratar do prazo prescricional, o que foi ignorado no recurso advindo de Santa Catarina.
Todavia, frustrando agora a expectativa dos próprios magistrados que proferiram entendimento tão questionável, embargos de divergência interpostos em face do acórdão proferido nos autos do Recurso Especial nº 1.070.896/SC foram admitidos para ir a julgamento na Corte Especial.
Segundo a ministra relatora Laurita Vaz, restou demonstrada a divergência entre o entendimento proferido no acórdão embargado e no paradigma, que abaixo é transcrito:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL VINTENÁRIO. ART. 177, DO CCB. REGRA GERAL. FALTA DE INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS VIOLADOS. SÚMULA Nº 284/STF. DIVERGÊNCIA NÃO CONFIGURADA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 07/STJ.
I - É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de ser o Ministério Público legítimo para propor ação civil pública na hipótese de dano ao Erário.
II - Na ação civil pública aplica-se o prazo prescricional vintenário do art. 177, do Código Civil, como regra geral, devido à falta de lei que regule a matéria, não sendo caso de incidência dos prazos trienal ou quinquenal, por incompatibilidade dos dispositivos que os preveem.
III - É deficiente a fundamentação do recurso especial no qual não há a indicação dos dispositivos legais tidos como violados. Súmula nº 284/STF.
IV - É inadmissível o apelo especial manifestado pela alínea "c" do permissivo constitucional que deixa de demonstrar a existência de suposta divergência jurisprudencial, nos moldes estabelecidos pelo art. 255 do RI/STJ c/c o art. 541, parágrafo único, do CPC.
V - A análise do recurso especial resta prejudicada quando enseja o reexame do substrato fático contido nos autos, o que é vedado pela Súmula 07/STJ.
VI - Recursos especiais improvidos." (REsp 331374/SP, PRIMEIRA TURMA, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJ de 08/09/2003.)
O julgado acima, de fato, guarda a possibilidade de rever todo o entendimento proferido nos autos do Recurso responsável por sepultar inúmeras ações civis públicas em andamento cujo objeto eram as diferenças oriundas do advento de planos econômicos.
Isto porque destrói o fundamento utilizado naquela demanda de atribuir ao instrumento processual – por analogia com outro instrumento processual, a saber, a ação popular – instituto característico do direito material – ainda que insistentemente diga se tratar de decadência.
E que não se alegue que esse entendimento estaria desatualizado se contraposto a outros julgados, em sua maioria proferidos na Seção de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, os quais postulam que “ressalvada a hipótese de ressarcimento de dano ao erário fundado em ato de improbidade, prescreve em cinco anos a ação civil pública disciplinada na Lei 7.347/85, mormente quando, como no caso, deduz pretensão suscetível de ser formulada em ação popular”. Para a exata compreensão do que se pretende dizer, cumpre elaborar os seguintes esclarecimentos:
1) Conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, quando a ação civil pública é utilizada para a defesa dos interesses protegidos pela previsão do artigo 1º da Lei nº 4.717/1965, quais sejam, a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos, o prazo prescricional é de cinco anos.
2) A hipótese de ressarcimento de dano ao erário fundado em ato de improbidade administrativa é ressalvada, porque segundo a Constituição Federal, artigo 37, § 5º, as ações de ressarcimento ao erário decorrentes de atos ilícitos praticados por qualquer agente público são imprescritíveis, ou seja, a apuração e a punição sofrem prescrição, mas não o ressarcimento pela Administração, que poderá ser eternamente inerte.
3) Por fim, o dano ao erário público causado por agente particular não é alcançado pela imprescritibilidade constitucional e, na ausência de previsão legal que defina o prazo prescricional para reclamá-lo na Justiça, entendeu o ministro Francisco Falcão que se aplica o Código Civil, afastando de todo a Lei da Ação Popular in casu, afirmando claramente que “também não seria caso de se falar no prazo prescricional quinquenal previsto no art. 21 da Lei nº 4.717/65, eis que a presente lide não se configura em ação popular e, sendo independente a ação civil pública, no teor do art. 1º da Lei nº 7.347/85, não é cabível a aplicação analógica do referido dispositivo.”
Assim, se quiser o Superior Tribunal de Justiça guardar alguma coerência com seus entendimentos consolidados, a Corte Especial terá a chance de corrigir interpretação que já não encontrava baliza em outros paradigmas da instância especial e atribuir a adequada natureza do instituto da prescrição, qual seja, material, dada a sua íntima relação com o direito subjetivo.