AINDA IRRESPONSÁVEIS
Os oito bancos avaliados pelo Guia dos Bancos Responsáveis em 2022 tiveram melhoras brandas em seu comprometimento com políticas de responsabilidade socioambiental, estando ainda bem longe do ideal
A cada dois anos, quando o Idec, em parceria com a Conectas Direitos Humanos, o Instituto Sou da Paz e a Proteção Animal Mundial, publica o Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), há uma expectativa de que as instituições financeiras tenham evoluído no que diz respeito à responsabilidade socioambiental. Mas as melhorias são sempre muito brandas. E não foi diferente nesta 9a edição, lançada em 2022, num contexto de múltiplas crises – social, política, econômica, ambiental e climática. "O GBR é uma análise minuciosa dos documentos públicos das instituições financeiras e consolida uma classificação dos bancos de acordo com a abrangência de suas políticas de responsabilidade socioambiental", explica o advogado Fábio Machado Pasin, pesquisador do programa de Serviços Financeiros do Idec. "Nesta crise profunda, ficou ainda mais evidente a necessidade de dar prioridade às questões socioambientais, inclusive por meio da responsabilização das instituições financeiras, considerando que estas orientam significativamente, por meio de compromissos e diretrizes, o caminho trilhado pelas empresas do País", ele completa.
COMO FOI FEITA A PESQUISA
p>O Guia dos Bancos Responsáveis (GBR) faz parte do Fair Finance International (FFI), rede internacional que trabalha em prol de um sistema financeiro mais justo e sustentável.
A 9ª edição do GBR foi realizada de março a agosto de 2022, a partir de documentos públicos disponibilizados nos sites dos oito maiores bancos do Brasil: Banco do Brasil, BNDES, Bradesco, BTG Pactual, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco, Safra e Santander. Foram avaliados 18 temas considerados urgentes.
Depois de analisarmos todos os documentos, enviamos aos bancos uma planilha com a nota, de 0 a 10, e os detalhes da sua avaliação. Eles tiveram um mês para revisá-la e apontar imprecisões e erros. Todos os bancos responderam, esclarecendo pontos específicos e indicando, eventualmente, outros documentos para análise. A ampla adesão dos bancos demonstra um avanço significativo de engajamento em relação à edição de 2020, quando apenas BNDES e Safra enviaram contribuições.
Fábio Machado Pasin, pesquisador do programa de Serviços Financeiros do Idec
Saber para que o banco está usando o dinheiro que você deposita em sua conta (sim, ele não está guardado num cofre, mas circulando por aí) é importantíssimo. E esse é o papel do Idec: mostrar à sociedade se as instituições bancárias são ou não responsáveis e se se preocupam com os direitos humanos, o meio ambiente, a corrupção etc. "O banco deve se responsabilizar pelas atividades da empresa que financia ou nas quais investe, mas também observar o relacionamento dessas empresas com a sua cadeia de fornecedores", afirma Julia Catão Dias, advogada do programa de Serviços Financeiros do Idec, exemplificando: "Todos os bancos se comprometem a adotar uma política de tolerância zero à violência de gênero no local de trabalho, incluindo assédio físico, verbal e sexual, mas apenas o Banco do Brasil, o BNDES e o Bradesco adotam a mesma política em relação às empresas que financiam ou nas quais investem".
Sim, é complexo. Mas estamos aqui para ajudá-lo. Veja, a seguir, os destaques da mais recente avaliação, reflita sobre a classificação de seu banco e envie uma mensagem a ele por meio da ferramenta disponível no site do Guia dos Bancos Responsáveis (https://bit.ly/3WtcyRX).
AINDA NO VERMELHO
Em 2022, a nota média dos bancos foi de 3,8%, apenas 0,6 ponto a mais do que a média do levantamento anterior, feito em 2020 e publicado em 2021. "Considerando nossa escala de cores [veja o quadro], os bancos ainda estão muito longe de serem responsáveis. Para serem classificados como tal, eles deveriam ter média 8, que corresponde à cor verde", informa Pasin.
O BNDES ficou mais uma vez em primeiro lugar, com 5,2 pontos, muito por conta da revisão da lista de exclusão e apoio condicionado, que informa as atividades e os empreendimentos que o banco não apoia. Já dentre as piores notas destaca-se a de "Mudanças Climáticas". "Uma vez que o BNDES tem como missão ser o banco do desenvolvimento sustentável brasileiro, e por ser público, espera-se que ele seja exemplo, cumprindo as metas e os compromissos assumidos pelo País no âmbito do Acordo de Paris e da Convenção sobre a Mudança do Clima. No entanto, o seu desempenho nesse tema ainda é inferior ao de algumas instituições privadas, como Itaú, Santander e Bradesco", declara Dias. "É importante dizer que o BNDES, apesar de ser o primeiro colocado, ainda tem um desempenho muito baixo", observa Pasin.
Em segundo lugar, com 4,1, vem o Itaú Unibanco, que recebeu a segunda maior nota em "Mudanças Climáticas". Em terceiro está o Santander, que caiu uma posição devido à melhora do desempenho do Itaú. Seu destaque positivo são as políticas setoriais específicas, que permitem um detalhamento dos critérios socioambientais aplicados para carteiras relacionadas a atividades de alto impacto socioambiental, como os setores bélico, de energia, mineração e commodities.
O Banco do Brasil (BB) passou a ocupar o quarto lugar, com 3,7 pontos. Embora tenha melhorado em muitos temas, tirou nota 0 em "Armas", junto com a Caixa Econômica Federal e o Bradesco; e recebeu a pior pontuação em "Impostos" (0,9), principalmente porque não divulga informações relativas a subsídios recebidos, receita, lucro e pagamento de impostos nos países onde opera.
E o lanterninha foi o BTG Pactual, que embora tenha evoluído bastante em relação à última avaliação – principalmente por conta do tema "Florestas" –, somou apenas 3,1 pontos. O destaque negativo foi ter tirado a pior nota em "Inclusão Financeira".
Embora tenha ficado em penúltimo lugar, o Safra foi o que mais melhorou sua nota de 2020 para 2022, principalmente pela revisão da sua Política de Relacionamento com o Cliente e de sua política para o setor de armas, que passou a incorporar diversos critérios previstos pelo GBR, como o impedimento de se relacionar com empresas que produzem armas nucleares, biológicas, químicas e munições cluster. "O Safra recebeu a melhor nota, em "Armas", considerando-se todos os temas: 9,3 (em 2020, tinha tirado 2,7)", diz Pasin.
DISCREPÂNCIA ENTRE TEMAS
Quando separado por temas, o desempenho das instituições financeiras é bastante heterogêneo: em alguns, a pontuação foi baixíssima, enquanto em outros, foi razoável.
Os temas que tiveram as melhores médias foram "Inclusão Financeira" (7,5), "Proteção ao Consumidor" (7,0) e "Direitos Trabalhistas" (6,0), todos classificadas como amarelo. Isso é positivo, de certa forma, mas Maria Paula Costa Bertran, professora de Direito Econômico na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), tem uma teoria para essa boa colocação: "Os problemas mais visíveis e marcantes, como inclusão financeira, proteção do consumidor e direitos trabalhistas, acabam tendo melhor desempenho porque os bancos são obrigados a se movimentar para oferecer algum tipo de resposta pública. Ou seja, a resposta é induzida pelo problema". Além disso, ela reforça que a pesquisa avalia os compromissos, não as práticas: "Não podemos dizer que esses resultados refletem em mudanças práticas. Não temos notícias de que de um ano para o outro os bancos estejam protegendo melhor seus consumidores". Por outro lado, segundo ela, o tema "Corrupção" tem notas baixas porque, por mais que o tema tenha estado nos holofotes nos últimos anos, após o escândalo da Lava Jato, os bancos saíram ilesos. "Será que a corrupção brasileira nunca passou pelas instituições financeiras nacionais, como acontece em outros países do mundo?", questiona.
Já as piores médias foram nos temas "Armas" (2,0) e Bem-estar Animal" (zero). No primeiro, espera-se que os bancos não financiem nem invistam em empresas envolvidas com certas armas repudiadas internacionalmente. Avalia-se se o banco tem políticas para que as empresas envolvidas na produção de armas ou outros dispositivos militares (aviões, tanques, sistemas de tecnologia etc.), nas quais ele investe ou para as quais fornece crédito, não venda seus produtos a países que violam os direitos humanos ou com altos níveis de corrupção. O BB, a Caixa e o Bradesco tiraram zero, pois não possuem políticas ou diretrizes sobre esse tópico.
Já na temática "Bem-estar Animal", que estreou nesta edição, todos os bancos zeraram. Nele, avalia-se se as instituições financeiras possuem diretrizes que levam em conta o tratamento adequado dos animais de produção e que asseguram proteção aos animais silvestres, considerando que investem e financiam empresas nos setores da pecuária, pesca, peles e couro, produtos farmacêuticos, cosméticos, criação de animais de estimação, entre outras.
"O resultado de 'Bem-estar Animal' nos surpreendeu, porque o Brasil é o maior produtor de proteína animal e os bancos investem neste setor, mas não têm políticas para assegurar o bem-estar, principalmente dos animais criados em fazendas. Alguns bancos [Caixa, BB, BNDES e Safra] mencionam o tema, mas não têm compromissos fortes o suficiente para pontuarem", relata Pasin. Já para José Ciocca, zootecnista e gerente de agropecuária sustentável na Proteção Animal Mundial, o resultado, embora decepcionante, era de certa forma esperado, já que esse é um tema novo dentro do mercado financeiro. "Porém, como o agronegócio é fundamental para o PIB [Produto Interno Bruto], esse primeiro resultado traz um alerta da importância de se trabalhar esse tópico. Os bancos precisam se conscientizar de que a forma como produzimos animais para a alimentação afeta não só a vida dos animais, mas a nossa vida e o meio ambiente", ele avalia.
E AGORA, JOSÉ?
Seguimos monitorando e avaliando as políticas socioambientais dos bancos, esperando que a elas sejam incorporadas metas mensuráveis e suficientemente detalhadas, especialmente as relacionadas ao clima. Também é preciso explicitar quais atividades promovidas por algumas indústrias, como de mineração, armas e geração de energia, são consideradas inaceitáveis e não receberão apoio das instituições financeiras. "E no próximo levantamento, que será feito em 2024, ficaremos atentos aos temas que não alcançaram sequer 2,5 pontos em 2022: Bem-estar Animal (zero), Mudanças Climáticas (2,4), Remuneração (2,4), Impostos (2,2) e Armas (2,0). "Esses resultados são alarmantes e indicam ausência de compromissos significativos em assuntos de grande relevância", constata Pasin.
Bertrand, da USP,cobra um comprometimento real dos bancos. "Quero muito me livrar do ceticismo e acreditar. Mas precisa haver um esforço tremendo para que essa mudança seja eficaz. Ela não pode ser só formalizada", ela declara. E levanta um ponto importante para se refletir: "O BTG é dono do Banco Pan, com 100% do capital; o Olé Consignado pertence ao Santander; o Bradesco é proprietário do banco Losango. Todo grande banco tem um 'banquinho', uma financeira ou uma lojinha de crédito, com políticas mais frouxas, mas que não apresentam risco reputacional à instituição maior, pois se trata de outra marca. Isso me parece absurdo". Se pensarmos que se trata de um único grupo econômico, as responsabilidades deveriam ser as mesmas, mas não é bem assim. "O movimento precisa partir dos grandes bancos, que devem incentivar o mesmo desempenho das marcas populares em vez de popularizar as más condutas. Só assim será possível separar os bancos confiáveis dos aventureiros", finaliza Bertran.
Saiba mais
Guia dos Bancos Responsáveis: https://guiadosbancosresponsaveis.org.br