ULTRAPROCESSADOS ENVENENADOS
Terceira edição de pesquisa iniciada em 2021 testou novos produtos ultraprocessados e encontrou resíduos de agrotóxicos em metade deles.
Nem todo mundo sabe, mas aquela simples bolacha, o prático macarrão instantâneo e o hambúrguer vegetariano pronto para aquecer estão envenenados com resíduos de vários tipos de agrotóxicos. A constatação veio após o Idec realizar a terceira edição da pesquisa “Tem veneno nesse pacote”, que examina produtos alimentícios ultraprocessados que estão entre os mais consumidos pelas famílias brasileiras, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017/2018, e entre aqueles com estratégias publicitárias mais apelativas e enganosas.
Os ultraprocessados são produtos alimentícios derivados de processos industriais intensos. Eles são modificados para ter mais sabor e prazo de validade mais longo. Mas para isso acontecer, carregam grandes quantidades de açúcares, gorduras, sódio, além de aditivos alimentares, como corantes, aromatizantes e adoçantes. Por conterem essas substâncias, são causadores de doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes, depressão, alguns tipos de câncer etc. “Não bastasse isso, desde 2021 estamos mostrando que esses produtos também carregam resíduos de agrotóxicos, o que potencializa os males a nossa saúde”, afirma a nutricionista Laís Amaral, coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.
Como foi feita a pesquisa
Para os testes, selecionamos 24 produtos de oito categorias de ultraprocessados e de 19 marcas diferentes. De cada categoria, escolhemos os três com maior volume de vendas no mercado nacional e investigamos uma amostra de cada, a fim de verificar se continham resíduos de agrotóxicos.
A análise foi realizada por um laboratório acreditado pela Coordenação Geral de Acreditação (Cgcre) do Inmetro. O Idec selecionou um dos testes mais abrangentes, com capacidade de detectar resíduos de até 563 agrotóxicos diferentes. Glifosato, glufosinato e AMPA foram analisados com um método independente. Todas as empresas que tiveram produtos testados foram notificadas.
Laís Amaral, coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec
Nesta edição da pesquisa, foram analisados os seguintes produtos alimentícios de diferentes marcas: macarrão instantâneo, biscoito maisena, presunto cozido, bolo pronto sabor chocolate, petit suisse sabor morango, bebida láctea sabor chocolate, além de hambúrguer e empanado à base de plantas. A introdução de produtos feitos à base de plantas, os chamados plant-based, é uma novidade. Segundo Amaral, apesar de não estarem entre os produtos mais consumidos, eles foram incluídos por muitas vezes trazerem na embalagem um apelo de saúde ou de benefícios para o meio ambiente mesmo sendo ultraprocessados. Além disso, pesquisas de mercado mostram que há um crescente interesse por esse tipo de produto, já que a indústria os apresenta como solução para diminuir o consumo de carne e contribuir positivamente com as questões de sustentabilidade. “A melhor forma de reduzir a demanda por carne é pelo consumo variado de alimentos in natura ou minimamente processados, como cereais, leguminosas, legumes e hortaliças provenientes de sistemas de produção familiar e agroecológicos”, recomenda Amaral.
Os "campeões" do veneno
Dos 24 produtos analisados, 12 apresentaram resíduos de agrotóxicos. E desses, sete continham glifosato, o agrotóxico mais detectado nas amostras. Os alimentos “vencedores” no quesito “presença de veneno” foram, em primeiro lugar, biscoitos maisena Marilan e Triunfo (quatro agrotóxicos cada); em segundo, hambúrguer à base de plantas Sadia, empanado à base de plantas Seara, macarrões instantâneos Nissin e Renata, e bolo pronto sabor chocolate Ana Maria (três agrotóxicos cada); em terceiro lugar, o empanado à base de plantas Sadia (dois agrotóxicos cada). Veja todos os resultados na tabela abaixo.
Apenas a categoria de petit suisse não apresentou agrotóxico em nenhuma das amostras analisadas, o que não significa que não há contaminação nesse tipo de produto. “O laboratório analisou apenas um único lote. Então, é possível que o resultado seja diferente se testarmos outros”, justifica Amaral. Para comprovar essa hipótese, repetimos os testes com a bebida láctea sabor chocolate, que já tinha sido analisada em 2022 e na qual não foram encontrados agrotóxicos. As mesmas marcas foram testadas e, dessa vez, o resultado foi positivo para a Pirakids.
O problema dos agrotóxicos e dos ultraprocessados
Além de prejudiciais à saúde, os agrotóxicos e os ultraprocessados são nocivos ao meio ambiente e promovem a desigualdade social. Isso porque nosso sistema alimentar está baseado em monoculturas, que dependem de grandes áreas de terra, do uso intenso de mecanização, do alto consumo de água e combustíveis, de fertilizantes químicos, sementes transgênicas, agrotóxicos e antibióticos. “É dessas monocultoras que provêm as matérias-primas para a produção de ultraprocessados. E ao consumi-los, perpetua-se o seu modo de produção”, pontua Fran Paula, pesquisadora e engenheira agrônoma que integra a coordenação nacional da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Paula lembra, ainda, que nos últimos anos houve no Brasil um retrocesso das leis ambientais e que limitam o uso de agrotóxicos, referindo-se ao Projeto de Lei (PL) nº 1.459/2022, mais conhecido como “PL no Veneno”, sancionado pelo Governo Federal em 2023. Ela ressalta que os limites máximos de agrotóxicos nos alimentos e na água permitidos no país são muito superiores aos de nações desenvolvidas, como as da União Europeia, os Estados Unidos e o Canadá. “Nesse sentido, as pesquisas do Idec são instrumentos importantes de comunicação com a sociedade e trazem fundamento para a nossa luta por políticas públicas que promovam sistemas alimentares agroecológicos, entre elas a criação do Programa Nacional para Redução do Uso de Agrotóxicos (Pronara)”, ela avalia.
Omissão da Anvisa
Apesar de as pesquisas do Idec mostrarem a presença de agrotóxicos em ultraprocessados desde 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) até hoje não estabeleceu limites específicos para produtos ultraprocessados, deixados de fora do Programa Nacional de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). “Esse é um pedido que o Idec vem fazendo desde a primeira edição dessa pesquisa. Apesar de nossos alertas, não constatamos ações regulatórias para preencher as lacunas existentes, nem mesmo para investigar oficialmente os impactos à saúde pública, considerando os efeitos combinados de múltiplos agrotóxicos e aditivos industriais”, critica Leonardo Pillon, membro do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, reforçando que é preciso urgentemente que a Anvisa tome medidas para regular e fiscalizar a questão. Além disso, os poderes Executivo e Legislativo devem se empenhar para promover políticas públicas que transformem o nosso sistema alimentar. “Sem esquecer de responsabilizar a indústria de alimentos, cujo apelo consumista promove o consumo de ultraprocessados, sem informar a possível presença de agrotóxicos em seus produtos”, ele conclui.