Aposentados assediados
Idec notificou o INSS e várias autoridades sobre a oferta abusiva de crédito consignado por instituições financeiras. O Instituto também participou de duas audiências públicas, uma no Senado e outra na Câmara. Contudo, o problema ainda não foi resolvido.
Bancos e financeiras têm sido cada vez mais agressivos ao ofertarem crédito consignado – aquele que é descontado diretamente do salário ou da aposentadoria. Eles são insistentes ao assediar recém-aposentados antes mesmo de o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) informá-los de que a aposentadoria foi liberada. Diante dessa situação, que se repete há anos no Brasil, o Idec notificou o INSS; os Ministérios da Justiça, da Economia e da Casa Civil; o Banco Central; a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban); a Procuradoria Geral da Republica; a Câmara dos Deputados e o Senado pedindo providências para o fim dessa prática criminosa que envolve vazamento de dados. Afinal, como as instituições financeiras sabem que um indivíduo está prestes a se aposentar?
“A resposta do INSS à correspondência enviada pelo Idec foi muito tímida. O órgão disse que é apenas um operador da Lei no 10.820, que instituiu o crédito consignado, e pediu sugestões que, no caso, nós já havíamos enviado”, critica Ione Amorim, economista do Idec. Já a PGR convidou o Idec para uma reunião. A Febraban informou que está estudando a aplicação de autorregulação para os correspondentes bancários (representantes dos bancos) e o Ministério da Economia solicitou ao INSS esclarecimentos e providências.
HISTÓRIAS REAIS
Em março, após o envio das cartas, o Idec criou a página online “Golpe da Aposentadoria – Fuja das Ofertas Abusivas do Crédito Consignado”. Nela, estão as novas regras para esse tipo de empréstimo e dicas para não cair em golpes. Os aposentados que foram vítimas de golpes ou abusos por parte dos bancos e dos correspondentes bancários foram convidados a narrar sua história na página. O Instituto recebeu 36 relatos, um mais absurdo que o outro. “É importante destacar que as histórias foram enviadas por uma pequena parcela da população, que é alfabetizada e tem familiaridade com a internet. Mas a grande maioria dos aposentados e pensionistas tem problemas de visão, audição e deslocamento, tornando-se alvos fáceis das instituições financeiras, que exploram a vulnerabilidade dos idosos”, declara Amorim.
Assim que meu pedido de aposentadoria foi aprovado acabou o meu sossego. Recebo ligações em meu telefone fixo e no meu celular, que não foi informado quando fiz a solicitação, além de SMS de várias cidades do Brasil.
Recebi o primeiro SMS com oferta de crédito há três dias. Nem sabia que minha aposentadoria tinha sido liberada. De lá para cá, tenho sido assediada diariamente.
No final do ano passado, cheguei a receber uma média de 40 ligações por dia, um verdadeiro “inferno”. Eles me ofereciam o consignado como se fosse um presente e não uma dívida que eu estaria assumindo.
Fiquei sabendo que saiu a pensão da minha mãe pelos telefonemas insistentes de vários bancos oferecendo consignado.
Recebi mais de 100 ligações antes de saber sobre a minha aposentadoria. Sabiam tudo a meu respeito. Inclusive, disseram que eu assinei um documento aceitando o empréstimo, o que não ocorreu.
Os principais problemas identificados foram: 1. assédio (por conta de vazamento de dados dos aposentados, o crédito consignado é ofertado logo após o pedido da aposentadoria); 2. propostas de portabilidade com falsa promessa de redução de juros; 3. descontos de valores não autorizados e desconhecidos realizados por empresas que se apresentam como associações de aposentados.
A portabilidade – possibilidade de transferir a dívida de um banco para outro com taxa de juros menor – é o principal problema enfrentado por quem está aposentado há bastante tempo. Alguns cidadãos receberam 15 ligações por semana com promessas de juros mais baixos. Também foram narrados casos de falsa portabilidade. “Ao negociar a dívida, a instituição financeira oferece a possibilidade de troco (diferença em dinheiro) como justificativa para redução dos juros. Nesse caso, ocorre o aumento da quantidade de parcelas e a manutenção do valor, o que dá a falsa impressão de que os juros foram reduzidos, mas na verdade ocorre o aumento da dívida”, explica a economista do Idec.
IDEC EM AÇÃO
Em 6 de junho, participamos de uma audiência pública na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado sobre vazamento de dados do INSS. Na ocasião, o presidente do INSS, Renato Rodrigues Vieira, confirmou a ocorrência de vazamentos e o uso inapropriado das informações pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (DataPrev).
Uma semana depois, em 12 de junho, o Idec participou de outra audiência pública sobre o mesmo assunto, desta vez na Câmara dos Deputados. A audiência foi organizada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa e de Defesa do Consumidor. Estavam presentes representantes do INSS, da Febraban e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Nenhum dos bancos convocados compareceu.
INICIATIVAS AINDA TÍMIDAS
As cartas enviadas e as audiências públicas resultaram em algumas iniciativas. O INSS admitiu a gravidade do problema e criou, com base na Portaria no 844/2019, um grupo de trabalho para revisar os processos internos de movimentação de dados entre o INSS, o Dataprev e os bancos. O representante da Febraban, Cícero Araújo, disse que uma auditoria foi contratada para avaliar a questão. A PGR abriu um inquérito para investigar o vazamento de dados, processo que está em andamento.
Vários deputados presentes na audiência pública na Câmara expuseram abusividades semelhantes às relatadas no site do Idec. “Isso mostra a necessidade urgente de políticas para tratamento da concessão de crédito e de campanhas de educação financeira, assim como a aprovação do Projeto de Lei (PL) no 3.515/2015 – que tramita há cinco anos na Câmara dos Deputados –, cuja proposta disciplina a oferta de crédito e previne o endividamento”, afirma Amorim.
O Idec continuará monitorando as discussões e os desdobramentos desse grave problema.
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