1 ano de nova rotulagem
Idec e Nupens fazem balanço do processo de implementação da nova norma para rotulagem nutricional e defendem que ele precisa ser mais ágil. Além disso, erros de aplicação da lupa devem ser corrigidos.
Em 9 de outubro de 2022, a Resolução nº 429 e a Instrução Normativa nº 75, aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2020, entraram em vigor, estabelecendo novas regras para a rotulagem nutricional de alimentos. "O objetivo dessa legislação era ajudar o consumidor a compreender as informações relacionadas à composição nutricional dos alimentos que adquire", explica Camila Aparecida Borges, nutricionista e pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP).
Foram diversas as modificações impostas às embalagens de alimentos e bebidas embalados, que vão de melhorias na legibilidade das informações nutricionais – que geralmente são apresentadas no formato de tabela – até a inclusão compulsória de itens como açúcar total e açúcar adicionado. A nova legislação também tornou obrigatória a presença da Rotulagem Nutricional Frontal (RNF) para alimentos e bebidas que apresentarem em sua composição gorduras saturadas, açúcares adicionados e/ou sódio em níveis acima do ponto de corte estipulado pela Anvisa. "A RNF é um retângulo com uma lupa em preto e branco, e a expressão "alto em [gordura saturada, sódio e/ou açúcares adicionados]. Ela deve estar posicionada na frente da embalagem, na parte superior, para que o consumidor consiga visualizá-la rápida e facilmente", informa Mariana Ribeiro, nutricionista e analista de pesquisa do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.
Mas será que a implementação das novas regras está sendo efetiva? Para responder a essa pergunta, o Idec e o Nupens avaliaram esse processo, de outubro de 2022 a setembro de 2023. Os resultados você confere a seguir.
AVALIAÇÕES COMPLEMENTARES
Enquanto o Nupens analisou os dados da Mintel, empresa privada que coleta e disponibiliza dados de produtos alimentícios lançados no mercado brasileiro, o Idec avaliou imagens enviadas espontaneamente por consumidores. Dessa forma, as duas análises se complementam.
O Nupens analisou 8.619 rótulos de alimentos e bebidas embalados, focando na RNF em formato de lupa e na presença de informação sobre açúcar adicionado na tabela de composição nutricional. Os alimentos e bebidas monitorados foram adquiridos pela Mintel em diferentes tipos de comércio varejista (supermercados, lojas especializadas, lojas de comida saudável, mercados gourmets, atacadistas, lojas de departamento, internet etc.) de cidades e capitais de 10 estados brasileiros e do Distrito Federal.
"Vale destacar que nesse primeiro ano de implementação, constatamos que somente 12% dos alimentos que estavam elegíveis para receber algum selo de 'alto em' o tinham de fato na embalagem. Ou seja, um grande número de produtos alimentícios ainda não recebeu o selo mesmo tendo quantidade elevada de sódio, gordura e/ou açúcar adicionado em sua composição", diz Borges. Segundo o relatório do Nupens, a categoria de alimentos que vem se destacando na inclusão da RNF é a de chocolates, com 41,5% de produtos elegíveis rotulados; seguida de sobremesas e sorvetes, com 13,5%; geleias, compotas e doces de frutas, com 12,5%; e panificados, com 10,9%. Este ano, o Idec avaliou 31 ovos de Páscoa a fim de saber se eles estavam de acordo com a nova norma de rotulagem nutricional e constatou que 87% apresentavam a lupa e a tabela nutricional com a nova formatação.
Já a categoria "bebidas açucaradas" foi a que teve menor presença do selo "alto em" (apenas 5%), mesmo a maioria dos produtos contendo alta quantidade de açúcar adicionado. A hipótese para a lentidão, segundo Borges, é a possível queda nas vendas que poderá ocorrer quando os fabricantes colocarem a lupa na embalagem desses itens.
MUDANÇAS NA REGRA
Em 9 de outubro – último dia do prazo para a adequação do rótulo da maioria dos produtos –, os consumidores foram surpreendidos com o anúncio da Anvisa permitindo que as empresas acabem com seu estoque de embalagens e rótulos até 9 de outubro de 2024, desde que tenham sido adquiridos antes de 8 de outubro de 2023. Para o Idec, a decisão, que não foi debatida com a sociedade, prejudica o direito dos brasileiros de serem informados sobre o excesso de nutrientes críticos em produtos alimentícios processados e ultraprocessados.
"Este anúncio foi uma surpresa frustrante para todos que acompanham de perto o tema da rotulagem. Nós, do Idec, somente tivemos acesso parcial a alguns despachos e pareceres após a publicação da norma. E apesar de já termos solicitado, não nos foram disponibilizados os materiais técnicos citados na decisão da diretoria da Anvisa. Tal condução em segredo levanta a suspeita de que ela não atenda à primazia do interesse público e gera uma quebra de confiança. Decisões assim são danosas à reputação da agência reguladora, até então conhecida por ser técnica e independente. Consideramos vergonhosa a forma com que a Anvisa decidiu atender a empresas provavelmente ineficientes e descompromissadas com os direitos do público-consumidor", declara o diretor de Relações Institucionais do Idec, Igor Britto.
Com relação à inclusão do açúcar adicionado às informações nutricionais, de 3.780 produtos que continham esse nutriente em quantidade acima da estipulada pela Anvisa (e que, portanto, deveriam obrigatoriamente declarar essa informação na tabela nutricional), somente 863 (22,8%) estavam de acordo com a nova regra.
Já o Idec analisou imagens de 122 produtos de várias categorias, sobretudo "açúcares, doces e produtos de confeitaria" (64,8%), "condimentos e temperos" (7,4%) e "salgadinhos, barras de cereais e snacks" (5,7%). O Instituto identificou quatro produtos que não incluíram um nutriente que deveria estar em destaque na lupa: Dolly Guaraná, sem lupa para açúcares adicionados; presunto cru RAR e biscoito Grissini Casa Vitoriana, ambos com lupa para sódio, mas sem lupa para gordura saturada; e cacau em pó Natucoa, com lupa para açúcar adicionado, mas sem lupa para gordura saturada. Além disso, encontrou alguns erros na aplicação da lupa. "Vimos lupas na parte debaixo da face frontal ou na parte de trás da embalagem, quando deveriam estar sempre na parte superior e na frente", exemplifica.
O QUE PRECISA MELHORAR
Na avaliação do Nupens, ainda há muitos elementos que precisam ser aprimorados. "É preciso rotular todos os alimentos que são elegíveis, ou seja, que ultrapassam os limites definidos pela lei para sódio, açúcar adicionado e/ou gordura saturada; melhorar a visibilidade da lupa e o posicionamento na parte da frente da embalagem, e incluir a informação obrigatória da quantidade de açúcar adicionado na tabela de composição nutricional, além de evitar estampar alegações como 'reduzido em' em alimentos com alta quantidade de algum dos três nutrientes críticos, o que ainda acontece em alguns poucos produtos", lista Borges.
Para o Idec, mesmo que exista espaço para aprimoramento, a aprovação do modelo de rotulagem nutricional frontal com a lupa é um avanço para o Brasil. Contudo, é necessário que haja mais agilidade no processo de implementação. "Se continuar nesse ritmo vai demorar muito para que todos os produtos elegíveis tenham a lupa. A lei foi aprovada em 2020 e começou a valer em 2022, ou seja, as empresas tiveram bastante tempo para modificar suas embalagens", opina Ribeiro. E finaliza: "É importante que as marcas se adequem porque quando o consumidor chega no mercado hoje e vê produtos com lupa e sem lupa, ele não sabe se está sem lupa porque não tem excesso de nutrientes críticos ou porque a embalagem ainda não está adequada à nova norma".