AMAZÔNIA ILUMINADA
Idec está atuando pela universalização do acesso à energia elétrica e para que ela chegue a comunidades amazônicas remotas. Saiba mais sobre esse trabalho a seguir
É muito difícil para nós, moradores de cidades urbanas, imaginar a vida sem energia elétrica. Estamos acostumados a todas as facilidades que ela proporciona: refrigerar alimentos, esquentá-los no micro-ondas, tomar banho quente, secar o cabelo, lavar as roupas na máquina, usar a internet, entre tantas outras. Mas em pleno século XXI, o Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) estima que cerca de 1 milhão de brasileiros não sabem o que é isso. Eles vivem na Amazônia Legal – área que engloba nove estados brasileiros localizados na bacia Amazônica (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão).
Para além das atividades domésticas, a energia elétrica é importante para manter vacinas e medicamentos refrigerados, bombear água para reservatórios, iluminar escolas no período noturno, afugentar animais peçonhentos e garantir a segurança da população nas ruas. "A energia elétrica é um insumo básico para o bem viver e para o desenvolvimento regional. Por exemplo, onde não há luz, a carne e o peixe precisam ser salgados para durar mais, mas sabemos que o excesso de sal faz mal à saúde. Então, podemos dizer que a falta de luz prejudica a saúde. A educação também é afetada, pois muitas vezes as aulas são suspensas por falta de combustível para o gerador. Sem falar da comunicação, já que a energia é essencial para a realização de diversas atividades na internet (se comunicar com a família, fazer pesquisas, se consultar com o médico online, vender produtos etc.)", ensina Alessandra Mathias, analista de conservação do Fundo Mundial para a Natureza (WWF Brasil) e coordenadora da Rede Energia e Comunidades, da qual o Idec faz parte. "Na pandemia, as comunidades remotas sofreram muito, pois sem poder usufruir da telemedicina, as pessoas precisavam sair do isolamento para se consultarem com um médico. Além disso, as vacinas não podiam ser refrigeradas adequadamente", complementa Anton Schwyter, coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec.
Além dessas 1 milhão de pessoas que vivem no escuro, cerca de 3 milhões de brasileiros dependem de energia fóssil, ou seja, de diesel ou gasolina, para abastecer as usinas térmicas e os pequenos geradores. "O problema é que o combustível usado nesses geradores é caro, assim como a sua manutenção. Sem contar que eles garantem uma quantidade de energia muito baixa, às vezes quatro horas por dia, o que não é suficiente", pontua Schwyter.
ENERGIA, UM DIREITO
O acesso à energia é um direito de todo consumidor, mas 1% dos brasileiros vivem no escuro. Isso porque parte expressiva da Amazônia Legal (235 localidades) não é atendida pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), responsável pelo conjunto de instalações e equipamentos que possibilitam o abastecimento de energia elétrica a partir de redes de transmissão. A maioria dessas comunidades utiliza geradores movidos a diesel, que são caros, apresentam baixa eficiência, necessitam de manutenção frequente e ainda emitem gases de efeito estufa.
Em 2020, a Rede Energia e Comunidades analisou o trabalho de 10 organizações da sociedade civil que trabalham com energias renováveis na Amazônia e verificou que nos lugares onde essas organizações atuavam, a energia renovável foi bastante utilizada em escolas, casas e redes de saneamento. "A energia garantiu a produção de artesanato e de farinha de mandioca, o monitoramento da fauna e da flora, a refrigeração de alimentos etc. Também melhorou as condições das escolas, com mais pessoas estudando à noite, e dos postos de saúde, que puderam atender mais pessoas graças à refrigeração de medicamentos e vacinas. A energia proporcionou autonomia para as comunidades", informa Mathias.
Para garantir o direito à energia elétrica às comunidades remotas da Amazônia Legal, incluindo populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas e extrativistas, o Governo Federal criou o programa Mais Luz para a Amazônia (MLA), que é bancado por todos nós que temos energia em casa (essa cobrança está incluída no item "CDE" da conta de luz). A ideia é ótima, mas não está sendo eficaz. "O programa está atrasado no cumprimento das metas estabelecidas anualmente. São mais de 400 mil instalações que precisam ser feitas, e no último ano, não foram feitas mais do que 30 mil, a maioria no Pará. As perguntas que ficam são: 'Será que a instalação via distribuidora de energia é a melhor forma de fazer isso?' 'Que outros meios o Estado pode oferecer às pessoas que querem ter energia?' ", questiona Mathias.
Um levantamento feito pelo Idec analisou o cumprimento das metas do MLA e constatou que, entre 2020 e 2022, houve poucos avanços nas instalações de energia (veja quadro abaixo) por parte das distribuidoras. "O cronograma precisa ser cumprido, atendendo a um maior número de pessoas num menor tempo, senão o problema não vai acabar nunca", critica Schwyter. Diante dos resultados do levantamento, o Idec defende que o Ministério de Minas e Energia edite uma Portaria que aprimore o MLA. "Queremos que haja total transparência sobre o cronograma e os critérios para que as metas sejam alcançadas, com monitoramento e prestação de contas frequente, além da indicação de uma data para que o processo de universalização seja totalmente concluído", exige o especialista em energia do Idec.
DESAFIOS NO CAMINHO
Infelizmente, a universalização do acesso à energia na Amazônia enfrenta alguns desafios. O primeiro é a logística. "A Amazônia é muito grande e não existem estradas, o transporte se dá majoritariamente por barco ou avião. Então, levar energia e equipamentos a comunidades e a pequenas casas isoladas custa muito caro", argumenta Mathias.
O segundo desafio é político. "Não é mais uma questão tecnológica, é preciso vontade política. Hoje, já existem fontes de energia modulares que podem dimensionar sistemas individuais ou coletivos e facilitar a logística de transporte, principalmente para a energia solar fotovoltaica. Ou seja, não dependemos mais apenas das distribuidoras", opina a coordenadora da Rede Energia e Comunidades.
Para o Idec, um grande desafio é que os programas de universalização, como o Mais Luz para a Amazônia, realmente reflitam as necessidades energéticas das pessoas, considerando suas diferenças. E que a universalização seja feita com base em energias renováveis, como a solar, a hidráulica, a eólica e a que usa biomassa como matéria-prima.
Mathias acredita que é possível vencer esses desafios, mas os municípios precisam se envolver, criando políticas energéticas locais com a participação da sociedade. "É necessário também atrair o interesse de empresas e buscar fundos governamentais e internacionais que acelerem o processo", ela sugere.
DO QUE AS COMUNIDADES PRECISAM?
A universalização do acesso à energia na Amazônia Legal faz parte da pauta do Idec, que tem trabalhado para que isso aconteça o mais rápido e da melhor forma possível. E uma etapa importante dessa luta é ouvir quem hoje vive sem luz. Foi com o objetivo de conhecer as demandas das comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas que o Idec e a Rede Energia e Comunidades organizaram um encontro em Belém (PA), entre 9 e 11 de maio. Mais de 200 lideranças se reuniram em rodas de conversa, uma para cada comunidade. O Governo Federal e as distribuidoras foram convidados a verem de perto a realidade desses cidadãos. "Nós estivemos no Quilombo Santana do Arari, que fica a três horas de barco de Belém, para conhecer essa comunidade linda e guerreira que ainda não tem energia", conta Cláudia Föcking, especialista em Comunicação do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec. E completa: "É preciso, com urgência, levar energia limpa e segura para todas as comunidades amazônicas. Sem o direito ao acesso à energia garantido, elas estão privadas de muitos outros direitos, como educação, água potável, saúde e atividades produtivas que irão garantir sustento para as famílias". Mathias, uma das organizadoras, destaca que foi interessante ouvir diferentes perspectivas e reclamações sobre sistemas que chegaram via política pública, como o Mais Luz para a Amazônia, mas não estão atendendo às necessidades.
Ao final do evento, com base nos depoimentos, uma carta foi redigida. O documento é um retrato fiel das comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas, e será usada para cobrar das autoridades um plano de médio e longo prazos. "Essa carta será trabalhada pela Rede Energia e Comunidades e enviada ao Ministério de Minas e Energia, às distribuidoras e aos Conselhos Nacionais de Consumidores de Energia Elétrica", informa Schwyter.
Outro projeto que escuta esses cidadãos excluídos energeticamente, e do qual o Idec também participa, é o programa de rádio Energia e Comunidades, transmitido por 20 emissoras na última sexta-feira do mês e disponível também no podcast Rede de Notícias da Amazônia, no Spotify (https://bit.ly/3rbakeH). "É importante relatar as dificuldades que as pessoas que vivem na Amazônia enfrentam e apontar soluções, contando o que a Rede Energia e Comunidades está fazendo e apresentando alguns projetos do Governo que os cidadãos não conhecem", diz Joelma Viana, produtora e apresentadora do programa. "Um episódio que me marcou muito foi o que mostramos como algumas mulheres aprenderam a instalar painéis de energia solar e a fazer a manutenção dos equipamentos, a fim de garantir energia em suas comunidades", ela finaliza.