Eficiência energética
Em dezembro de 2023, a mídia foi inundada com notícias que destacavam que a Resolução nº 2 do Ministério de Minas e Energia – que estabelecia novos índices de eficiência energética para refrigeradores e congeladores de uso doméstico – faria com que o preço das geladeiras mais baratas chegasse a R$ 5 mil. Tal afirmação, feita pela associação que representa os fabricantes de refrigeradores, assustou e preocupou os consumidores brasileiros.
Diante desse cenário, decidimos mostrar o outro lado: o dos benefícios de se ter no mercado refrigeradores mais eficientes. Para isso, conversamos pelo Zoom com Rodolfo Dourado Maia Gomes, diretor executivo do IEI Brasil, que, além de explicar o que vai mudar para o consumidor nos próximos anos e por que a revisão dos índices de eficiência energética é tão importante, desmentiu as notícias sobre o encarecimento dos produtos, informando as razões pelas quais isso não vai acontecer.
Leia a seguir.
RODOLFO DOURADO MAIA GOMES é diretor executivo do IEI Brasil e coordenador da Rede Kigali. É graduado em Engenharia Mecânica e mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos, ambos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Já atuou na área de Política Científica e Tecnológica, com ênfase no setor elétrico brasileiro.
O que muda com a Resolução nº 2/2023, que altera os índices máximos de consumo de energia de refrigeradores e congeladores?
Rodolfo D. M. Gomes: Na prática, até o início de 2026 não altera nada, porque a nota de corte estipulada para a primeira fase não vai tirar nenhuma geladeira do mercado, pois elas já atendem os novos índices de eficiência energética. Então, não vai faltar geladeira no mercado. E o consumidor não tem de se preocupar com o equipamento que tem em casa.
Somente a partir de 1º de janeiro de 2026 é que as geladeiras que mais consomem energia não vão mais poder ser fabricadas e importadas.
Qual o cronograma de implementação desses novos índices?
RDMG: Na primeira etapa, que começou em 1º de janeiro de 2024 e vai até dezembro de 2025, os fabricantes e importadores não podem mais fabricar e importar geladeiras que não respeitem a nota de corte determinada na Resolução (85,5% em relação ao que a norma considera como consumo padrão). Só que como eles ainda têm esses produtos em estoque, eles terão até o fim de 2024 para vendê-los para atacadistas e varejistas. Estes, por sua vez, terão até o fim de 2025 para comercializá-los. A partir de 1º de janeiro de 2026, quem vender refrigeradores abaixo da nota de corte estará em desconformidade com a norma.
Na segunda etapa, a nota de corte é mais rigorosa (90% do consumo padrão). Dessa forma, a partir de 1º de janeiro de 2026, a indústria vai ter de parar de fabricar geladeiras menos eficientes.
Quais os objetivos dessa nota de corte?
RDMG: Para o consumidor é que ele encontre no mercado geladeiras que não sejam tão ineficientes, o que vai significar economia na conta de luz. Mesmo se ele pagar um valor alto pelo produto, esse valor é compensado com o tempo.
Do ponto de vista ambiental, o objetivo é reduzir a emissão de gases do efeito estufa.
Do ponto de vista da sociedade, é incentivar o fabricante e o importador a oferecerem equipamentos mais eficientes aos consumidores. Porque se a nota de corte e as etiquetas classificatórias não forem atualizadas, fabricantes e importadores se acomodam. A falta de revisão da etiqueta e as revisões pouco rigorosas para a nota de corte no passado fizeram com que os produtos comercializados no Brasil sejam muito menos eficientes do que os encontrados em outros países em desenvolvimento.
Como o Brasil está em relação a outros países no que diz respeito à eficiência energética?
RDMG: A história de políticas de eficiência energética dos últimos 15 anos no Brasil não foi boa. Então, mesmo com o avanço que a resolução trouxe, com a nota de corte mais rigorosa na etapa 2, as nossas geladeiras ainda consumirão 50% mais eletricidade do que as piores geladeiras de vários países africanos, como Camarões, África do Sul, Quênia, Moçambique, Angola e Madagascar. A nota de corte deles é, na média, a nota da nossa pior geladeira. Ou seja, mesmo com as mudanças, até 2030 ainda estaremos para trás. Só a partir de 2031 a nossa nota de corte será um pouquinho melhor do que a desses países africanos. Veja que não estou comparando o Brasil com países ricos, estou comparando com países em desenvolvimento. Nossas geladeiras são modernas e lindas por fora, mas muitas que são vendidas com a etiqueta A no Brasil não podem ser vendidas na África. Os países africanos seguem um guia da Organização das Nações Unidas (ONU) para eficiência energética de refrigeradores em países em desenvolvimento, publicado em 2018.
Com a falta de revisão periódica das etiquetas de eficiência energética, a indústria brasileira, que tinha uma posição de destaque no mercado latino-americano, perdeu o lugar para o México, que se tornou o maior exportador de geladeiras. O Brasil só consegue vender para seu mercado interno, não consegue exportar para vários países que tem nota de corte maior. Se o Brasil fizesse uma boa conjunção entre política de eficiência energética e política industrial, nossos refrigeradores poderiam ter maior competitividade no Mercosul, ajudando a reduzir o preço desses produtos. Já temos amplas evidências, no mundo todo, de que instrumentos como a etiquetagem e a nota de corte promovem, ao longo do tempo, redução do preço dos equipamentos, mesmo dos mais eficientes. Mesmo que haja um aumento de preço no início, ao longo dos anos ele cai. Nos Estados Unidos, por exemplo, em 30 anos, o tamanho das geladeiras dobrou, e elas consomem metade da energia que consumiam antes, quando tinham menos volume. E o preço caiu. Isso mostra que esse tipo de política incentiva a inovação na indústria e a oferta de produtos mais eficientes. Mas para fazer isso precisa acompanhar e monitorar a política para saber quando e como agir.
O Brasil precisa cuidar melhor de suas políticas de eficiência energética de equipamentos.
Qual a relação das mudanças no nível máximo de consumo de energia e os níveis de eficiência energética do Inmetro?
RDMG: Quando o consumidor olhar uma geladeira na loja, ele vai ver a etiqueta de eficiência energética, mas não vai identificar o que a Resolução do Ministério de Minas e Energia (MME) determinou.
Existem três mecanismos que precisam andar juntos: a nota de corte, cujo nome oficial é padrão de eficiência energética; a etiqueta classificatória do Inmetro e o selo Procel. Assim, quando um deles é revisado, os outros têm de ser revisados também. Mas isso não foi feito. E por que? Porque cada um desses mecanismos tem um “dono”: a nota de corte foi determinada pelo MME, a etiqueta classificatória é do Inmetro, e o Selo Procel é implementado pela Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPAR). A nova etiqueta do Inmetro, que passou por revisão em 2021, vai entrar em vigor em janeiro de 2026 classificando as geladeiras de A a F. Mas a nota de corte imposta pela Resolução vai eliminar do mercado as geladeiras D, E e F. Em 2028, os consumidores só vão encontrar geladeira com as etiquetas A, B e C.
O que a indústria precisa fazer para se adequar a esses novos índices?
RDMG: Vai ter de fazer muito pouco, mas alguns investimentos serão necessários. Contudo, são tecnologias que já existem. É preciso apenas trazê-las para o Brasil e adaptá-las para as condições brasileiras.
A etiqueta e a nota de corte incentivam a indústria a fazer inovações tecnológicas. Uma evidência disso é que apesar da resistência inicial dos fabricantes, depois que a decisão é tomada e as revisões feitas, eles logo em seguida anunciam grandes investimentos na modernização de suas plantas. Isso aconteceu com refrigeradores. Desde 2021, quando a etiqueta foi revisada, quatro grandes empresas anunciaram investimentos de mais de R$ 2 bilhões.
O Brasil tem uma grande oportunidade [com o estabelecimento desses novos índices], porque quando falamos de geladeiras, falamos de consumo de energia, mas também de um gás refrigerante que faz o calor circular dentro delas. Alguns desses gases, como o CO2, tem alto poder de contribuir com o aquecimento global. Por isso, a Emenda de Kigali quer substituir esses gases por outros menos poluentes. Assim, além de mudar a eficiência energética dos aparelhos, os fabricantes devem trocar os gases que utilizam até 2045.
A ideia é que os consumidores tenham equipamentos que caibam no seu bolso e sejam muito bons e eficientes, e que a indústria se fortaleça, ganhe competitividade e inove tecnologicamente.
O que mais é necessário fazer para que a eficiência energética de refrigeradores avance no Brasil?
RDMG: Precisa de uma coordenação que não seja do Ministério de Minas e Energia, que seja ou da Casa Civil ou da Secretaria Geral da Presidência da República. A eficiência energética é interministerial, ou seja, envolve vários ministérios, além das políticas industrial e energética. Então, tem de ter integração para que a política de eficiência energética avance, seja de geladeiras, seja de ares-condicionados.
Outro problema é que só existem duas pessoas na coordenação geral de eficiência energética do MME. Como é que duas pessoas vão dar conta de todos os mecanismos e programas de eficiência energética que existem no Brasil? É humanamente impossível, eles fazem o que dá para fazer. E só estamos falando de geladeiras, mas existem políticas para dezenas de produtos.
Dessa forma, temos grandes desafios de governança para que tenhamos uma política de eficiência energética melhor do que a que tivemos até agora. Reconhecemos o avanço e a importância da revisão da etiqueta e da nota de corte, mas achamos que isso não resolve os problemas estruturantes.
A atualização das notas de corte não agradou os fabricantes, que alegaram, por meio da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), que os produtos custarão mais caro para o consumidor final, podendo chegar a R$ 5 mil. Os brasileiros precisam se preocupar? Pode realmente haver aumento de preço? Se sim, qual a estimativa?
RDMG: Esses valores que a associação dos fabricantes trouxe estão fora da realidade. E recentemente um fabricante declarou que não haverá aumento de preço em seus equipamentos, contradizendo o que a associação disse. Isso mostra que a Rede Kigali e as decisões tomadas pelo Comitê Gestor de Indicadores de Eficiência Energética (CGIEE) estavam certos. O Brasil jamais tomaria uma decisão dessas se ela impactasse o consumidor de baixa renda.
Outro argumento que derruba a afirmação da indústria é que já existem geladeiras, hoje, sendo vendidas por menos de R$ 2 mil e que atendem aos novos índices que entrarão em vigor em 2026. Então, não tem cabimento falar que as geladeiras mais eficientes vão custar R$ 5 mil. Outra coisa, as geladeiras mais eficientes oferecidas no mercado brasileiro (cujo índice de eficiência energética está bem acima da nova nota de corte) – que são as que usam compressores do tipo inverter – podem ser encontradas por menos de R$ 3 mil. Assim, foi um grande erro da associação fazer essa afirmação.
A ONG internacional Clasp estimou que, com a nova resolução, o preço das geladeiras pode subir entre R$ 200 a R$ 300, mas que ao longo da vida útil do produto, que é de 10 a 12 anos, o consumidor economizará R$ 800, já descontado o valor que ele pagou pelo produto.
Quais aspectos influenciam no preço da geladeira?
RDMG: O tamanho/volume; se é frost free; o compressor utilizado, que é o componente que faz a geladeira gelar; assim como os trocadores de calor, o evaporador, o condensador, o isolante térmico e a espessura da parede da geladeira. Quanto mais tecnologia de eficiência energética é acrescentada ao equipamento, mais caro é o produto.
Que outros equipamentos precisam passar por revisão dos níveis de eficiência energética?
RDMG: São tantos, mas podemos dizer máquinas de lavar roupa, lâmpadas e ventiladores. No caso de ambientes comerciais, ares-condicionados de maior porte e refrigeração comercial precisam ter etiquetagem e padrões de eficiência energética.
Falamos muito de eletricidade, mas temos de olhar também para a energia térmica, por exemplo, caldeiras, que usam calor ou vapor nas indústrias de cimento, de cerâmica, de papel e celulose, de alimentos e bebidas etc.