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11/03/2011
Atualizado:
13/10/2017
Veridiana Alimonti
O ano já está a pleno vapor. Pelo menos no que se refere à banda larga, as decisões estão sendo tomadas e os rumos mais concretamente delineados. Quanto a estes, não há dúvida de que interessam diretamente o consumidor, sendo relevante refletir quais os pontos primordiais e qual a melhor forma de trabalhá-los, tendo em vista os desafios de acesso e qualidade do serviço.
Neste sentido, o Idec organiza semana que vem, dia 29 de março, seminário em Brasília que discutirá o cenário que temos e a internet que queremos sob a ótica dos direitos do consumidor. Para tanto, serão reunidos Ministério das Comunicações, Telebrás, Anatel, setor empresarial privado, Secretaria de Direito Econômico e entidades de defesa do consumidor e organizações da sociedade civil. Maiores informações, assim como o campo de inscrição (gratuita), encontram-se aqui (o link www.idec.org.br/bandalarga).
Não é difícil concluir que o serviço de internet no Brasil apresenta sérios problemas. No que se refere ao acesso, dados da Anatel demonstram que a banda larga fixa chega a cerca de 20% da população. Se a análise levar em conta a divisão por classes, índices de 2009 revelam que somente 3% das classes D e E tem acesso ao serviço, enquanto 90% da classe A já é atendida. Isto ocorre pela combinação de falta de infraestrutura e preços elevados.
Em complemento, verificamos graves questões relativas à qualidade. Em primeiro lugar, o serviço é lento. Pesquisa internacional realizada pela Ookla (consultoria mundial que classifica as velocidades de download) posicionou o Brasil no 76º lugar em um ranking de 168 países. Ainda, sabemos que as velocidades contratadas pelos consumidores não são, em geral, as capacidades efetivamente recebidas.
A isto se relaciona outra questão ligada à qualidade dos serviços: a adequação à legislação consumerista, seja da publicidade, seja da prestação do serviço, o que inclui a utilização de contratos que respeitem os direitos do consumidor e não prevejam cláusulas abusivas. Neste cenário, a definição do melhor modelo para superá-lo não pode desprezar debate central ao interesse público, que diz respeito ao regime jurídico em que o serviço é prestado.
Quanto a isto, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) classifica os serviços de telecomunicações em públicos e privados. Os serviços prestados em regime público, considerados essenciais, estão submetidos às obrigações de universalização, com Plano de Metas, bem como a controle tarifário mais rígido com vistas ao princípio da modicidade. Devem também ser contínuos e ininterruptos, com a consequente garantia de que os bens indispensáveis à prestação do serviço passam à União ao final do contrato com a empresa concessionária. O mesmo, porém, não ocorre com os serviços prestados em regime privado.
O que fazer, então, diante do fato de a banda larga ser um serviço prestado em regime privado? Embora pareça evidente o caráter essencial da internet, elemento central à concretização de direitos humanos fundamentais e à efetivação da democracia, as ações que se desenvolvem vão no sentido contrário a este reconhecimento, contrapondo-se, inclusive, à LGT.
Uma delas é a iminência da aprovação de projeto de lei que a altera a Lei do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Conforme já adianta seu próprio nome, este fundo público destina-se a cobrir os custos – apenas os não recuperáveis com a exploração eficiente do serviço – relativos ao cumprimento das metas de universalização dos serviços prestados em regime público e, portanto, submetidos a estas metas.
Assim, não poderia ser aplicado para a ampliação do acesso à internet no país. Porém, não há dúvida de que os bilhões de reais atualmente presentes no fundo seriam de grande valia a este desafio. Para superar tal restrição, bastaria que o serviço de internet fosse reconhecido o que já é – essencial – passando a ser prestado em regime público. Aliás, segundo a própria LGT, serviços assim considerados não poderiam ser deixados à prestação exclusiva do regime privado, que é o que ocorre atualmente.
Contudo, a solução que está sendo adotada é outra. Ao invés de se alterar o regime de prestação do serviço de banda larga, o que poderia ser feito por meio de um decreto do Poder Executivo, o projeto de lei em questão modifica a Lei do Fust para permitir que serviços privados também recebam seus recursos.
Tal medida, além de adotar a solução inversa, libera recursos públicos às empresas de telecomunicações, na expansão de suas redes e serviços, sem a exigência das contrapartidas do regime público. Ressalte-se que dentre estas contrapartidas, não contempladas para serviços privados, está a garantia de que ficam para União os bens adquiridos com estes recursos que sejam indispensáveis à prestação do serviço de internet.
Semelhante linha adota o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que não prevê a modificação do regime de prestação do serviço, embora seja fruto da avaliação do governo de que a banda larga necessita de política pública direcionada à ampliação de seu acesso. Mais, é fruto da avaliação de que o mercado, per si, não foi capaz de oferecer um serviço adequado.
Assim, se a solução de alterar o regime de prestação da banda larga é a única capaz de efetivamente afirmar seu caráter essencial e dar maiores garantias ao consumidor, é certo que a equação dos interesses envolvidos não é simples. Neste embate de interesse público e privado, é necessário se atentar e reagir ao fato de o primeiro estar se enfraquecendo.