Atenção
Empresas credoras têm incluído dívidas prescritas em plataformas virtuais de renegociação de dívidas, enganando o consumidor
Dentre tantos absurdos que temos visto por aí, um chamou a atenção do Idec recentemente: a cobrança de dívidas já prescritas – que não precisam ser pagas pelo consumidor – em plataformas virtuais de renegociação, como a Serasa Limpa Nome. Isso acendeu a luzinha de alerta, porque a regra é clara: toda dívida tem um prazo em que ela pode ser cobrada, que varia de três a cinco anos. Assim, quando esse prazo termina, a empresa credora não pode mais entrar com ação na Justiça para exigir o pagamento.
Como não podem cobrar as dívidas vencidas judicialmente, as empresas criaram um artifício para receber esses valores: elas incluem dívidas de mais de cinco anos nas ofertas de renegociação junto com as dívidas ativas. "A pessoa é induzida a erro, negociando um valor total que não é devido. Isso é uma enganação", afirma Igor Britto, diretor de Relações Institucionais do Idec.
Além disso, enquanto nenhum juiz permite que um banco cobre uma dívida que já prescreveu – conhecida como dívida podre –, a Justiça permite que ela seja cobrada extrajudicialmente, ou seja, que empresas de cobrança liguem ou enviem carta aos consumidores. "O problema é: que banco vai ter a boa fé de ligar e falar 'olha, fulano, você tem uma dívida em nosso banco que já tem 15 anos. Ela já prescreveu, ou seja, você não é obrigado a pagá-la, mas queremos saber se você quer negociar'. Ele vai falar apenas que a pessoa tem uma dívida e que se não pagar ele vai tomar as medidas cabíveis", diz Britto, completando: "Aí a pessoa que não sabe que dívidas prescrevem se desespera porque acha que vai ficar com o nome sujo e acaba pagando".
O que o consumidor não sabe é que 1. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) determina que, independentemente do prazo de prescrição, nenhuma dívida pode ser colocada ou mantida num cadastro de inadimplentes se ela tiver mais de cinco anos ou se já estiver prescrita; 2. Colocar o nome do consumidor no SPC/Serasa quando uma dívida já prescreveu é dano moral; 3. Dívidas podres não podem prejudicar o score de crédito e impedir que a pessoa consiga um empréstimo.
O problema é ainda mais grave quando as dívidas cobradas já foram pagas. "Eu atendi um senhor que recebeu, durante a pandemia, 22 propostas de negociação de dívidas no Serasa, mas ele afirma que já as pagou, porque são dívidas de 2001. Porém, ele não acha os comprovantes de pagamento", conta a associada do Idec Márcia Moro, coordenadora executiva do Procon Municipal de Santa Maria (RS) e vice-presidente da Procons-Brasil. Segundo ela, muitos consumidores não reconhecem as dívidas pelas quais estão sendo cobrados, mas não conseguem que as empresas de cobrança forneçam o documento de origem da dívida. "Orientamos essas pessoas a utilizarem a plataforma Consumidor.gov.br, para tentar solucionar o problema amigavelmente antes de entrar na Justiça", ela informa.
DECISÕES JUDICIAIS CONFLITANTES
A Justiça não está ajudando a resolver o problema da cobrança de dívidas prescritas. Isso porque as decisões têm divergido bastante nos quatro cantos do Brasil. "As decisões estão conflitantes e deixando o consumidor sem uma definição clara. Dessa forma, o assunto deve ir para os tribunais superiores, como o STJ [Superior Tribunal de Justiça] e STF [Supremo Tribunal Federal]. Não pode cada tribunal decidir de uma forma sobre o mesmo tema", critica Moro.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por exemplo, decidiu que é proibido cobrar extrajudicialmente dívida podres. Quem cobrar está fazendo algo ilegal e, portanto, deve indenizar a vítima. Até aí, perfeito! Contudo, essa mesma decisão autoriza que as dívidas prescritas sejam incluídas em plataformas de negociação de dívidas, como a Serasa Limpa Nome. O TJ-SP entendeu ainda que cabe ao consumidor que se sentir lesado ou constrangido, porque a dívida prescrita apareceu na Serasa Limpa Nome, provar esse constrangimento, para então poder pedir indenização por danos morais. "Isso é um absurdo, porque a pessoa precisa perceber que houve um problema, e a chance de isso acontecer é mínima, porque ela não sabe que a dívida prescreveu e, portanto, que foi enganada", declara Britto.
Mas a decisão mais revoltante é a do Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul (TJ-RS), que julgou, em outubro de 2022, uma ação da qual o Idec participa como amicus curiae (amigo da corte), e considerou legal a inclusão de dívidas prescritas no Serasa Limpa Nome, afastando o direito de consumidores que tiveram dívidas prescritas incluídas na plataforma à indenização por dano moral. O Idec discorda dessa decisão, pois considera a cobrança de dívidas podres ilegal. Assim, em novembro, recorreu no TJ-RS contra ela.
Esses dois tribunais são muito importantes por serem grandes "termômetros" para todo o Brasil. São Paulo é o maior tribunal brasileiro, e o Rio Grande do Sul é conhecido como o tribunal das inovações em vários temas, como direito de família, direitos da mulher etc. "O TJ-RS é inovador para uma série de coisas, mas não tem tido boas decisões para os consumidores. Mas de toda forma, para o mundo do Direito, é uma referência", argumenta Britto. Moro concorda: "O Judiciário gaúcho sempre foi vanguardista para o bem. Agora, está sendo para o mal. Ele está sendo preconceituoso e elitista, e muito favorável ao fornecedor". E completa: "Quem garante que essas pessoas fizeram essas dívidas? Que não foram vítimas de fraudes? É muito preocupante e perigosa uma decisão dessas em prejuízo do consumidor e totalmente contrária a uma lei principiológica como o CDC". Para Moro, é extremamente necessário que órgãos como o Idec, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público, as defensorias públicas e os Procons se manifestem sobre esse tema. "O novo Governo deveria criar uma Medida Provisória proibindo essa prática", ela sugere. O Idec assina embaixo.
COMO IDENTIFICAR DÍVIDAS PRESCRITAS
Primeiramente, é preciso conhecer a origem da dívida, se é uma conta de luz, uma dívida do cartão de crédito, um aluguel vencido etc. Depois, verificar a data de vencimento, pois é a partir dela que passa a correr o prazo para a cobrança. Veja a tabela abaixo: