Novas regras da Anatel
Idec acompanha de perto a implementação das novas regras do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações e se mostra receoso com alguns pontos.
Não é difícil encontrar quem já tenha enfrentado problemas com operadoras de telefonia, TV por assinatura ou internet. Estas, inclusive, ficaram conhecidas por durante anos ocuparem o topo de rankings de reclamações de órgãos de defesa do consumidor Brasil afora. O setor de telecomunicações é responsável por uma em cada cinco queixas de consumidores. A lista divulgada pelo Procon-DF, em março do ano passado, referente a 2022, mostra que quatro das cinco primeiras posições foram ocupadas por empresas do setor. Já na lista do Procon-SP, de 2022, duas das cinco primeiras eram grandes operadoras de telecomunicações. Um cenário complexo que já vinha sendo foco de trabalho da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e organizações como o Idec, que viam necessidade de mudanças.
No final do ano passado, a Anatel aprovou uma revisão do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC), que existe desde 2014 e é complementar ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Segundo Cristiana Camarate, superintendente de Relações com Consumidores da Anatel, a nova versão, que entra em vigor de forma completa em setembro, é fruto de um grande debate com entidades de defesa do consumidor, órgãos como a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Procons e os principais atores do setor de telecomunicações. “A proposta traz mudanças radicais em prol da qualidade da informação ao consumidor, por exemplo. Nossos estudos indicam que grande parte das dores e insatisfações dos consumidores é causada pela falta de clareza ou baixo nível de informação recebidos no processo de venda dos serviços”, ela pontua.
Entre as mudanças determinadas pelo regulamento está que as empresas simplifiquem a papelada exigida e entregue ao consumidor. Em vez de uma pilha de documentos, como contrato, regras básicas do plano, termo de adesão e sumário de benefícios, o cliente vai receber apenas um contrato e uma etiqueta padronizada pela Anatel. De acordo com Maria Feitosa, supervisora de assuntos jurídicos do Procon-SP, essa padronização, que garante um melhor entendimento das informações, é o principal acerto. “Pela proposta, cada oferta vai ter um código, que tornará mais fácil a identificação pelo consumidor”, ela informa.
Além disso, ficaram estabelecidas regras explícitas para as empresas, como a obrigatoriedade de grandes operadoras fornecerem atendimento 24 horas para demandas urgentes e incorporarem algumas normas do Decreto do SAC [Serviço de Atendimento ao Consumidor], como a possibilidade de o consumidor cancelar serviços por qualquer meio. “O regulamento ainda vai prever um tempo máximo de espera para ser atendido por um humano, assim como diretrizes para evitar que o consumidor tenha de clicar em múltiplas opções antes de chegar a um atendente [apesar de já publicado, algumas partes do regulamento ainda estão sendo aperfeiçoadas]“, adianta Lucas Marcon, advogado no Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec.
CRÍTICAS DO IDEC
Mas nem tudo é motivo de comemoração. Segundo Igor Britto, diretor de Relações Institucionais do Idec, as mudanças têm pontos positivos e negativos. “Mas, no geral, continuamos mais preocupados do que animados”, ele avalia. Um dos pontos ainda nebulosos está relacionado ao momento de resolver problemas e reclamações com as empresas. “Precisamos verificar se, ao final, as novas regras melhoraram ou pioraram as obrigações de atendimento das operadoras”, ele diz.
O engenheiro civil Eduardo Waleski, de Curitiba (PR), teve um problema com uma operadora de telefonia. Por conta de uma falha em um processo de portabilidade, ele começou a receber cobranças pela falta de pagamento de uma linha que desconhecia. “Tentei entrar em contato com a empresa por telefone, mas era um caos. Muitos menus até chegar a algum atendente, e aí a ligação caía”, conta. Diante da situação, Waleski procurou uma loja física da operadora, para finalmente solucionar o caso. Só que com as mudanças no RGC, os consumidores podem não ter mais essa opção. Isso porque a exigência de lojas físicas passa a ser facultativa. Hoje, o número de postos de atendimento segue um critério de proporcionalidade de habitantes por microrregião. Para Marcon, essa provável redução do atendimento presencial é um dos destaques negativos do pacote de mudanças, especialmente para idosos e pessoas com dificuldade de manusear equipamentos digitais ou pouco acesso à internet. Feitosa, do Procon paulista, segue a mesma linha. “O atendimento presencial nunca pode ser suprimido. Ele tem de ser garantido”, defende.
As críticas do Idec às novidades não se restringem à questão das lojas físicas. Há prejuízos decorrentes das mudanças que permitem a comercialização de planos exclusivamente digitais, ou seja, sem a possibilidade de atendimento por telefone ou presencial; ou das que autorizam o corte de internet imediato em caso de inadimplência, quando anteriormente a velocidade era reduzida por um período. “É uma pena, pois a Anatel poderia aproveitar para estipular regras que beneficiassem os consumidores e protegessem direitos básicos, como a continuidade da internet, já que esse serviço é essencial para que muitas pessoas exerçam suas atividades profissionais e tenham rendimentos, além de garantir o atendimento na forma mais adequada às necessidades dos consumidores”, analisa Marcon.
O QUE O IDEC CONSEGUIU BARRAR
Em 2021, o Idec apresentou à Anatel uma análise minuciosa do projeto de revisão do RGC, indicando as alterações que seriam prejudiciais aos consumidores. Algumas foram aceitas, como a obrigação de fornecimento de protocolo no início do atendimento (no texto original, o envio poderia ser feito por meio eletrônico em até 24 horas); o prazo de sete dias corridos para resposta da empresa (o texto original estabelecia o prazo de até 10 dias úteis); e a obrigação de notificar o consumidor em caso de pagamento indevido (o texto original previa que o consumidor não deveria ser notificado, deixando a cargo do consumidor descobrir a cobrança indevida).
Porém, alguns pontos não foram acolhidos, como o das chamadas indesejadas. O empresário gaúcho Renato Caliari já perdeu as contas de quantas ligações com ofertas de operadoras recebe por semana. “E o que mais irrita, na verdade, não é eles ficarem ligando toda hora. Todo mundo liga, todo mundo quer vender o seu peixe. Mas o mesmo cara te ligar várias vezes é muito chato”, reclama. E sugere: “Tem quer ser possível dizer não uma única vez e colocar numa lista de ‘não quero mais’, igual podemos fazer com e-mails. Se você escolhe não receber mais determinado e-mail, você não recebe”. O Idec chegou a sugerir algo nesse sentido. A ideia era fazer com que as empresas de telemarketing só pudessem fazer ligações para ofertar serviços e produtos com a aprovação ou o consentimento prévio do consumidor. Mas a proposta não foi incorporada pela Anatel, que apenas manteve medidas já existentes, como os serviços Não Me Perturbe e Qual Empresa Me Ligou, e recursos que ajudam o consumidor a identificar que se trata de telemarketing, como o prefixo 0303.
Camarate, da Anatel, reconhece que as chamadas abusivas são um problema complexo que merece atenção especial e comunica que ações ainda podem ser tomadas. “A Agência vem agindo em ondas de atuação muito claras e focadas em parcelas do problema, para que possamos seguir avançando na defesa dos consumidores brasileiros”, ela afirma.
ACOMPANHAMENTO CUIDADOSO
O Idec é membro do Conselho de Usuários dos Serviços de Telecomunicações da Anatel e também participa do grupo de discussões internas que definirá alguns últimos detalhes dessa nova resolução. Nesse contexto, Igor Britto – que representa o Instituto na agência reguladora – destaca que o cenário atual é de conversas com as operadoras e com a Anatel para verificar quais serão os verdadeiros impactos dessas novas regras na vida das pessoas. “Se essas regras não produzirem efeitos positivos para os consumidores e, em vez disso, causarem mais conflitos e problemas, a agência terá o dever de rever sua decisão”, ele argumenta. Contudo, acrescenta que tem visto de perto a enorme pressão que as operadoras fazem para que a agência reguladora não avance em nada. “Estou testemunhando uma boa-fé dos técnicos da Anatel, com uma postura de se colocar no lugar dos consumidores e de defender seus interesses bravamente. Isso é preciso reconhecer”, ele declara.
De qualquer forma, o consumidor tem sempre a prerrogativa de buscar ajuda. “E é fundamental que, nesse caso, ele exerça seu direito e papel de cidadão de reclamar e denunciar”, finaliza Britto. As denúncias podem ser feitas no site da Anatel (www.gov.br/anatel/consumidor), no aplicativo Anatel Consumidor ou pelo telefone 1331.