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A atuação da Anvisa e a defesa da saúde pública

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Atualizado: 

13/10/2017
Juliana Ferreira

Não é a primeira vez que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), agindo estritamente dentro de suas competências legais, sofre ataque à sua forma de atuação, quando atinge em cheio interesses econômicos de grandes corporações. Como exemplo, cumpre lembrar que esta agência já foi acionada judicialmente quando passou a intensificar a reavaliação de produtos agrotóxicos e quando criou norma que proíbe a venda de medicamentos isentos de prescrição em gôndolas, bem como teve seu papel restrito no processo de concessão de patente de medicamentos.

Agora, a mídia tem veiculado diversas manifestações contrárias à atividade regulatória da Anvisa com relação ao tabaco. Isso porque a Agência colocou em consulta pública duas questões: a proibição do uso de aditivos em cigarros, tais como aromatizantes e flavorizantes, a exemplo dos sabores de chocolate, baunilha, morango, menta, entre outros, visando impedir que os produtos de tabaco se tornem mais palatáveis e atrativos para crianças e adolescentes que, juntos, representam 90% dos iniciantes (Consulta Pública nº 112); e a regulamentação da exposição de produtos de tabaco nos pontos de venda e a ampliação das advertências sanitárias (Consulta Pública nº 117).

Sob o pretexto de defender direitos e princípios constitucionais, como a liberdade individual e o princípio da legalidade, alega-se que a Anvisa tenta ultrapassar os limites de sua competência regulamentar. Ocorre que, a Lei nº 9.782/99, que define o Sistema Nacional Nacional de Vigilância Sanitária e cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, estabelece claramente que é competência desta agência regulamentar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, incluindo os produtos derivados do tabaco.

Importante entender em que termos deve se dar a atividade regulatória das Agências Reguladoras, como é o caso da ANVISA. A regulação divide-se em dois tipos básicos, a econômica e a social. A regulação econômica trata dos esforços governamentais em assegurar o funcionamento adequado dos mercados, como prevenção de monopólios, definição de tarifas e regras de entrada, permanência e saída em determinados mercados. Já a regulação social trata de questões como assimetrias de informação, segurança e externalidades negativas, em áreas como meio ambiente, proteção do consumidor, segurança do trabalho, entre outras. Estas duas formas de regulação devem andar juntas e a intervenção do Estado na economia passa a ser meio para a promoção de direitos.

Nessa esteira, se em determinado setor sensível à sociedade o mercado funcionasse em perfeitas condições, ainda assim haveria a necessidade de regulação, entendida como a intervenção do Estado na economia para a promoção do bem-estar social. E na regulação da Anvisa com relação ao tabaco, é evidente que sua atividade regulatória deve se focar mais na garantia da saúde pública e menos em fazer o mercado funcionar de forma eficiente. Assim, a atuação da Anvisa, dentro da competência que lhe atribui tal Lei, consiste em estabelecer medidas como estas agora propostas, medidas que visam a redução gradativa da exposição da população aos componentes tóxicos presentes na fumaça gerada pelo tabaco e a redução progressiva do consumo de tabaco.

Vale notar que a iniciativa da Anvisa de regular tais questões não surgiu do nada, mas sim da necessidade de cumprimento das medidas que o Brasil se obrigou a adotar ao ratificar a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, através do Decreto nº 5658/2006, primeiro tratado internacional de saúde pública celebrado sobre os auspícios da Organização Mundial da Saúde.

A importância da Convenção Quadro é tratar o tabagismo, principal causa evitável de mortes, que ceifa mais de 5,4 milhões de vidas por ano, como uma questão de saúde pública e adotar medidas comprovadamente eficazes para a redução do consumo e da iniciação. Não há, no tratado internacional ou nas propostas da Anvisa, qualquer medida que vise proibir a produção ou o consumo de produtos de tabaco e menos ainda criminalizá-lo. Ao contrário, o que se busca é desestimular o consumo através, entre outras medidas, da proibição da publicidade e do aumento da informação aos consumidores.

Além disso, a abertura de consultas públicas cumpre os princípios da transparência e da participação da sociedade na tomada de decisões, inclusive dos setores ligados à indústria do tabaco. Qualquer tentativa no sentido de impedir a realização destas consultas públicas caracteriza-se prática claramente antidemocrática e autoritária, excluindo o debate e o esclarecimento da população. Diante disso, diversas entidades assinaram uma carta aberta manifestando seu apoio à atuação da Anvisa, que demonstra pautar sua regulação na garantia da saúde pública, sem deixar prevalecer interesses meramente econômicos.

O Superior Tribunal de Justiça recentemente se manifestou favoravelmente à atuação regulamentar da Anvisa em prol da saúde pública, ao suspender as liminares que autorizavam determinadas farmácias e drogarias a descumprirem a RDC 44, que proíbe a venda de medicamentos isentos de prescrição em gôndolas, com o claro objetivo de promover o uso racional dos medicamentos. Em sua decisão, o ministro Ari Pargendler destacou que "a saúde pública estará comprometida se o consumidor for estimulado, mediante a exposição de remédios, à automedicação".

O Idec apoia a a atuação da ANVISA na regulação do tabaco, já que tem como uma de suas principais bandeiras o consumo consciente. E cidadãos bem informados são os que podem, efetivamente, fazer escolhas conscientes.

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