DE OLHO NO NOVO GOVERNO
Nos próximos quatro anos, o Idec vigiará de perto as ações do novo governo, sempre defendendo os direitos dos consumidores brasileiros
Começamos o ano de 2023 com a posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, é importante olhar para a frente e manter a postura vigilante das ações do novo governo nos próximos quatro anos. E o Idec já está fazendo isso. Em 24 de novembro de 2022, enviamos uma carta ao presidente eleito e a membros da equipe de transição do governo salientando a importância do fortalecimento da proteção aos consumidores e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC). Ainda em dezembro, enviamos uma carta ao ministro da Justiça, Flávio Dino, reforçando nossa posição histórica em defesa dos consumidores, apresentando temas de grande importância para os consumidores, que precisam estar entre as prioridades da pasta, e solicitando compromisso rigoroso com o interesse dos consumidores, acima dos interesses empresariais de grandes fornecedores.
"Defender os direitos das pessoas como consumidoras é defender a própria cidadania, a dignidade e o mínimo existencial na sociedade de consumo. No Brasil, os cidadãos conquistaram, com a Constituição de 1988, o direito fundamental de serem defendidos pelo Estado nas relações de consumo. Mas nos últimos anos, as perdas de direitos e a captura dos espaços públicos por interesses unicamente empresariais destruíram as políticas nacionais de defesa do consumidor e provocaram retrocessos na Justiça e no acesso aos bens e serviços", declara Igor Britto, diretor de Relações Institucionais do Idec.
Veja, a seguir, o que o Idec espera do Governo Lula em diferentes áreas, para que o País saia das crises econômica, social e ambiental em que se encontra.
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL
O cenário da insegurança alimentar no Brasil é gravíssimo, atingindo 61 milhões de pessoas. Mudar esse triste cenário requer uma urgente retomada das políticas nacionais de segurança alimentar e nutricional. A seguir, você encontra algumas medidas que precisam ser tomadas:
- Reconstruir o Programa Bolsa Família, para recuperar as ações que foram interrompidas com a instituição do Auxílio Brasil;
- Criar uma nova cesta básica, alinhada às premissas do Guia Alimentar para a População Brasileira. Essa nova cesta básica deve favorecer os alimentos in natura e minimamente processados, além de orgânicos;
- Recompor o orçamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), já que o último reajuste foi realizado em 2017 e não recompôs as perdas inflacionárias. Dessa forma, os valores estão defasados e se mostram insuficientes para a garantia de uma alimentação adequada e saudável no ambiente escolar;
- Publicar um Decreto em defesa de um ambiente escolar que promova a alimentação saudável de crianças e adolescentes. Estudos apontam que o excesso de peso de crianças e adolescentes está associado à comercialização de alimentos não saudáveis nas cantinas e nos arredores das escolas. "É inadmissível que o Brasil ainda não tenha uma política nacional que garanta a escola como espaço promotor de uma alimentação saudável. Atualmente, 43 estados e municípios têm dispositivos legais que tratam sobre o tema, mas um Decreto Federal poderá reforçar e ampliar a determinação de oferta de alimentos saudáveis em conformidade com o Guia Alimentar para a População Brasileira", opina Janine Coutinho, coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec;
- Revisar a política tributária dos alimentos, privilegiando a produção e o consumo de frutas, verduras, legumes e grãos saudáveis em lugar dos ultraprocessados; tributando bebidas açucaradas e retirando a isenção de impostos para agrotóxicos;
- Aprimorar a nova rotulagem frontal de alimentos, que entrou em vigor em outubro de 2022. Dentre as mudanças sugeridas pelo Idec estão a indicação da presença de edulcorante e o aumento da lupa. Além disso, o Idec cobra da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e das vigilâncias sanitárias locais a fiscalização da nova norma;
- Restringir a publicidade de alimentos e bebidas para o público infantil, assim como de produtos ultraprocessados. "As estratégias usadas para promover produtos alimentícios não saudáveis são muitas vezes desleais, pois dialogam diretamente com crianças, oferecendo brindes e recompensas falsas, e fazendo promessas enganosas", alerta Coutinho.
DEFESA DO CONSUMIDOR
Nos últimos anos, a Política de Defesa dos Consumidores esteve sob ameaça. Para que os direitos de milhões de consumidores sejam garantidos, é preciso que:
- O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) seja reforçado, com diálogo entre a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, e as associações de consumidores, as defensorias públicas, os Procons, os Ministérios Públicos, as delegacias de defesa do consumidor e os juizados especiais cíveis;
- As políticas de acesso à Justiça sejam retomadas, com investimento nas plataformas públicas de solução de conflitos consumeristas, como a Consumidor.gov.br; com apoio técnico e tecnológico aos órgãos estaduais e municipais de defesa do consumidor, como os Procons; e com a manutenção da Lei da Ação Civil Pública;
- Os poderes de fiscalização e punição dos Procons e das autoridades de proteção de direitos dos consumidores sejam fortalecidos;
- Os dirigentes dos órgãos federais de defesa do consumidor, como a Senacon, sejam escolhidos entre profissionais com experiência e conhecimentos na área de defesa dos consumidores, e não, pode haver conflitos de interesses.
ENERGIA
O fornecimento de energia é um serviço essencial e, portanto, deve ser garantido a todos os cidadãos brasileiros. "Apesar de a rede de energia elétrica estar disponível para 97% da população, ainda existem locais onde a cobertura é precária, principalmente na região amazônica. Além disso, as pessoas mais vulneráveis não têm conseguido pagar a conta de luz", afirma Anton Schwyter, coordenador do Programa de Energia do Idec.
Algumas medidas necessárias para que todos os brasileiros tenham energia em sua casa são:
- Aprimorar a política pública que garante a tarifa social para a conta de luz a pessoas de baixa renda;
- Discutir a matriz energética e a modernização do setor, considerando que as tarifas subiram mais do que o dobro da inflação e parcela significativa da população precisa escolher entre comprar comida e pagar a conta de luz. "Investir em energia renovável não tem a ver só com a redução de impactos ambientais, mas também com o custo final. O modelo atual, pautado em acionar usinas térmicas quando as hidrelétricas não dão conta da demanda, é insustentável, porque a geração térmica, além de poluente, é mais cara, impactando a conta de luz e contribuindo para o endividamento dos consumidores", argumenta Schwyter;
- Avançar o PL nº 4.248/2020, que estabelece metas para a universalização do acesso à energia elétrica na Amazônia Legal.
MOBILIDADE URBANA
O modelo de transporte público brasileiro está em crise, graças ao círculo vicioso em que está inserido há anos: aumenta-se o preço da passagem, perde-se usuários e, por consequência, precariza-se o serviço. Assim, a principal expectativa do Idec para o novo governo é que a proposta de um Sistema Único de Mobilidade (SUM) avance e seja implementada. Esse modelo de transporte público funcionaria como o Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, seria um sistema nacional, integrado, que pode ser gratuito e que irá garantir o acesso a espaços das cidades de forma mais sustentável e menos poluente, hoje impossibilitado.
SAÚDE
Algumas medidas são de extrema importância para a restauração do equilíbrio nas relações entre consumidores e os diversos atores que formam o complexo econômico industrial da saúde: planos de saúde, indústria farmacêutica, clínicas, laboratórios e profissionais de saúde. Veja as principais a seguir:
- Reformular a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). "A ANS vem sendo cada vez mais capturada pelos interesses do mercado que deveria controlar, descumprindo seu papel de zelar pelo equilíbrio na relação com os consumidores e tolerando práticas abusivas à luz do CDC", critica Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Idec;
- Manter o caráter mínimo do Rol da ANS. As recentes alterações na Lei de Planos de Saúde, feitas pela Lei nº 14.454/2022, cumpriram um papel importantíssimo ao neutralizar a decisão desastrosa do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que modificou seu entendimento histórico, determinando que o rol não era referência mínima, mas máxima de cobertura;
- Barrar o PL nº 7.419/2006, que tramita numa Comissão Especial na Câmara dos Deputados. Ele flexibiliza as multas contra operadoras, dificulta o caminho para que o consumidor entre com ações na Justiça, permite a oferta de planos de saúde com menor cobertura etc.;
- Regular os planos de saúde coletivos, especialmente o controle dos reajustes e a rescisão dos contratos, garantindo os direitos dos usuários. Isso porque a proteção oferecida a consumidores de planos coletivos e de planos individuais não é a mesma. "No caso dos planos individuais, houve queda significativa da sinistralidade em 2020, repassada aos consumidores por meio de uma economia de 8,19% (o primeiro reajuste negativo da história). Essa economia também aconteceu nos planos coletivos, mas não foi repassada aos consumidores, foi absorvida pelas empresas", exemplifica Navarrete;
- Fortalecer a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e a regulação de preços de medicamentos. A regulação de preços é um aspecto fundamental do mercado de medicamentos em todo o mundo. No entanto, a regulação brasileira tem apresentado sinais de esgotamento no que se refere à capacidade de evitar que novas tecnologias tenham preço elevado.
- Aprimorar e defender o Sistema Único de Saúde (SUS), implementando políticas públicas de prevenção e promoção da saúde, e adequando o orçamento do Ministério da Saúde para que todos os brasileiros tenham acesso à saúde.
SERVIÇOS FINANCEIROS
Diante do altíssimo número de endividados no Brasil (40 milhões), que não conseguem honrar seus compromissos financeiros sem prejudicar o próprio sustento, sobrevivendo abaixo dos limites dos direitos fundamentais sociais fixados pela Constituição Federal, o Idec considera urgente e essencial o combate ao superendividamento. Para que isso aconteça, é preciso:
- Baixar as altas taxas de juros pagas pelo consumidor para o sistema financeiro e permitir que esses recursos sejam canalizados para reativar a economia;
- As políticas econômicas e financeiras especialmente relacionadas à oferta de crédito a consumidores e à renegociação de dívidas devem levar em conta a necessidade de preservação do mínimo existencial, valor necessário para garantir a subsistência familiar com dignidade (cesta básica, transporte, educação, saúde, moradia, vestuário, comunicação, lazer, segurança e previdência social);
- Revogar o Decreto nº 11.150/2022, que fixou o mínimo existencial em 25% do salário mínimo vigente (R$ 303), sem possibilidade de atualização;
- Anular as normas que ampliaram em 30% a margem consignável em empréstimos para aposentados e servidores e que permitiram que parcelas do crédito consignado fossem descontadas diretamente dos programas de transferência de renda;
- Não aprovar o texto atual do PL nº 4.188/2021, que permite que os brasileiros ofereçam suas casas e seus telefones celulares, carros, entre outros bens como garantia em caso de não pagamento de dívidas.
TELECOMUNICAÇÕES E DIREITOS DIGITAIS
Acesso à Internet garantido para todos os brasileiros e dados pessoais protegidos estão entre os desejos do Idec na área de Telecomunicações e Direitos Digitais. Veja, a seguir, outros temas que o Idec entende que devem ser prioridade do novo governo:
- Avançar no acesso à internet universal e de qualidade. Para isso, é necessário repensar o modelo dos planos de acesso à internet, de forma a garantir a neutralidade da rede, prevista no Marco Civil da Internet (MCI);
- Acabar com o telemarketing abusivo por meio de uma Lei Federal. "Na prática, a abusividade seria coibida condicionando o telemarketing ativo ao consentimento prévio do consumidor e ao cumprimento de normas sobre horários de ligações, atenção especial à população hipervulnerável (em especial idosos, que sofrem maior assédio) e utilização de robocalls", informa Camila Leite, advogada do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec;
- Banir totalmente o uso de tecnologias digitais para reconhecimento facial na segurança pública;
- Usar os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para investimento em infraestrutura de redes de suporte à banda larga e para atendimento das regiões onde se concentra a população de baixa renda;
- Melhorar a segurança das informações pessoais dos brasileiros armazenadas pelos sistemas do Governo, para que não sejam vazadas.