Idec na COP27
De 6 a 18 de novembro de 2022, as atenções do mundo todo estavam voltadas para a COP27, a 27a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), que foi realizada em Sharm El Sheikh, no Egito. E o Idec estava lá, representado por Janine Coutinho, coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável; Rafael Arantes, coordenador do Programa de Consumo Sustentável; e Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana. E é essa experiência que eles contam nas páginas a seguir.
RAFAEL ARANTES é nutricionista graduado pela Universidade de Brasília (UnB), com bolsa sanduíche na Queensland University of Technology (QUT), na Austrália. Trabalhou como assessor em advocacy pela ACT Promoção da Saúde e como pesquisador do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (OPSAN/UnB). Hoje, coordena o Programa de Consumo Sustentável do Idec.
JANINE COUTINHO é nutricionista, com especialização em Saúde Coletiva, e mestre e doutora em Nutrição Humana pela Universidade de Brasília (UnB). Foi coordenadora de avaliação e monitoramento em alimentação e nutrição no Ministério da Saúde, de 2006 a 2009; e coordenadora-geral de Educação Alimentar no Ministério do Desenvolvimento Social, de 2013 a 2017. Hoje, é coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável no Idec.
RAFAEL CALABRIA é graduado em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em Planejamento e Gestão de Cidades pela Escola Politécnica da USP. Criou e foi conselheiro da Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo e titular do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito de São Paulo. Hoje, é coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec.
Esta não foi a primeira vez que o Idec participou da COP. Qual a grande diferença entre esta edição e as outras?
Rafael Calabria: Eu estive na Cop25, em Madrid, na Espanha. Acho que a grande diferença é que nós, do Idec, aprendemos como acompanhar esses eventos oficiais. Em Madrid, eu acabei indo apenas nos eventos paralelos, e agora no Egito eu foquei na parte governamental, acompanhando negociações.
Outra diferença é que na COP25 houve mais discussões sobre transportes do que nesta última edição. Isso porque é o país sede que determina as pautas, e o Egito não deu muito espaço para o tema mobilidade urbana.
Qual a importância de o Idec ter participado da COP27?
Janine Coutinho: Foi fundamental a participação do Idec nesse espaço rico, com ampla discussão e diversos atores - sociedade civil, ativistas, academia, governos. Definitivamente, é um espaço do qual o Idec precisa participar, levando sua visão e defendendo as causas dos consumidores-cidadãos, seja na perspectiva da mobilidade, da alimentação saudável ou do consumo sustentável.
Rafael Arantes: Foi muito importante participar de um evento global, acompanhando discussões, articulando com organizações que atuam em diferentes áreas e liderando alguns debates. O Idec conseguiu participar como uma organização credenciada para acompanhar as discussões e circular no espaço restrito. Não é qualquer entidade que consegue isso, é preciso que sua atuação seja reconhecida.
Rafael Calabria: Foi muito importante o Idec ter ido à COP com uma equipe maior e com mais temas a debater. Foi interessante para fazer contatos com pessoas do mundo inteiro (ia ser difícil falar com algumas pessoas que conheci lá se não fosse a COP). E foi importante o Idec fazer parte de uma rede de organizações de sustentabilidade, mostrando que queremos levar a pauta ambiental para os consumidores.
Como a defesa do consumidor foi abordada nos debates do evento?
JC: No que diz respeito à alimentação, defendemos que o consumidor-cidadão tenha informações fidedignas, além de acessos físico e financeiro a uma alimentação saudável e sustentável. A alimentação não é somente uma escolha individual, ela depende de um ambiente alimentar favorável. É por isso que o Idec, no Brasil e também em espaços internacionais, como a COP, defende políticas públicas que protejam e promovam a alimentação saudável e sustentável. No entanto, considerando os desafios postos, o caminho ainda é longo para a defesa dos direitos dos consumidores.
RA: A defesa do consumidor ainda é abordada de forma tímida nas discussões, e não há mesas focadas no tema. Os temas abordados estão relacionados ao dia dia das pessoas de uma forma geral.
RC: A defesa do consumidor foi abordada de forma tangencial.
As discussões na COP abrangem muito a questão climática. Como ela conversa com os temas de interesse do Idec?
JC: Por mais estranho que possa parecer, existe uma relação direta entre alimentação saudável e sustentável e mudanças climáticas. O sistema alimentar, isto é, a forma de produzir, distribuir, ofertar e consumir alimentos, afeta e é afetado pelas mudanças climáticas. Os sistemas alimentares são responsáveis por aproximadamente 33% das emissões de gases do efeito estufa globalmente. E, ao mesmo tempo, as mudanças climáticas são responsáveis por temperaturas mais altas, mudanças nos padrões de precipitação e aumento da frequência de eventos climáticos extremos, que impactam a produção de alimentos.
RA: Foram discutidos muitos temas que se conectam com a pauta do Idec, como transição energética, consumo sustentável, greenwashing, alimentação, mobilidade urbana, entre tantos outros.
RC: A mobilidade é um tema latente, porque o transporte é o maior emissor de poluentes, contribuindo com a má qualidade do ar e, consequentemente, com problemas respiratórios. Por isso, é fundamental pressionar pela qualidade ambiental nos deslocamentos.
Quais foram as discussões mais relevantes dentro do seu tema de atuação?
JC: Participamos de reuniões e eventos paralelos discutindo tanto a relação entre o consumo de ultraprocessados e as mudanças climáticas, como as alternativas reais, baseadas em evidências científicas e com base nos direitos humanos.
Infelizmente, presenciamos a apresentação de soluções simplistas e de grande interesse mercadológico, como carne de laboratório e proteínas alternativas, como plant based e insetos. O problema dos plant based é que apesar de serem planta, são ultraprocessados, produzidos a partir de commodities repletas de agrotóxicos, que prejudicam nossa saúde e envenenam o meio ambiente.
RA: As discussões mais relevantes no tema consumo sustentável foram sobre governança e o aspecto macroglobal (países que são grandes poluidores e grandes emissores precisam se responsabilizar e se comprometer com a poluição e os danos que causam); greenwashing, economia circular e ciclo de vida dos produtos e serviços.
RC: As discussões mais relevantes foram sobre morosidade das gestões dos políticos para avançar na mudança da mobilidade; a correlação entre mobilidade, clima e saúde, que é pouco explorada pelo setor de transportes; e mortes no trânsito (o Brasil é o terceiro país com mais mortes no trânsito).
O que vocês podem nos contar sobre os bastidores da COP?
RA: Eu gosto de dizer que existem várias COPs dentro da COP – que é realizada num espaço enorme e pouco amigável, com três camadas de participação.
A primeira camada é o espaco de governança global, restrito a países e à Organização das Nações Unidas (ONU), ou seja, é ali que são tomadas decisões importantes. O Brasil foi representado por membros do Itamaraty e do Ministério das Relações Internacionais. As organizações como o Idec não têm acesso a esse espaço, mas conseguimos acompanhar algumas rodadas de negociação de uma sala ao lado, via transmissão.
A segunda camada são os side events (eventos paralelos), que são eventos oficiais distribuídos em vários pavilhões, com discussões temáticas organizadas pela sociedade civil. O Idec participou como convidado nesses espaços. Eu falei em um dos pavilhões da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), e a Janine falou no Brazilian Climate Hub, organizado pela sociedade civil brasileira.
E a terceira camada são eventos que acontecem fora do pavilhão da COP, na cidade. Estes são importantes para se conectar com diferentes atores relacionados à agenda climática.
RC: A presença do Lula agitou Sharm El Sheikh. Ele estava sempre rodeado de seguranças e entrava e saía dos eventos por entradas/saídas especiais. E nos bastidores comentaram que o presidente do Egito usou a presença do Lula para tirar o foco das falhas cometidas na organização do evento.
Achei que predominou uma visão europeia e elitista nos debates. Faltaram experiências de países pobres da Ásia, da África e América Latina. Por exemplo, teve um debate sobre ônibus elétrico, sendo que grande parte das pessoas nem acesso a ônibus comum tem, nem a asfalto, a saneamento etc.
Quais foram as principais contribuições do Idec?
JC: Em alimentação, deixamos a reflexão e o posicionamento de que as soluções para os problemas precisam ser enfrentadas estruturalmente e considerando os direitos humanos. Em um evento organizado pelo Brazil Climate Action Hub, tivemos a oportunidade de questionar soluções que são apresentadas pelo Big Agro e Big Food, com interesses mercadológicos, e de discutir soluções que de fato enfrentam a forma hegemônica com que os alimentos estão sendo produzidos e que está levando ao adoecimento da população e do meio ambiente, além de estar acelerando os impactos das mudanças climáticas.
RA: A participação do Idec foi, de forma geral, muito frutífera e bastante positiva, pois conseguimos levar nossas contribuições e articular com outras organizações do Brasil e do mundo. Destaco a participação em uma mesa no pavilhão da FAO sobre agricultura e alimentação; a assinatura de alguns manifestos da sociedade civil para aumentar sua participação na COP; e a possibilidade de fazer pressão in loco pelas nossas causas.
RC: Tentamos levar o entendimento de que os países subdesenvolvidos têm transportes poluentes, como ônibus a diesel, e que a mudança necessária para a redução das emissões é dificultada por problemas de regulação e de financiamento. O Brasil tem um problema político e de legislação. Assim, enriquecemos o debate, que estava mais focado em experiências europeias.
O que de mais importante vocês trouxeram na bagagem?
RA: A COP reforçou em mim a importância da agenda climática e da necessidade urgente de se adotar medidas para enfretamento da crise climática. Também trouxe motivação para ajudar o Idec a continuar se colocando como um ator fundamental na sociedade, para demandar melhores práticas das empresas, das indústrias e do Governo, a fim de reduzir os impactos das mudanças climáticas.
RC: O que eu trouxe na bagagem foram contatos de deputados e senadores, além de parceiros internacionais para ajudar a repercurtir o que rola no Brasil, tanto as boas práticas quanto os problemas.