PRECISAMOS PRESERVAR O MEIO AMBIENTE
Pesquisa encomendada pelo Idec mostra que brasileiros associam preservação do meio ambiente ao exercício de direitos no dia a dia: 29% avaliam que a principal função do Governo na área ambiental é garantir à população acesso à água, ao saneamento básico e à energia
Talvez, há algumas décadas, falar sobre sustentabilidade ou consumo sustentável soasse como algo quase de outro planeta para grande parte dos brasileiros. "O quê, calotas polares? Aquecimento global?" Possivelmente, muita gente achava que havia coisa mais importante com o que se preocupar. Em 2022, porém, parece que a população já se deu conta de que as questões ambientais têm relação direta com seu cotidiano.
Pesquisa realizada a pedido do Idec mostra que boa parte dos brasileiros associam a preservação do meio ambiente ao exercício de direitos no dia a dia e ao acesso a serviços públicos fundamentais, como água e saneamento. Foram ouvidas 1.138 pessoas entre 18 e 65 anos, de todas as classes econômicas, a fim de traçar um perfil das percepções e práticas em relação à consciência ambiental e hábitos de consumo.
Um dos aspectos analisados foi como os brasileiros compreendem o papel do Governo na conservação ambiental. Para boa parte das pessoas ouvidas (29%), as principais atribuições governamentais nessa área são garantir acesso à água, ao saneamento básico e à energia elétrica aos cidadãos. A mesma parcela (29%) também acredita que a principal função do Estado é contratar mais agentes ambientais e fortalecer instituições de fiscalização, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Na avaliação de Rafael Arantes, coordenador do Programa de Consumo Sustentável do Idec, esses resultados são significativos. "Ao destrinchar a pesquisa, observamos que uma parcela significativa da população ainda não tem acesso, ou tem de forma insuficiente, à água, ao saneamento e à energia elétrica, que são condições mínimas para a dignidade humana. Portanto, a percepção é que a conservação ambiental está intimamente associada à garantia de direitos, e que o Estado tem um papel definidor para isso", aponta.
COMO FOI FEITA A PESQUISA
A pesquisa foi encomendada pelo Idec com o objetivo de entender o perfil do consumidor brasileiro com relação à adoção de hábitos de consumo mais saudáveis e conscientes em diversos segmentos. Para isso, o estudo apurou a opinião e as práticas dos brasileiros em seis aspectos: papel do Governo e das ONGs na conservação e defesa do meio ambiente; canais de aquisição de alimentos; percepção dos problemas socioambientais; ações sustentáveis praticadas e almejadas; escolhas de produtos, serviços e o impacto no meio ambiente; relações de sustentabilidade e meios de transporte.
Entrevistamos 1.138 pessoas entre 18 e 65 anos pertencentes às classes econômicas A, B, C, D e E, moradoras de 368 cidades. Foram contempladas todas as capitais e cidades das regiões metropolitanas do País, além de alguns municípios do interior. A amostra por região foi escolhida a partir de dados do Censo IBGE, de forma a se obter representatividade geográfica.
As entrevistas foram realizadas entre 7 de março e 1 de abril deste ano por meio de um formulário virtual.
Rafael Arantes, coordenador do Programa de Consumo Sustentável do Idec
Ainda em relação ao papel do Governo, 21% dos entrevistados acreditam que é seu dever monitorar e realizar ações contra o desmatamento. Entre os moradores do Centro-Oeste, especificamente, essa função é apontada pela maioria como a principal competência do Governo na área ambiental. O resultado não chega a surpreender, já que o Cerrado, bioma que ocupa boa parte da região, é um dos mais ameaçados pelo desmatamento em proporção territorial, que aumentou 7,9% entre agosto de 2020 e julho de 2021, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
PROBLEMAS AMBIENTAIS NO DIA A DIA
A preocupação com o acesso à água e com o desmatamento destacam-se em outra etapa da pesquisa, na qual a população foi questionada sobre quais julgam ser os principais problemas socioambientais do País. Nessa e em outras fases do questionário, a análise dos dados foi dividida entre os perfis de classes socioeconômicas, sendo um grupo formado por pessoas das classes A, B e C (renda mensal média de R$ 4.941); e outro por aquelas das classes D e E (renda mensal média de R$ 2.170).
De maneira geral, os brasileiros avaliam que os principais problemas socioambientais são escassez de água, poluição da água e desmatamento. Para Marcio Astrini, secretário-executivo da ONG Observatório do Clima, é natural que as pessoas apontem problemas ambientais que causam impacto direto em suas rotinas. "O Brasil passou recentemente por uma crise hídrica, tem um déficit de saneamento histórico e, recentemente, tem enfrentado crises consecutivas de geração de energia", lembra. Ele também acredita que o desmatamento ganhou boa escala na percepção dos brasileiros nos últimos anos. "É chocante ver cenas repetidas de incêndios florestais, animais carbonizados, madeira ilegal e criminosos roubando terra pública à luz do dia. E toda essa situação ganhou uma conotação ainda mais dramática nos últimos três anos, com o Governo Bolsonaro, que não é apenas omisso, mas incentivador de toda esta devastação: o desmatamento na Amazônia cresceu 76% desde que o atual presidente se instalou em Brasília", dispara. Astrini cita ainda o aumento da ocupação de terras indígenas e a violência contra esses povos, além de escândalos envolvendo ex-ministros do meio ambiente, situações que geram alta repercussão internacional e, portanto, ganham a atenção pública.
Para Arantes, do Idec, os resultados da pesquisa apontam que os problemas socioambientais vêm sendo sentidos e percebidos pelos cidadãos de diferentes partes do Brasil. "Apesar de [o desmatamento] soar como algo distante, a percepção de que este é o principal problema socioambiental demonstra não apenas preocupação, mas a associação dessa prática com os impactos relacionados à emergência climática e outros prejuízos que afetam o dia a dia das pessoas", ele analisa.
Alguns desses fatores nem sempre são tão perceptíveis, mas seus impactos, sim. "É a existência da Floresta Amazônica, por exemplo, que garante boa parte das chuvas que alimentam as hidrelétricas, os reservatórios de águas das grandes cidades e a irrigação natural de nossa agricultura. Portanto, preservar a floresta faz parte da estratégia de desenvolvimento do País e da segurança alimentar e econômica da população", observa Astrini.
E EU COM ISSO?
A pesquisa também avaliou como é a relação dos brasileiros e brasileiras com práticas sustentáveis no dia a dia, buscando saber quais são as medidas que já são adotadas com frequência e quais ainda não são, mas que as pessoas estariam dispostas a seguir. A constatação é que as ações sustentáveis mais "internalizadas" pelos consumidores são: evitar desperdício de alimentos, economizar água e energia, e reciclar. Essas atitudes são citadas tanto pelos entrevistados das classes A, B e C quanto das classes D e E entre as que já fazem parte de seu cotidiano ou que topariam implementar.
Arantes avalia que tais resultados sugerem que a população consegue compreender que o consumo sustentável se conecta de forma sistêmica, ou seja, está na base das relações de produção e consumo, sejam elas relacionadas a alimentos, energia, resíduos, bens ou serviços. "Eles indicam também que as pessoas já praticam certos hábitos ou estão dispostas a mudar aqueles que estão ao seu alcance, o que é muito positivo", ele conclui.
Astrini acredita que a adoção dessas práticas pelos brasileiros tem origem em crises de abastecimento e na inflação dos alimentos. "Muitos governos promoveram campanhas maciças de conscientização da população sobre esses assuntos, e talvez a pesquisa mostre que essas campanhas geraram resultados. De alguma forma, fazem parte de uma agenda de consumo, mas que obviamente precisa ir muito além desses itens", ele afirma.
Arantes concorda que é preciso ampliar a noção de ações sustentáveis e compreender que mudanças estruturais, muito mais do que as individuais, precisam acontecer. Ele cita, por exemplo, que o último relatório do IPCC - grupo internacional de especialistas sobre mudanças climáticas - apontou que quase 30% das emissões de gases de efeito estufa são relacionadas aos sistemas alimentares. "O desperdício é uma das razões, mas parcela importante [das emissões] vem do desmatamento, avanço da agropecuária, uso intensivo de agrotóxicos e consequente diminuição da biodiversidade", destaca. "Essas conexões ainda precisam ser mais bem entendidas pelas pessoas para que elas possam não apenas mudar hábitos, mas demandar práticas e políticas que democratizem a produção e o consumo sustentáveis", defende.
Para Astrini, parte fundamental dessa conscientização mais ampla da população sobre sustentabilidade deve passar também pelas escolhas nas urnas. "Grande parte dos nossos governantes a nível federal, por exemplo, é hoje advogada da destruição ambiental. Enquanto o cidadão comum recicla seu lixo, o governante paralisa a cobrança de multas ambientais de grandes poluidores. Enquanto o indivíduo economiza na conta de luz, há lobbies que aprovam no Congresso leis forçando investimentos em fontes de produção de energia poluidoras, atrasadas e caras, como térmicas a carvão", critica.
O PAPEL DAS ONGs E MUDANÇAS URGENTES
A pesquisa também avaliou a percepção da população em relação às organizações não governamentais (ONGs) na agenda ambiental. A maioria identifica um papel de vigilância: 29% acreditam que cabe a elas pressionar o Governo a adotar as melhores políticas públicas para proteção ambiental; e 22% avaliam que as organizações devem denunciar abusos contra a natureza. Nove por cento da população também vê como atribuição das ONGs pressionar as empresas por melhores práticas ambientais. Além de fiscalizar e cobrar, os entrevistados também identificam um importante caráter educativo nas organizações, já que 24% creem que elas devem realizar eventos e campanhas nas ruas para conversar com a população sobre o tema.
Para Arantes, do Idec, só o fato de a população enxergar nas ONGs a possibilidade de atuação para a conservação e defesa do meio ambiente já é muito positivo. "Esse é um resultado importante, pois reconhece o papel dessas organizações para a construção de uma sociedade em que o consumo e a produção sustentável sejam incentivados", comemora. "Ademais, essa percepção vai ao encontro do que está no 'DNA' do Idec, que, como organização de consumidores, se coloca frente ao poder público, tanto para fornecer evidências qualificadas quanto para cobrar por mudanças e denunciar práticas nocivas", completa.

Para Astrini, do Observatório do Clima, nos últimos três anos, as ONGs exerceram, de forma mais intensa do que nunca, a função de resistência aos retrocessos ambientais no País. "Acredito que nosso papel na agenda ambiental é também de responsabilidade social, ligado diretamente aos problemas reais da população. Em um país como o Brasil, um clima mais hostil [provocado pelas mudanças climáticas] é uma verdadeira fábrica de gerar pobreza e ainda mais desigualdades", alerta. Nesse sentido, ele defende como medida imprescindível que o próximo Governo, a ser eleito em outubro, reverta o atual quadro de desolação da agenda ambiental e promova adaptações às mudanças do clima já em curso. É uma questão de sobrevivência. "Tragédias recentes como as que vimos no norte de Minas [Gerais], no sul da Bahia, em Petrópolis (RJ) e agora [em maio] em Recife (PE) serão, infelizmente, cada vez mais comuns e intensas. Estamos falando de centenas de pessoas que perdem, a cada tragédia, suas vidas, de seus familiares ou o pouco que conseguiram juntar para sua subsistência", destaca Astrini.
Levando isso em conta, pensar na sustentabilidade como medida estruturante e fundamental para a vida humana é uma tarefa de toda a sociedade, que não pode mais ser adiada. "O consumo sustentável precisa ser praticado agora! Os arranjos atuais vêm sendo insuficientes ou incapazes de trazer as mudanças que a sociedade deseja e no tempo que o planeta precisa. Por outro lado, inúmeras soluções, experiências e alternativas viáveis já estão em curso. É a partir delas que pretendemos consolidar as bases para uma transição sustentável, responsável e urgente", finaliza Arantes.